ROGER MCNAUGHT -
O juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, sentenciou em
primeira instância os ativistas envolvidos em protestos contra a Copa do Mundo
de 2014 e contra os desmandos da administração pública do governo Cabral a sentenças
entre cinco e sete anos de reclusão em regime fechado
nesta terça-feira (17).
O processo – que segundo vários juristas apresentava várias
inconsistências – teve sua decisão anunciada nesta terça-feira e apresentou
argumentos questionáveis além de condenação genérica mesmo para os cinco réus
que tiveram sua absolvição pedida pelo próprio Ministério Público – o que
demonstra que não houve sequer análise caso a caso, tratando os réus de forma
genérica e sem a devida atenção jurídica. Alguns dos trechos da sentença são bastante curiosos no que tange a
justificativa:
“A ré tem uma personalidade
distorcida, voltada ao desrespeito aos Poderes constituídos, o que pode ser
constatado, no tocante ao Judiciário, por ter descumprido uma das medidas
cautelares impostas pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro (proibição de frequentar manifestações e protestos), o que
acarretou a decretação de sua prisão preventiva (vide fls. 4.522/4.523),
urgindo ressaltar que o fato de o Ministro Sebastião Reis Júnior, da 6ª Turma
do Superior Tribunal de Justiça, ter deferido a medida liminar pleiteada no RHC
56.961/RJ e revogado sua custódia cautelar (vide fls. 7.501/7.506) não tem o
condão de apagar o descumprimento da medida cautelar imposta, que até tal
revogação ocorreu, e o desrespeito ao Poder Judiciário. Já o desrespeito ao
Poder Executivo pode ser evidenciado, por exemplo, pelo enfrentamento aos
policiais militares nas passeatas (as imagens de TV dizem mais do que mil
palavras, sendo certo que os materiais apreendidos na residência da ré **********
- e também aqueles não apreendidos, mas mencionados pela Delegada de Polícia
Marcela Ortiz em seu depoimento, quais sejam, pedaços de pau, máscaras e
escudos - não deixam dúvida quanto à utilização dos mesmos contra os agentes da
lei e da ordem nas passeatas) e ao ´Ocupa Cabral´ (é inacreditável o então
Governador deste Estado e sua família terem ficado com o direito de ir e vir
restringido). O desrespeito ao Poder Legislativo, por sua vez, pode ser
verificado, por exemplo, pelo ´Ocupa Câmara´. Outrossim, a ré em comento tem uma
conduta social reprovável, pois, apesar de sua condição social, ou seja, apesar
de ser uma produtora audiovisual (vide fl. 7.566), e de sua condição econômica
superior à maioria da população brasileira (afinal, além de residir em um local
típico de classe média, consoante se pode constatar à fl. 7.566, conseguiu se
sustentar, sem trabalhar, nos vários meses em que ficou foragida), não trilha o
caminho da ética e da honestidade, não se podendo perder de vista, ainda, que,
em razão das retromencionadas condições social e econômica, a ré teve
oportunidades sociais que a esmagadora maioria dos réus nas ações penais não
teve”.
Observando tal argumentação fica clara a tendência
distorcida de membros do judiciário que associam “conduta” a “condição
socioeconômica”, criminalizando e pré-julgando pessoas pobres e igualmente
criminalizando o direito à oposição política ao sistema vigente, o que é
impensável em um Estado Democrático de Direito. Nota-se igualmente que a mesma justificativa foi utilizada e reutilizada
várias vezes na sentença, demonstrando uma padronização não condizente com um
processo criminal que pode destruir as vidas de dezenas de manifestantes
perseguidos políticos do estado brasileiro.
Não bastando o absurdo das comparações sem o menor respeito para
com pessoas em situação de vulnerabilidade social e para com o posicionamento
político dos réus, observou-se que parte da sentença de sete anos proferida
para os manifestantes foi justificada da seguinte forma:
“No tocante ao crime
do art. 288, parágrafo único, do Código Penal, atento às circunstâncias
judiciais do art. 59 do Código Penal, há que se fixar a pena-base no máximo
legal, ou seja, em 3 (três) anos de reclusão, em decorrência da personalidade
distorcida do réu, de sua conduta social reprovável, das circunstâncias do
crime, das consequências do delito e dos motivos do crime, consoante se pode
verificar a seguir”.
É isso mesmo, conduta social e personalidade são motivos
para prisão... Estamos assistindo a um
espetáculo macabro que visa enterrar de vez o Estado Democrático de Direito –
que pressupõe livre pensamento e liberdade de oposição política – e implantar o
“Estado Burocrático de Direita”, onde a única liberdade possível é a de
concordar com um sistema que condena parcelas inteiras da população à miséria,
fome, exploração e submissão pela força.
Uma das partes mais curiosas foi a demora na publicação de
uma sentença que, segundo advogados, deveria ter ocorrido há mais de um
ano. Mais curioso ainda é a publicação
em meio a um período onde boa parte do Poder Judiciário está em recesso e às
vésperas do período eleitoral. Seria
esta sentença neste momento um “aviso” para evitar manifestações durante as
eleições?
Tempos sombrios se aproximam... NÃO PASSARÃO!!!