12.5.18

UTILIDADE PÚBLICA PRA QUEM QUER FALAR BEM OU MAL DE MACUMBA

LUIZ ANTONIO SIMAS -


O ataque monorracional de ignorância cognitiva, racista e ignóbil do Padre Fábio de Melo me faz voltar ao tema. Já escrevi sobre isso, mas é impressionante como o próprio povo da curimba comete um equívoco - um erro compreensível de etimologia - sobre a expressão. Confundem o instrumento musical com os cultos religiosos. Não aguento mais escutar a frase "macumba na verdade é um instrumento". É o seguinte: macumba é instrumento, mas designa também um conjunto de rituais religiosos que bebem na fonte dos complexos culturais bantos. Parece até que o povo tem vergonha de dizer que é macumbeiro. Eu sou macumbeiro e ponto.Tento explicar.

O instrumento macumba designa uma espécie de reco-reco que se tocava com duas varetas,uma fazendo o grave e outra o agudo. O termo tem provavel origem no quimbundo "mukumbu"; que significa som. Foi relativamente popular na época dos pioneiros do samba e eu nunca vi um.

Já a macumba como expressão que designa, algumas vezes de forma pejorativa, cultos afro-ameríndios-brasileiros e coisas que o envolvem, gera bons debates. Antenor Nascentes segue Raymundo Jacques (que escreveu a obra de referência "O elemento afro-negro na língua portuguesa", em 1933), e acha que vem do quimbundo "dikumba" - cadeado ou fechadura - referindo-se a cerimônias secretas de fechamento dos corpos. Nei Lopes - profundo conhecedor do assunto - acha que vem do quicongo "kumba"; feiticeiro (o prefixo "ma", no quicongo, forma o plural). Outros estudos indicam que a origem é mesmo essa, como menciona Robert Slenes em seu estudo sobre o jongo. Daí a expressão macumba designar tanto uma espécie de reco-reco como as cerimônias, por exemplo. A etimologia, porém, é distinta nos dois casos: uma deriva do quimbundo e outra do quicongo. Muda tudo.

Para as amizades sentirem como o bicho pega, dou mais um exemplo: kumba no quicongo, como citei, é feiticeiro. Já em umbundo, designa tanto o conjunto de serviçais domésticos como um grupo de familiares que moram num mesmo cercado. Kumbi é sol no quimbundo e gafanhoto no quioco, lingua que também forma o plural com o prefixo ma. Makumbi, portanto, designa um bando de gafanhotos. O complexo cultural banto não é mole.

Macumba tanto pode designar o instrumento que ninguém mais conhece (termo de origem quimbundo), como os ritos religiosos (termo de origem quicongo). É nesse sentido que eu uso e afirmo meu pertencimento. Sou da macumba, vou para a macumba, faço macumba e não toco reco-reco. É isso. Mas que troço chato esse reco-reco. Vou te contar...

No mais, vem aí Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. (via Facebook)