8.11.16

O BNDES E A CAMPEÃ DO DESENVOLVIMENTO

HÉLIO DUQUE -


A sociedade brasileira tem memória curta, daí o passado ser sempre ignorado. Na década de 50, do século passado, a transição do País rural para uma realidade onde o mundo urbano emergiria, o desenvolvimento foi prioridade na Assessoria Econômica da presidência da República estruturada por Getúlio Vargas. Os economistas Rômulo Almeida e Jesus Soares Pereira seriam os responsáveis pelo lançamento e implementação de políticas estratégicas de desenvolvimento econômico. Tinha presença ativa, também, os economistas Ignácio Rangel e Cleantho de Paiva. Entre 1951 e 1954, nas suas planilhas eram criadas a Petrobrás, o Plano Nacional do Carvão, o Plano de Valorização da Amazônia, o Banco do Nordeste e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, anos depois teve o S acrescido, passando a ser o BNDES.

Nascido em junho de 1952, se transformaria em um dos mais importantes agente de desenvolvimento em todo o mundo. O seu objetivo seria o financiamento a longo prazo de investimentos na estrutura e infraestrutura brasileira. É o segundo maior banco de desenvolvimento do mundo, atrás apenas do China Development Bank. Estrategicamente é ofertante de crédito subsidiado a taxas de juros inferiores às praticadas pelo mercado, financiado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), em 80%, acrescido do PIS-PASEP e aportes do Tesouro Nacional. O custo fiscal, decorrente do subsidio, é repassado para a sociedade produtiva.

A lógica da oferta de crédito de longo prazo para investimentos, com taxas inferiores às do mercado, objetiva assegurar o desenvolvimento para micro, pequenas, médias e grandes empresas. A TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) é o referencial nos contratos celebrados. Lamentavelmente, nos últimos anos, o maior valor dos recursos foram destinados às grandes empresas, na proporção de 70%, ficando as micro, pequenas e médias empresas com 30%. O indicativo político na escolha de empresas, nos governos Lula e Dilma, pelo BNDES para o repasse de recursos gerou deformações e privilégios para grandes grupos econômicos. Aquelas micro, pequenas e médias empresas de menor porte econômico, grandes geradores de emprego, ficaram em posição secundária.

Os dois governos resolveram fazer do BNDES uma área fértil para financiar grandes grupos econômicos com dinheiro subsidiado, garantindo interna e externamente bilhões de reais para sustentar a expansão dos seus projetos. A farsa das “campeãs do desenvolvimento” assegurou à famosa “Bolsa Empresário”, com o aporte de recursos do Tesouro Nacional no banco no total de R$ 520 bilhões. Entre 2009 a 2014, a distribuição de recursos foi de R$ 354 bilhões. Agora em 2016, o Ministério da Fazenda projeta um custo fiscal de R$ 27 bilhões, no ano, para pagamento de juros, impactando a dívida pública, em função do endividamento do Tesouro.

A nova direção do BNDES tem o desafio de reestruturar e redefinir a sua verdadeira função. Priorizando investimentos na infraestrutura, nas pequenas e médias empresas, limitando a participação nos benefícios, decorrentes dos subsídios, aos grandes grupos econômicos. Pela razão objetiva das grandes empresas terem patrimônio e acesso ao crédito para as negociações impedindo a exótica reestruturação do grupo JBS (Friboi), sinalizou radical mudança de postura. Na sua composição acionária, o JBS tem o BNDESPAR detentor de 20,4% das suas ações, acrescido de mais 6,9% da Caixa Econômica Federal, totalizando 27,3% de recursos públicos. O veto se originou do fato do acionista controlador pretender criar o “JBS Foods International”, com sede na Irlanda e suas ações sendo listadas na Bolsa de Nova York.

Em manifestação oficial, o BNDES considerou textualmente: “Seria uma desnacionalização da empresa”. Significaria a transferência para a Irlanda de ativos que se traduzem em 85% da geração de caixa da empresa. A subsidiária brasileira seria integrante da “JBS Foods International”. Operando em 22 países, desejava transferir para o exterior o seu núcleo internacional, com reflexo direto na economia nacional. O grupo integra a constelação das apelidadas “campeãs nacionais do desenvolvimento”, criadas nos governos Lula e Dilma.

Ao barrar a reestruturação desnacionalizante, em uma empresa que detém 27,3% de dinheiro público na sua composição acionária, o BNDES sinalizou forte compromisso com o desenvolvimento nacional. Alvíssaras!!!

*Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.