17.7.18

SENTENÇA GENÉRICA CONDENA ATIVISTAS ÀS VÉSPERAS DE CAMPANHA ELEITORAL

ROGER MCNAUGHT -


O juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, sentenciou em primeira instância os ativistas envolvidos em protestos contra a Copa do Mundo de 2014 e contra os desmandos da administração pública do governo Cabral a sentenças entre cinco e sete anos de reclusão em regime fechado nesta terça-feira (17).

O processo – que segundo vários juristas apresentava várias inconsistências – teve sua decisão anunciada nesta terça-feira e apresentou argumentos questionáveis além de condenação genérica mesmo para os cinco réus que tiveram sua absolvição pedida pelo próprio Ministério Público – o que demonstra que não houve sequer análise caso a caso, tratando os réus de forma genérica e sem a devida atenção jurídica. Alguns dos trechos da sentença são bastante curiosos no que tange a justificativa:

A ré tem uma personalidade distorcida, voltada ao desrespeito aos Poderes constituídos, o que pode ser constatado, no tocante ao Judiciário, por ter descumprido uma das medidas cautelares impostas pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (proibição de frequentar manifestações e protestos), o que acarretou a decretação de sua prisão preventiva (vide fls. 4.522/4.523), urgindo ressaltar que o fato de o Ministro Sebastião Reis Júnior, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ter deferido a medida liminar pleiteada no RHC 56.961/RJ e revogado sua custódia cautelar (vide fls. 7.501/7.506) não tem o condão de apagar o descumprimento da medida cautelar imposta, que até tal revogação ocorreu, e o desrespeito ao Poder Judiciário. Já o desrespeito ao Poder Executivo pode ser evidenciado, por exemplo, pelo enfrentamento aos policiais militares nas passeatas (as imagens de TV dizem mais do que mil palavras, sendo certo que os materiais apreendidos na residência da ré ********** - e também aqueles não apreendidos, mas mencionados pela Delegada de Polícia Marcela Ortiz em seu depoimento, quais sejam, pedaços de pau, máscaras e escudos - não deixam dúvida quanto à utilização dos mesmos contra os agentes da lei e da ordem nas passeatas) e ao ´Ocupa Cabral´ (é inacreditável o então Governador deste Estado e sua família terem ficado com o direito de ir e vir restringido). O desrespeito ao Poder Legislativo, por sua vez, pode ser verificado, por exemplo, pelo ´Ocupa Câmara´. Outrossim, a ré em comento tem uma conduta social reprovável, pois, apesar de sua condição social, ou seja, apesar de ser uma produtora audiovisual (vide fl. 7.566), e de sua condição econômica superior à maioria da população brasileira (afinal, além de residir em um local típico de classe média, consoante se pode constatar à fl. 7.566, conseguiu se sustentar, sem trabalhar, nos vários meses em que ficou foragida), não trilha o caminho da ética e da honestidade, não se podendo perder de vista, ainda, que, em razão das retromencionadas condições social e econômica, a ré teve oportunidades sociais que a esmagadora maioria dos réus nas ações penais não teve”.

Observando tal argumentação fica clara a tendência distorcida de membros do judiciário que associam “conduta” a “condição socioeconômica”, criminalizando e pré-julgando pessoas pobres e igualmente criminalizando o direito à oposição política ao sistema vigente, o que é impensável em um Estado Democrático de Direito. Nota-se igualmente que a mesma justificativa foi utilizada e reutilizada várias vezes na sentença, demonstrando uma padronização não condizente com um processo criminal que pode destruir as vidas de dezenas de manifestantes perseguidos políticos do estado brasileiro.

Não bastando o absurdo das comparações sem o menor respeito para com pessoas em situação de vulnerabilidade social e para com o posicionamento político dos réus, observou-se que parte da sentença de sete anos proferida para os manifestantes foi justificada da seguinte forma:

No tocante ao crime do art. 288, parágrafo único, do Código Penal, atento às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, há que se fixar a pena-base no máximo legal, ou seja, em 3 (três) anos de reclusão, em decorrência da personalidade distorcida do réu, de sua conduta social reprovável, das circunstâncias do crime, das consequências do delito e dos motivos do crime, consoante se pode verificar a seguir”.

É isso mesmo, conduta social e personalidade são motivos para prisão...  Estamos assistindo a um espetáculo macabro que visa enterrar de vez o Estado Democrático de Direito – que pressupõe livre pensamento e liberdade de oposição política – e implantar o “Estado Burocrático de Direita”, onde a única liberdade possível é a de concordar com um sistema que condena parcelas inteiras da população à miséria, fome, exploração e submissão pela força.

Uma das partes mais curiosas foi a demora na publicação de uma sentença que, segundo advogados, deveria ter ocorrido há mais de um ano.  Mais curioso ainda é a publicação em meio a um período onde boa parte do Poder Judiciário está em recesso e às vésperas do período eleitoral.   Seria esta sentença neste momento um “aviso” para evitar manifestações durante as eleições?

Tempos sombrios se aproximam...  NÃO PASSARÃO!!!