16.9.16

A ANUNCIADA PRESENÇA PUBLICA DE LULA

HELIO FERNANDES -

Começou muito atrasada num hotel de São Paulo. Mas o ex-presidente não se incomodou. Não foi entrevista, como muitos esperavam, e que não deveria ser de maneira alguma. Falou de improviso, como sempre, mas consultava um papel, onde estavam anotados os pontos principais. Que não poderia esquecer. Grandes oradores fazem isso.

(Não esqueço o discurso da extraordinária figura e notável orador que foi Afonso Arinos de Melo Franco. No dia 22 de agosto de 1954, no Palácio Tiradentes. Foi dos seus maiores discursos, com números e falas, assinalados. 48 horas antes do suicídio de Vargas, que ele logicamente não imaginava que iria acontecer. Quando aconteceu, veio o arrependimento que o fez sofrer terrivelmente, durante anos).

Lula premeditou tudo. Se concedesse entrevista, perderia o controle, teria que responder as perguntas. Que naturalmente não seriam agradáveis. A fala de ontem pode merecer três definições. Pronunciamento inicial. Depoimento como conseqüência. E finalmente, reminiscências de fatos que gostaria que fossem relembrados, e tomou a iniciativa.

Fora disso, mais nada. Nem ataque nem defesa. Deixava visível, que não deve explicação a ninguém. Os outros, todos, é que devem reverenciá-lo pelo que fez pelo Brasil. Se apresentou como "um cidadão indignado", tranqüilo, e a citação entre aspas: "Vocês não ouvirão um ex-presidente zangado, de mau humor, se defendendo de perseguições". E não se afastou desse roteiro.

Falou apenas para companheiros, presentes e ausentes. Assinalou: "Espero que a minha fala tenha a mesma cobertura e espaço, que deram aos meus acusadores". Era uma reivindicação e não acusação. Não esqueceu de elevar a voz, quando exaltava suas realizações. "Criei o maior partido de esquerda da America Latina. E não será preciso reconstruí-lo".

Os maiores aplausos apareceram com esta declaração: "Tenho 70 anos, espero viver mais 20, fazendo e repetindo tudo que fiz até hoje". Era a certeza de que não abandonaria a vida política, e conseqüentemente, 2018 continua como um dos objetivos. Abraços gerais, sentiram que o líder do PT estava presente, e disposto a lutar novamente pelo Poder.

Reminiscências pessoais que gosta sempre de colocar. Como esta: "Sinto imenso orgulho, de ter sido o único presidente brasileiro, a produzir à maior "ascensão social da Historia". Decidiu então fazer uma lembrança, aparentemente negativa contra ele mesmo: "Não admitiam que um trabalhador que não tinha nenhum curso, e que falava "MENAS laranjas (risos gerais), poderia chegar a Presidente da Republica, e ser um sucesso completo".

Olhou o papel, era hora de mostrar o que aconteceu, a partir da posse como Presidente: "Tinha certeza de que faria um grande governo. Me lembrava de um outro trabalhador, da indústria de estaleiros, e que foi um fracasso completo". Logo falou o nome desse trabalhador, Waleska.

Que segundo o próprio Lula falou pela primeira vez: "Foi presidente da Polônia, jogou tudo fora". E confidenciou, abaixando a voz: "Eu não serei como ele, serei o maior presidente da historia do Brasil'. Parou um pouco, concluiu o capitulo: "E fui, têm medo que eu volte".

Falou 57 minutos diretos, deu por encerrado, mas lembrou de alguma coisa, retomou. Foram mais 6 minutos, dirigidos principalmente a deputados e senadores, que fizeram a defesa dele e da presidentA Dilma, "a grande injustiçada". Foi a única citação, não podia lembrar, que começaram a brigar durante anos. A partir do momento em que ela não quis devolver o poder a ele em 2014, descumprindo o acordo. Se ele voltasse em 2014,nada teria acontecido.

Terminou, foi para a rua, não tocou nem de longe, na acusação da Força Tarefa de Curitiba. Não estava no roteiro, e não queria permitir a treplica do procurador Dartagnoll. Como estratégia, perfeito. Mas o poder de encerrar a denuncia, não está em suas mãos. A ultima palavra caberá ao juiz Sergio Moro.

Ele está em Nova Iorque. Nem recebeu o relatório de 149 laudas. Também, é publico, não gosta de decidir apressadamente. Tudo isso vai longe. Alguns esperam que Lula participe da eleição de São Paulo, ajudando a reeleição de Haddad. Que aliás ficou lá o tempo todo. E saiu com Lula.

Lula: "Não ha, no mundo, ninguém mais honesto do que eu"

A frase já deteriorada pelo uso indevido e pela falta de comprovação, sofreu pela primeira vez, um ataque frontal. E com a contundência escrita e falada, do Procurador Deltan Dalagnoll, estarreceu e assombrou o país. E como é habitual hoje, imediatamente repercutiu no mundo inteiro.

Ontem mesmo, achei estranho que o Ministério Publico de Curitiba, obtivesse a cobertura espantosa que obteve. Não apenas no momento do estrondo, na TV da quarta, mas nos jornais impressos de quinta. Com direito a discordância editorial entre todos. Intransigente defensor da Lava-jato, tenho que reconhecer que houve exagero na denuncia, influenciando naturalmente a repercussão.

Mas a importância e a relevância do personagem, excitou até os normalmente mais calmos e reflexivos. 62 anos depois do assombro e do estarrecimento, com a fúria da oposição levando Getúlio Vargas a "deixar a vida para entrar na Historia", um ex-presidente, com enorme popularidade e liderança, é levado, de forma retumbante ás manchetes, acusado de corrupção.

É impossível deixar de reconhecer a importância que Lula ainda exerce na vida política do país. Mas da mesma forma, não se pode ignorar a força que ele mesmo fez, para desperdiçar esse capital, trocando-o por um outro capital mais especulativo e no seu entendimento, mais vantajoso. Foi um erro clamoroso, que agora é cobrado nos tribunais competentes.

A denuncia pode ser contestada, mas só por ele. E não por advogados sem criatividade e sem repercussão. Que receberam também enorme espaço na TV, mas desperdiçaram de forma medíocre.

A denuncia estrepitosa provocou as mais contraditórias reações. Quase todas movidas por interesses políticos e principalmente eleitorais. Que na interpretação de tantos, vai da eleição municipal de agora, até á distante e imprevisível campanha presidencial de 2018.

Não existe nenhuma possibilidade de negar a participação e o interesse desequilibrado, dos mais diversos grupos políticos. Não na influencia sobre a lava-Jato. Mas inegavelmente na manipulação despropositada da denuncia. Que continua nos mais diversos órgãos de comunicação.