5.8.18

PESSIMISTA ATIVO

LUIZ ANTONIO SIMAS -

No meio dessa crise toda fui chamado hoje, carinhosamente, de otimista. Discordei. Não sou otimista, nem a pau. Sou Botafogo e Império Serrano, amizades. Eu acho que sou um pessimista ativo, na linha do caboclo Benjamin, o Walter. Explico rapidinho.


Em um artigo sobre o Surrealismo, lançado em 1929, Benjamin escreveu o seguinte: "Pessimismo em toda a linha. Sim, na verdade, e totalmente. Desconfiança quanto ao destino da literatura, desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do homem, mas sobretudo desconfiança tripla diante de qualquer acomodação: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos. E confiança ilimitada apenas na I. G. Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Luftwaffe".

Registre-se nesse trecho, escrito antes da chegada de Hitler ao poder e marcado pelo pessimismo ativo (que não tem nada de conformismo em Benjamin - o pessimismo para ele era a maneira de escapar da ilusão do compromisso social que, ancorado em nome do progresso e da técnica, naturalizava a espoliação infame dos mais fodidos), a ironia certeira sobre a Luftwaffe - a força aérea alemã que faria o diabo na Segunda Guerra Mundial - e a I.G. Farben, que futuramente fabricaria o gás Ziklon B e daria ares industriais ao genocídio nazista.

Daí vem as Teses sobre o conceito da História, a proposta de ruptura com a "empatia pelo vencedor" e a necessidade de se escovar a História a contrapelo, a partir da ativa adesão, inclusive do ponto de vista da produção do conhecimento, e empatia por aqueles que sucumbem, esmagados e com os corpos em frangalhos, ao avanço triunfal das ideias de civilização e progresso (nunca houve um monumento da cultura que não fosse um documento da barbárie, tá lá na Tese VII).

Quando li Benjamin a primeira vez (mal desconfiando que agradeceria a ele da maneira que me cabe; dando ao meu filho o seu segundo nome, que é o mesmo de Paulo da Portela), percebi a impactante confluência entre seus fragmentos e alguns pontos de caboclo e boiadeiro que cresci escutando nas umbandas e encantarias em que me eduquei: a miudinha é que nos alumeia.

De tudo isso, depreende-se que, fragmentariamente, o olhar que lanço sobre a História é de vigorosa empatia pela turma esmagada por uma História, ainda incrivelmente presente nas nossas escolas e manuais, (assim como a cultura não é isenta de barbárie, o processo de transmissão da cultura também não é; tese VII novamente), que privilegia uma leitura do processo histórico como um acúmulo de grandes feitos políticos e militares de viés eurocentrico. No nosso caso, a circunstância que nos fez habitantes dos confins do sul, lambuzados de amerindias áfricas e dos seus tambores, agrava ainda mais essa patologia.

Para quem acompanha meu trabalho, reafirmo aquilo que escrevi na abertura de um livro nspirado em Seu Pedra Preta e no alemão pessimista:

"Me interessam foliões anônimos, bêbados líricos, jogadores de futebol de várzea, clubes pequenos, putas velhas, caminhoneiros, retirantes, devotos, iaôs, ogãs, ajuremados, feirantes, motoristas, capoeiras, jongueiros, pretos velhos, violeiros, cordelistas, mestres de marujada, moças do Cordão Encarnado, meninos descalços, goleiros frangueiros e romances de subúrbio, embalados ao som de uma velha marcha-rancho, triste de marré deci, que ninguém mais canta(..) O resto são as coisas e pessoas poderosas - inimigas dos rios e das ruas - e suas irrelevâncias." (via facebook)