21.8.18

AS DINASTIAS FAMILIARES

HÉLIO DUQUE -


Originário da Idade Média, o objetivo do feudalismo é marginalizar o poder central, estabelecendo a relação de dependência entre vassalos e suseranos. O suserano é dono de um feudo e a grande maioria da população é dependente e se submete à vassalagem. O vassalo é um subordinado submisso que se entrega à dependência do senhor feudal. A realidade política brasileira, expressada nas atuais legendas partidárias, submete a sociedade aos valores de um tempo feudal. Os partidos políticos, ao invés de buscar a arte de bem governar para o interesse comum, transformaram-se em máquinas de preservação dos interesses pessoais e de corporações grupais. A esperteza astuta entende que o Estado deve ser provedor de vantagens, inclusive familiares, como vem acontecendo.

O vácuo da verdadeira representatividade popular vem sendo ocupado em grande número pelas dinastias familiares. O saudoso Ulysses Guimarães, no livro “Rompendo o Cerco”, alertava: “É indecoroso fazer política uterina, em benefício de filhos, irmãos, cunhados. O bom político costuma ser mau parente.” Morto há duas décadas e meia, o timoneiro da redemocratização foi poupado de viver o tempo presente. A inflação de filhos, irmãos, sobrinhos, esposas, cunhados e agregados pela genética proliferam na vida pública, formando disfarçadas capitanias hereditárias políticas na ocupação de cargos no executivo, no legislativo e até no poder judiciário.

As dinastias genéticas, quase sempre despreparadas, são grupos liliputianos, deslumbrados com as delícias do poder. Inexistem como representantes de princípios e ideários e nisso estão a altura dos partidos a qual são filiados. Estes servem unicamente para o registro de candidaturas, cultivando o arcaísmo como projeto de poder. Desigualdade social, cidadania incompleta, falta de compromisso com os valores humanistas, em que liberdade, igualdade e fraternidade deveriam ser pedra angular, estão fora da agenda dessas dinastias.

Ignorantes dos ensinamentos do grego Aristóteles, quando pregava que o valor público supremo é servir ao bem comum, os políticos uterinos não sabem o que é “res pública”. O poder das dinastias familiares e fisiológicas é um dos responsáveis, no Brasil, pelo enfraquecimento do Estado democrático. Aprofundando a desqualificação da atividade política, levando os melhores quadros a se manter longe da vida pública. E nesse processo deformado, renovar por renovar não garante nada. Mudam os prenomes, mas os sobrenomes continuam intocáveis.

No Rio, o cientista político Alfredo Sirkis, radiografava essa realidade, recentemente: “A maioria dos bons quadros da sociedade civil foge dessa realidade nauseabunda. Quem não dispõe de fortuna pessoal, herança política familiar, púlpito de pastor, microfone de radialista, direção corporativa, prefere evitar compromissos comprometedores. Para o político íntegro, essa ave rara, vai se chegando a quadratura do círculo.” Os feudos genéticos retratam um tempo de degeneração da ética pública ampliando o poderio familiar nas disputas eleitorais. Com isso geram a desconfiança, a frustração e o desrespeito do eleitorado pela atividade pública.

Em passado recente as regiões norte e nordeste eram líderes absolutas nessa deformação política, onde prevalecem os clãs familiares. Nos últimos tempos, as regiões sul e sudeste aderiram ao nefasto modelo, com o feudo familiar arrombando a vida pública. Em nome de uma falseada mudança renovadora, as dinastias escalam os seus herdeiros nos governos de Estado, nas Prefeituras, no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, consolidando o Estado patrimonialista.

Com grande sabedoria naquele seu livro Ulysses Guimarães advertia: “O poder não corrompe o homem. É o homem que corrompe o poder.” Aí está uma das causas da corrupção estrutural que, tristemente tem presença no Brasil.

* Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.