5.4.19

MÍDIA TENTA SALVAR DEPOIMENTO HIPÓCRITA DE PAULO GUEDES

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Esperava-se de jornalistas econômicos que analisassem de forma a mais isenta possível os conteúdos relevantes do debate entre o ministro Paulo Guedes e os parlamentares que o interrogaram na Câmara na última quarta-feira. Miriam Leitão, colunista de O Globo, não se contentou com isso. Talvez pela falta de conteúdo do debate em si, dedicou sua coluna de quinta-feira a expor, não propriamente as teses de Guedes, mas a forma como Guedes deveria ter-se comportado para defendê-las, mesmo que não ficasse esclarecido como deveriam ser justificadas perante os deputados e a sociedade.

Como o depoimento de Guedes foi um desastre, a grande mídia impressa fez incríveis contorções para salvá-lo. Cito Miriam Leitão como um caso paradigmático. Ela reflete a opinião econômica e social do maior grupo de mídia brasileiro, e portanto tem efetiva influência no meio, e externamente. Acredito que, ao emitir suas opiniões neoliberais, ela é sincera ao acreditar que refletem a justa economia. Ou seja, talvez não tenha vontade e conhecimentos econômicos suficientes para escapar das armadilhas do poder financeiro que comanda o mundo e o Brasil atualmente dentro do conceito de globalização.

Mas há algo que não perdôo em Míriam. E isso me leva a escrever este artigo por acreditar que ela expressa a opinião, não só dela mesma, mas do desumano neoliberalismo radical que, com Guedes, chegou ao Brasil com força avassaladora. Ela diz que, se o Congresso enterrar esta reforma, “tornará o colapso (do país) mais iminente”. Desculpe-me, Míriam: sua observação faz parte do receituário canalha dos grandes vilões da economia mundial e brasileira contemporâneos, ou seja, o sistema financeiro especulativo, que colocou em pauta a completa escravização do trabalho no Brasil e no mundo sob a ideologia da eficiência.

O colapso anunciado não é o da Previdência, mas o do sistema econômico neoliberal. É o colapso do governo Temer, que enterrou o Brasil com quedas acumuladas do PIB da ordem de 8% em três anos e aumento do desemprego para níveis recordes, da ordem de 13%, a partir do nível de quase pleno emprego de 4,8% em 2014. O colapso foi a tragédia de termos um governo que não se identificava com o povo, porque não precisou de povo para chegar ao poder, e portanto podia se dar ao luxo de destruir empregos sem tomar uma única iniciativa de ampliá-los, descuidando totalmente do crescimento da economia.

O colapso a que nos tem sido levado o novo governo, na sequência de Temer, é que, em três meses no poder, também não tomou, seguindo o padrão anterior, uma única iniciativa de ampliação do emprego. Ao contrário, através de medidas sucessivas nas áreas dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e Caixa) e de investimentos concretos do governo - por exemplo, o Minha Casa Minha Vida -, só tem tomado iniciativas contracionistas, que levarão inevitavelmente a uma nova queda do PIB neste ano, elevando de forma recorrente a taxa de desemprego para níveis ainda mais dramáticos.

E não me venham dizer que se trata de uma determinação tecnológica que leva à redução do emprego. O ano de 2014 não é tão longe assim, e nesse ano, com nível tecnológico não muito diferente de hoje e sem o esbulho dos direitos trabalhistas que ocorreram em 2017, o país estava gerando crescente número de empregos formais por força de uma política econômica que, não sendo ideal, era ao menos sensata. Isso não é mágica. É uma política de busca do pleno emprego, que, mesmo inconscientemente, provou ser eficaz no Brasil a despeito da indiferença das elites e da estupidez da classe dominante.

Voltemos à Previdência. A crise é o resultado líquido da queda do crescimento econômico pautado por ajustes fiscais neoliberais. É essa tragédia que nos leva ao abismo desde 2015. A retomada do crescimento eliminaria a crise de financiamento fiscal e, com ela, a margem de crise existente da seguridade social. Se gente supostamente informada como Miriam Leitão não sabe, é preciso afirmar com toda a ênfase que a Previdência não está em crise financeira. Há, sim, uma crise financeira marginal na Seguridade. Nos dois casos, teríamos superávits espetaculares se fosse retomado o crescimento da economia.

E como retornar ao crescimento? Simples, recorrendo a um programa keynesiano. Tenho defendido isso há anos, mas agora temos um parceiro de peso, André Lara Resende, trazendo fundamentos econômicos relevantes para o debate. O fato é que sabemos há tempos que, numa economia em recessão, o Estado que emite sua própria moeda não tem restrições financeiras. Pode perfeitamente ampliar seus gastos deficitários sociais e em infra-estrutura até o limite da capacidade produtiva da economia. Sem sacrifício para a sociedade, e sem risco inflacionário ou de estabilidade da dívida pública. Retomando o crescimento, o déficit acaba.

Quem não gosta disso são os bancos, mas a adesão de André, muito ligado a bancos, a essa tese “revolucionária” oriunda das Finanças Funcionais de Abba Lerner lhe dá maior credibilidade nos meios econômicos dominantes. Quem sabe Miriam Leitão, com todo o seu prestígio jornalístico, também não adere à tese? Se isso acontecer e ela trouxer pelo menos parte de seu pessoal com ela, todos nós contribuiremos para que não haja nenhum “risco de colapso iminente” da economia, sem corte de nenhum direito. Ao contrário, abriremos o espaço para um New Deal brasileiro ou um Novo Plano alemão dos anos 30.

Finalmente, Míriam, repense seu apoio ao regime de capitalização. É um regime que se tem revelado criminoso no mundo. No nosso caso, não seria voluntário, como diz Guedes de forma hipócrita, mas compulsório. Podendo evitar contribuir para a previdência social, usando a carteira verde-amarela, o patrão não empregará ninguém que tente optar pela Previdência pública. Na verdade, demitirá os antigos que estão nesse regime para forçá-los a adotar a capitalização. Perdendo a contribuição do patrão, a Previdência pública se extinguirá progressivamente porque não teria também a contribuição do trabalhador, forçado à capitalização. Ao fim, não haveria como financiar as aposentadorias atuais e emergentes. Muitos aposentados e pensionistas, levados à inanição, se suicidariam. Como no Chile!