2.11.16

POEMAS DE MORTE: Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes

CULTURA -

Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.
(Pablo Neruda)

***

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO (Augusto dos Anjos)
Resultado de imagem para gif morte

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.


Produndissimamente hipocondríaco, 

Este ambiente me causa repugnância... 

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!

***
A MORTE ABSOLUTA (Manuel Bandeira)
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.

Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

*** 

POÉTICA (Vinícius de Moraes)
De manhã escureço
De dia tardo

De tarde anoiteço

De noite ardo.


A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

***

*Reprodução do site pensador.