5.9.16

"INSTRUÇÕES PARA ENFRENTAR O MAU TEMPO"!

Por PACO URONDO -

Vejam poesia escrita por Paco Urondo, em plena ditadura militar argentina (1973-76) e tão atual para os tempos de golpistas brasileiros.


Em primeiro lugar, não se desespere.
E em caso de agitação não siga as regras que a repressão quiser impor. 
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo. 
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros,
os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura. 
Não deixe que a estupidez se imponha. 
Defenda-se. 
Contra a estética, ética. 
Esteja sempre atento. 
Não lhes bastará empobrecê-lo, e vão querer subjugá-lo na sua própria tristeza. 
Ria ostensivamente. 
Tire sarro: a direita é mal comida! 
Será imprescindível jantar juntos, a cada dia,  até que a tormenta passe. 
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes. 
Diga para o compa: bom dia, por favor e obrigado. 
E tomar no cu, para os de cima. 
Atire tudo o que puderes, mas nunca sozinho. 
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde. 
Lembre-se  que os artistas serão sempre nossos. 
E o desprezo será eterno  para o bando de impostores que os acompanham. 
Tudo vai ficar bem se você me ouvir. 
Sobreviveremos novamente, estamos prontos. 
Cuidemos dos jovens, que "eles" vão querer poda-los. 
Só é preciso preparar-se bem e não amesquinhar amabilidades. 
Devemos ter sempre  à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão. 
Sorrir aos nossos pais, como vacina contra a angústia diária. 
Ser generosos com os amigos. 
Não confundir os ingênuos com os traidores. 
E, mesmo com estes, ter o perdão quando acabarem com suas  ilusões. 
Aqui ninguém sobrará. 
E, para isto , ser perseverantes e tenazes,
escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites. 
Ainda que sustentados na teimosia se a fé desmoronar. 
Nisso, não haverá trégua para ninguém. 
A poesia dói  para esses filhos da puta!.

* Enviado por e-mail ([email protected])
— Paco Urondo (1930-1976). Escritor, jornalista, poeta, militante político e guerrilheiro montonero. Foi assassinado em Mendoza, em 17 de junho de 1976. Teve três filhos, e  a filha Claudia, foi também assassinada pela ditadura militar em 1976.