CULTURA

NO OUTONO OU NO INVERNO, A PROGRAMAÇÃO DO TEATRO RIVAL PETROBRAS É SEMPRE QUENTE

Divas como Leny Andrade, Isabela Taviani, Angela Ro Ro e Rosana estão na programação de junho, que ainda tem blues, rock, samba e revivals!
Bom é começar o mês do jeito maravilhoso que o anterior acabou. Se maio fechou lindamente com show do icônico Boca Livre, junho abre do mesmo jeito, com o grupo apresentando, no dia 1º, seu 13º álbum: “Viola de bem querer”. Mas, apesar da novidade, David Tygel (viola de 10 e voz), Lourenço Baeta (violão, flauta e voz), Maurício Maestro (baixo e voz) e Zé Renato (violão e voz) não vão deixar de fora os sucessos dos 41 anos de carreira que os fãs adoram, como “Toada”, “Quem tem a viola”, “Mistérios”, “Diana” e “Desenredo”. Prepara a afinação para fazer parte do coro!
Grupo Boca Livre – dias 31 de maio e 1º de junho (sexta-feira e sábado), às 19h30
Setor A (152 lugares) / Mezanino A (24 lugares): 176 assentos
R$ 100 (inteira)
R$ 50 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)
Setor B (150 lugares) / Mezanino B (24 lugares): 174 assentos
R$ 80 (inteira)
R$ 40 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

No dia 3, é a vez da incrível cantora, multi-instrumentista, compositora e arranjadora carioca Anatasha Meckenna, que apresenta o recém-lançado CD “O amor vem para ficar”. Talento precoce – toca piano desde os 3 anos de idade e compõe desde os 4 –, Anatasha é uma intérprete versátil: apesar de sua formação erudita, passeia com desenvoltura por diversos gêneros da canção popular. Aos 31 anos, ela é graduada em Regência pela UFRJ e graduanda em Licenciatura de Música pela UNIS, possui certificado em especialização sobre História da Ópera e é estudiosa pesquisadora de obras raras e estilos operísticos. Acostumada a grandes concertos, Anatasha vai mostrar que sabe tirar partido de apresentações intimistas como só o Teatro Rival Petrobras é capaz de acolher.
Anatasha Meckenna – dia 3 (segunda-feira), às 19h
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B:
R$ 60 (inteira)
R$ 30 (estudante/idoso/professor da Rede Pública Municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

A noite de blues já é tradição no Teatro Rival Petrobras. Em junho, será no dia 4, com as bandas Indiana Blue e Bandanna Blues. Indiana Blue é um power trio carioca, que faz um mistura de blues e rock, com influências dos mestres do blues Freddie King, John Lee Hooker, Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan, assim como de grandes nomes nacionais: Erasmo Carlos, Raul Seixas e Celso Blues Boy. Já a Bandanna Blues é uma banda carioca que mistura o blues, rock e rockabilly apresentando músicas autorais e releituras de clássicos dos estilos citados. Reconhecida por seus shows sempre animados, Bandanna participou de duas coletâneas de blues nacional, produziu dois EPs independentes e o DVD “Johnny the cat”, e já se apresentou no Rival ao lado do Blues Etílicos e Omar Colleman, de Chicago. Já dá pra imaginar que a noite de blues promete!
Uma noite dedicada ao blues – 2ª edição – dia 4 de junho (terça-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 40 (inteira)
R$ 20 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Revival é o clima do espetáculo “No tempo dos festivais”, atração do dia 5. Formado especialmente para essa produção, o Grupo Ama reúne experientes profissionais do mundo da música: Andréa Montezuma (voz, violão e harmônica), Marcello Lessa (violão, craviola e voz), André Gonçalves (baixo, violão e voz), Dodô Moraes (teclados e acordeon) e Cássio Acioly (bateria e percussão). Com textos e produção de Lula Moura, o show foca nos maiores sucessos dos festivais das décadas de 1960, 1970 e 1980 que vêm encantando gerações. Afinal de contas, são obras de grandes compositores, como Tom Jobim, Taiguara, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivan Lins, Belchior, Guilherme Arantes e Oswaldo Montenegro. Um resgate musical que vai emocionar espectadores de todas as idades.
No tempo dos festivais – dia 5 de junho (quarta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 60 (inteira)
R$ 40 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 30 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Pilotando o piano”. Assim é que a cantora e compositora Angela Ro Ro toma conta do Teatro Rival Petrobras no dia 6.  Em clima totalmente intimista, Ro Ro, uma das vozes mais passionais da música brasileira, fará um passeio por suas canções desde o início da carreira. E se ela canta as dores de amores que ardem na fogueira das paixões, aproveita sua habitual irreverência para fazer o contraponto. É uma experiência única assisti-la a sós com um piano de cauda, seu instrumento e companheiro da vida inteira, desfilando sucessos como “Amor, meu grande amor”, “Tola foi você”, “A mim e a mais ninguém” e “Só nos resta viver”. Ro Ro também vai interpretar repertório de artistas estrangeiros – Janis Joplin, Rolling Stones e Gershwin, entre outros. Se a cantora pilota o piano, nos resta embarcar nessa viagem!
Angela Ro Ro em “Pilotando o piano” – dia 6 de junho (quinta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 70 (inteira)
R$ 55 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 35 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

São mais de 200 anos de talento se juntarmos o tempo de serviços prestados à nossa música por Leny Andrade, Alaíde Costa, Áurea Martins e Gilson Peranzzetta. Eles estão preparando um espetáculo da pesada para o dia 7. É o “Três damas e um maestro”, que reúne os artistas no palco do Teatro Rival Petrobras. Áurea, que costuma comemorar os aniversários na casa (dia 13 de junho, ela faz 79 anos), também festeja os 50 anos de carreira. Leny e Alaíde têm, cada uma, 62 anos de estrada; enquanto Peranzzetta contabiliza 55. Ele já tocou com as três divas, mas esta será a primeira vez que estarão os quatro juntos. Além do talento individual de cada um, o show conta com um primor de repertório, de Noel Rosa a Cartola, passando por Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Baden Powell. É espetáculo para celebrar a vida e a arte, e mandar recado com o grand finale de "Estamos aí", bossa de Durval Ferreira, Maurício Einhorn e Regina Werneck. Ao público, resta estar no Rival também!
Três damas e um maestro – Leny Andrade, Alaíde Costa, Áurea Martins e Gilson Peranzzetta – dia 7 de junho (sexta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 70 (inteira)
R$ 40 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 35 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

O Teatro Rival Petrobras foi palco de muitas emoções e momentos marcantes nos 15 anos de carreira da cantora Isabella Taviani. Então, não tinha como ela deixar de estar na programação comemorativa dos 85 anos da casa. O show do dia 8 faz parte da turnê “Isabella Taviani, 15 anos, (Só) Eu e você”, agora na versão voz e violão, apresentando as canções da maneira que foram concebidas, mas tocando ao coração na mesma intensidade. No repertório, estarão músicas como “O farol”, “Recado do tempo”, “Foto Polaroid”, “Presente-passado”, “Raio X”, “A canção que faltava”, “Diga sim”, “Luxúria”, além de tributo aos Carpenters e o single inédito recém-lançado: “A vida vive sem você”, uma canção confessional em que Isabella fala sobre dilemas amorosos, sobre deixar ir, continuar e superar o que passou. Tudo isso os fãs vão poder curtir naquele clima de intimidade que só o Rival proporciona: mais pertinho do público e com maior interação com ele.
“Isabella Taviani – 15 anos – (Só) Eu e você” – dia 8 de junho (sábado), às 19h30
Setor A / Mezanino A
R$ 100 (inteira)
R$ 50 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)
Setor B / Mezanino B
R$ 90 (inteira)
R$ 70 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 45 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Dia 11, o palco é novamente de Rosana, que, “como uma deusa”, há décadas nos mantém apaixonados por sua voz poderosa e por canções como “O amor e o poder”, “Nem um toque” e “Custe o que custar”.  Na véspera do Dia dos Namorados, o espetáculo “Hits” traz esses e vários outros sucessos – muitos deles temas de novelas e filmes da Disney – da premiadíssima cantora. É show para a gente se emocionar – com direito a fazer a coreografia da “Deusa” – numa noite romântica e sem culpas.
Rosana em “Hits” – dia 11 de junho (terça-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 50 (inteira)
R$ 35 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 25 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)


E vem aí a final do concurso mais purpurinado do Rio! Dia 12, é a decisão do concurso que vai eleger a “Drag da Cidade: Rainha do Rival”. É o tradicional DragStar, em que drag queens de todos os estilos disputam o título, sob o comando da poderosa Miami Pink, com um time “escândalo” de juradas: Ravena Creole, Samara Rios, Andreia Andrews e Chloe Van Damme, as madrinhas das candidatas do concurso inspirado nos reality shows de TV. Um verdadeiro show de talentos que vai escolher a drag queen mais completa. 
DragStar – dia 12 (quarta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino / Setor B / Mezanino B
R$ 30 (inteira)
 R$ 15 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Após shows na Itália e em Portugal, e participar de um evento em Nova York ao lado de Madonna, o pianista, cantor e compositor João Ventura está de volta ao Brasil para várias apresentações. Aqui no Rio, a casa escolhida foi o Teatro Rival Petrobras, onde faz show no dia 13, onde o premiado artista mostra seu trabalho combinando a música popular e a erudita. Vale a pena conferir o talento de João Ventura!
João Ventura – dia 13 de junho (quinta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 60 (inteira)
R$ 40 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 30 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Dia 15, é a vez de “Ed Motta: piano e guitarra”, espetáculo solo do cantor, compositor, multi-instrumentista, arranjador e produtor. O show é solo, mas o artista vai levar para o palco do Rival “Colombina”, “Manuel”, “Fora da lei” e muitos outros personagens de seu repertório eclético, que vai das crônicas dos subúrbios cariocas às baladas românticas, como “Living inside myself”, de Gino Vannelli. Em comum, as canções têm a voz suingada e inconfundível de Ed Motta. “Vamos dançar” com ele! Tem espaço na van”!
“Ed Motta: piano e guitarra” – dia 15 de junho (sábado), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 80 (inteira)
R$ 60 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 40 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)
  
Com participação e aval do mestre Roberto Menescal, o compositor e multi-instrumentista cearense Luciano Franco faz show especial no Teatro Rival Petrobras, no dia 19, para lançar o CD “Sonho ou canção”, álbum que reúne grandes músicos do Brasil e dos EUA em um grande encontro de jazz, bossa, samba, balada, bolero, baião e xote. O espetáculo destaca as canções do disco de Luciano e do também cearense Dalwton Moura. "Este é um disco de dois compositores de mão cheia, que nos trazem uma grande parceria. O Ceará mais uma vez nos presenteia com música da maior qualidade! Duvido alguém dizer que estou equivocado!", ressalta Menescal. O show conta, ainda, com dois convidados dando voz à obra dos compositores: Edinho Vilas Voas, cearense premiado em inúmeros festivais, e Luciana Alves, paulistana radicada no Rio de Janeiro e destacada por críticos – a exemplo de Zuza Homem de Mello – como uma das melhores cantoras do Brasil. Programa perfeito para quem gosta de boa música!
“Luciano Franco convida Roberto Menescal” – participações especiais de Luciana Alves e Edinho Villas-Boas – dia 19 de junho (quarta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 50 (inteira)
R$ 25 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Depois de 30 anos como diretor musical de Maria Bethânia, o maestro, compositor, instrumentista e arranjador Jaime Alem resolveu partir para novos projetos. Já são vários no currículo. O mais novo ocupará o Teatro Rival Petrobras no dia 20. É “Os dias eram assim”, um retrato da música nos anos 1960 e 1970, em que Alem divide o palco com a mulher, Nair Cândia, e a cunhada Jurema de Cândia. Juntos, apresentam o roteiro musical de suas vidas, combinando Beatles, The Mammas and The Papas, Edu Lobo, Milton Nascimento e Os Mutantes. O trio vocal conjuga o magnífico timbre vocal com violões e arranjos do maestro. Passeando pelo rock, pela Era Hippie, pelos Festivais da Canção no Brasil, e por movimentos da nossa MPB, como a Tropicália e o Clube da Esquina, a trilha sonora encanta e funciona como acalento e antídoto contra as tiranias do nosso tempo.
Jaime Alem, Nair Cândia Jurema Cândia em "Os dias eram assim" – dia 20 (quinta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 60 (inteira)
R$ 30 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Dia 21 é sucesso garantido. É a vez de "Gonzaguinha: o eterno aprendiz" lotar o Teatro Rival Petrobras. O musical, que conta a história do saudoso cantor e compositor Gonzaguinha, tem arrastado multidões Brasil afora. Quinze mil espectadores se encantaram com o espetáculo sobre a vida do artista que morreu em 1991, num acidente de carro. No palco, o ator Rogério Silvestre dá vida a Gonzaguinha, interpretando um texto poético que passeia por momentos marcantes da trajetória do artista, como a infância no Morro de São Carlos, os primeiros passos na carreira artística, os embates com a ditadura militar e a relação conflituosa com o pai, o rei do baião, Luiz Gonzaga. A parte musical do espetáculo fica a cargo das grandes interpretações de Bruna Moraes (voz), Paulo Francisco (voz), Rafael Toledo (guitarra, violão e voz), Alcione Ziolkowski (bateria), Omar Fontes (teclados), Buga Júnior (sax, flauta e cavaquinho) e Dudu Dias (baixo). O que não faltam são sucessos de Gonzaguinha, como “Explode coração”, “Começaria tudo outra vez”, “Sangrando”, “O que é, o que é?”, “Eu apenas queria que você soubesse”, “Com a perna no mundo”, “Grito de alerta”, “É”, “Diga lá, coração”, “Espere por mim, morena” e “Vamos à luta”. É para levantar o público e botar todo mundo para cantar junto. E se não vão faltar sucessos, também não vai faltar emoção!
“Gonzaguinha:  o eterno aprendiz” – dia 21 (sexta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 70 (inteira)
R$ 35 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

A estreia do filme “Rocketman” nos cinemas cariocas, no dia 30 de maio, vai esquentar a expectativa para o show da Rocket Band em Tributo a Elton John no dia 22 de junho (sábado), no Teatro Rival Petrobras, em mais uma parceria com a Banca do Blues. Formada por experientes músicos da cena carioca – Alex Feitosa (piano e voz), Cláudio Francioni (baixo e voz), Erick Cardoso (bateria) e Raphael Assunção (guitarra e voz) –, a Rocket Band faz homenagem ao sucesso atemporal da obra de Sir Elton John. Entre os hits de cinco décadas de carreira, estão no repertório do show Skyline Pigeon", "Goodbye Yellow Brick Road", "Nikita" e "Crocodile Rock". Homenagem mais do que justa! Só podia ser mesmo no Rival Petrobras!
Banda Rocketman em “Tributo a Elton John” – dia 22 (sábado), às 20h
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 40 (inteira)
R$ 20 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

“Canta, Minas” é o nome do espetáculo que o cantor e compositor mineiro Amarildo Silva levará ao Teatro Rival Petrobras, no dia 25 de junho. Depois de gravar um álbum-tributo à cidade de Mariana e ao Rio Doce, em que também mergulhou no universo do escritor Guimarães Rosa, Amarildo continua alimentando sua música e sua poesia de “mineirices”. “Canta Minas” junta seus vários discos solo com os melhores clássicos do lendário Clube da Esquina, um dos mais importantes movimentos de modernização da nossa MPB. De quebra, conta com a participação de um dos mais importantes criadores do Clube: o poeta, letrista e escritor Márcio Borges, que também estará no palco contando e cantando “Os sonhos não envelhecem – histórias do Clube da Esquina”. E como a festa é mesmo mineira – uai! –, participam do show a Banda Tempos, especialista em Clube da Esquina, e o grupo Cambada Mineira, que tem uma trajetória de 20 anos cantando Minas Gerais. O povo chegado a um pão de queijo não pode perder esse trem!
“Canta Minas” – Amarildo Silva com participações especiais de Márcio Borges, Banda Tempos e Cambada Mineira – dia 25 (terça-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 60 (inteira)
R$ 30 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Dia 26 é dia de dar voz às mulheres: às várias mulheres que habitam no corpo da cantora e compositora Nana Kozak. Ela está lançando seu primeiro CD, “Ouça a mulher do novo dia”, um trabalho feminino, feminista, fêmeo. Dar voz às mulheres é tão fundamental para Nana que, no show, ela é acompanhada pela Banda Perfumada, formada só por mulheres: Aline Colombani (violonista, arranjadora e produtora musical); Clarice Maciel, Geiza Carvalho e Raphaela Yves (percussionistas); Cris Ribeiro (baterista), Juju Barreto (baixista e backing vocal); e Laila Aurore (cavaquinhista). A proposta desse primeiro CD fundamenta-se em histórias cantadas sobre as várias possibilidades dessa “mulher do novo dia” que quer ser ouvida. Essa mulher, senhora de suas escolhas, sem medo de viver; mulher que se reinventa e se liberta dos padrões; que fala sem amarras sobre suas convicções e sua fé e que quer apenas caminhar livremente. Tudo isso em baladas, sambas, blues, tambores d'África... Tudo isso no show de Nana Kozak.
Nana Kozak – dia 26 (quarta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 60 (inteira)
R$ 40 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 30 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

O humor promete tomar conta do Teatro Rival Petrobras no dia 27. Tudo graças ao espetáculo “Le circo de la drag”, para celebrar o Dia Mundial do Orgulho LGBTQ, satirizando o comportamento urbano e os abusos do cotidiano. Criado a partir da necessidade irreprimível de falar do nosso mundo de forma divertida e crítica, “Le circo de la drag” apresenta canções populares brasileiras dialogando com acontecimentos atuais.  A concepção e a direção geral são de Juracy de Oliveira, que também integra o elenco junto com Leonardo Paixão, Mateus Muniz e Vanessa Garcia. Comemorando dois anos de trajetória pelo Brasil, a trupe promete uma grande celebração à diversidade em uma noite com vários convidados.
“Le circo de la drag” – dia 27 (quinta-feira), às 19h30
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 40 (inteira)
R$ 20 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

Tradição de todo mês de junho, o Bloco Mulheres de Chico comemora o aniversário do cantor e compositor Chico Buarque no Teatro Rival Petrobras. O show mais esperado do ano para o bloco será no dia 28 e com mais um motivo para comemorar: Chico acaba de ser agraciado com o Prêmio Camões 2018, a mais prestigiada premiação da língua portuguesa, oferecida pelos ministérios da Cultura de Portugal e do Brasil . A obra do mestre, que faz 75 anos agora em 2019, ganha sempre novas cores com o Mulheres de Chico. O repertório vai contar com sucessos de Chico Buarque naquele ritmo contagiante que faz o bloco arrastar multidões durante o carnaval. Animação total!

Bloco Mulheres de Chico – dia 28 (sexta-feira), às 20h
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 70 (inteira)
R$ 50 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 35 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

O que começou como uma apresentação despretensiosa está se tornando uma série de sucesso. Estamos falando do projeto Glória ao Samba, que vem reverenciando as tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro. Depois de Império Serrano, Salgueiro e Portela, chegou a vez de homenagear a Estação Primeira de Mangueira. No dia 29, o Teatro Rival Petrobras recebe o espetáculo “Glória ao Samba canta Mangueira – A semente do samba e seus frutos”, que contará com a participação especial de Hélio Turco, maior vencedor de sambas-enredo da verde e rosa, e das pastoras Guesinha, Zenith e Soninha da Pedra, legítimas mangueirenses. A proposta é “contar cantando” como Cartola, Carlos Cachaça, Antonico e outros bambas semearam a semente que gerou a Mangueira de hoje. O show será um verdadeiro passeio musical pelas primeiras gerações de sambistas da escola, chegando à década de 1960, quando craques como Zagaia, Geraldo da Pedra, Hélio Turco, Babaú, Preto Rico e Brogogério ainda faziam o couro da bateria suar e o lençol de vozes das pastoras entoar lindas poesias musicadas. Eram os frutos da semente plantada na década de 1920, que foi regada e cultivada geração após geração. O trabalho de pesquisa do Glória ao Samba já tem dez anos e encontrou terreno fértil no palco do Teatro Rival Petrobras, onde, se plantando bons frutos, tudo dá.
Glória ao Samba - Homenagem à Estação Primeira de Mangueira – dia 29 (sábado), às 20h
Setor A / Mezanino A / Setor B / Mezanino B
R$ 50 (inteira)
R$ 35 (promoção para os 100 primeiros pagantes)
R$ 25 (estudante/idoso/professor da rede pública municipal/funcionário Petrobras/assinante O Globo)

E aguardem porque julho vem ainda mais quente com Leila Pinheiro, Beto Guedes e muitos outros grandes artistas!  
PARA INFORMAÇÕES SOBRE PREÇOS E VENDAS DE INGRESSOS É SÓ ACESAR OS LINKS:
 www.rivalpetrobras.com.br/www.rivalpetrobras.com.br

Teatro Rival Petrobras - Rua Álvaro Alvim, 33/37 - Centro/Cinelândia – RJ     
Ingressos antecipados (Eventim) - http://bit.ly/Ingressos2z0P23j
Bilheteria: Terça a Sexta das 13h às 21h | Sábados e Feriados das 16h às 22h Censura: 18 anos (menores apenas acompanhados pelos pais).http://www.facebook.com/teatro.rival/Instagram: @teatro.rival Twitter: @teatro_rival
Informações: (21) 2240-9796. Capacidade: 350 pessoas. Metrô/VLT: Estação Cinelândia.
*Meia entrada: Estudante, Idosos, Professores da Rede Pública, Funcionários da Petrobras, Clientes com Cartão Petrobras e Assinantes O Globo

Contatos
Assessoria de Imprensa:  Sheila Gomes (98479-7111)
Gestora de Conteúdo de Mídias Sociais - Fernanda Con’Andra
([email protected])  (21) 96436-7252 (Whatsapp)
Programação: Fernanda Santos ([email protected])

***



Jorge Amado e Dias Gomes – Duas grandes saudades!

Por Geraldo Pereira 

Na Academia Brasileira de Letras, tento obter uma fotocópia dos discursos de Jorge Amado, recepcionando a chegada à Casa de Machado de Assis, do seu conterrâneo Dias Gomes.

Encontro Nelson Pereira do Santos, o grande cineasta, agora, Imortal membro da Academia, em companhia de uma moça vistosa, muito simpática, digo-lhe o que lá fui fazer. Nelson me apresenta sua filha, pergunto-lhe, bem baixinho, no pé de ouvido: “É filha de Laurita?” Ele diz que sim.

Com Laurita, trabalhamos na ABDE – Associação Brasileira de Escritores, a ativa entidade dos intelectuais brasileiro, isso no início da década de 50. A ABDE, era sediada na rua Conselheiro Crispiniano, num apartamento pertencente a Caio Prado Júnior, que não lhe cobrava nada de Aluguel.


Muito educado, no outro dia, Nelson mandou-me um exemplar, encadernado, com esses discursos e outros também. Presenteia-me com os discursos de Jorge Amado e Dias Gomes, pronunciados na Academia Brasileira de Letras, quando da posse do grande novelista brasileiro, desaparecido tragicamente, num acidente de automóvel ocorrida na capital paulista, em 18/05/1999, na Av. Nove de julho. Alfredo de Freitas Dias Gomes, tinha 76 anos.

Dias Gomes foi empossado na casa de Machado de Assim, em 16 de julho de 1991, Jorge Amado lhe deu as boas-vindas. Os discursos de Jorge e Dias Gomes me fizeram retornar ao passado. Conheci ambos, dois grandes intelectuais. Dois grandes brasileiros. Ambos conterrâneos de Castro Alves, Rui Barbosa, João Mangabeira, Anísio Teixeira e Carlos Marighela.

Li com a máxima atenção as duas peças oratórias. Detive-me no discurso de abertura de Dias Gomes, diante da imensa alegria, que ela me causou, da agradabilíssima surpresa, concernente a um outro baiano, o escritor Adonias Filho, que Dias Gomes e Jorge Amado, afirmam da sua atuação para salvar da tortura e da morte algumas pessoas, quando os comentários, sobre Adonias, em face da ditadura, não eram nada agradáveis.

Nas prisões da ditadura muitos colegas foram torturados e assassinados, poderia citar muitos deles, nosso companheiro Carlos Fon, ex-presidente do nosso sindicato, escapou da morte nas celas de tortura da Orban, a mesma sorte não tiveram outros, como Davi Capistrano, Iran Pereira, Jaime Miranda, Joaquim Câmara, Mário Alves, Wladimir Herzog.

Na abertura do seu discurso, Dias Gomes, faz um retrato sem retoque, de uma época que nos cobriu de vergonha e de medo:

“O dia e o mês não posso precisar, nem creio que isso importe. Sei que era primavera, apesar de tudo. O ano, 1971, ano 7 depois do desastre. O País mergulhado na mais negra repressão, e mesmo assim houve primavera, as árvores floriram, e os pássaros aprimoraram seu canto. Como, não sei. A natureza alheia à tragédia que se abatia sobre a Nação. Naquele dia, eu me preparava para comparecer perante o oficial encarregado de um inquérito policial militar. Era o primeiro dos sete a que iria responder, pois isso estava apreensivo. Tinha motivos: ia conhecer o famigerado ENIMAR. Podia ser torturado, como tantos. Podia não voltar, como muitos.

Estava preparado para tudo. A família de sobreaviso, os amigos. O telefone tocou. Era Adonias Filho. Nosso conhecimento era apenas superficial. Havíamos cruzado um pelo outro duas ou três vezes, trocado meia dúzia de palavras cordiais, mas uma barreira ideológica nos separava. Eu um militante de esquerda, ele, dizia-se, uma espécimen raro: um intelectual de direita. Havia apoiado o golpe militar, amigo dos generais. Eu entre os perseguidos, ele com os perseguidores. Um homem afável, de fala mansa, de jeito interiorano, Grapiúna. Mas um inimigo. Eu caça, ele caçador, naquele momento. Por que me telefonaria? Estava a par de tudo, disse, amigos comuns haviam informado. E eu me tranquilizasse, nada de mal iria me acontecer. De qualquer modo, tomasse nota do seu telefone e contasse com ele, a qualquer hora, em qualquer situação. Agradeci, surpreso.

Horas mais tarde, após responder a um interrogatório exaustivo e kafkiano, vi os olhos do capitão encarregado do inquérito se fixarem nos meus com dureza. Agora vou lhe fazer só mais uma pergunta. Se disser a verdade, poderá ir em paz. Se não... As reticências deixaram no ar uma ameaça de tortura. Senti a descarga de adrenalina e me preparei para o pior: “Quem matou Nívea?” Nívea era a heroína assassinada de uma telenovela que no momento eu estava escrevendo, Assim na Terra como no Céu... O ser humano é imprevisível. Mesmo fardado...

O que fez por mim fez por outros companheiros, eu sei. Mais até. Saltando o largo fosso das ideologias, não distinguindo amigos ou inimigos, usou seu prestígio para reparar injustiças, defender perseguidos, evitar crueldades. Ele, Adonias Filho, um homem de direita. Ou um homem direito. Ou apenas um Homem? Buscando entender, aproximei-me dele através de seus livros. Aí deveria estar a solução do mistério. A verdade é a totalidade. O homem é o seu todo e não a sua circunstância.

[...] Ele mesmo o declarou certa vez em entrevista: “O que me interessa acima de tudo é sempre o homem, o ser humano com seu destino e seu mistério, com seus sofrimentos e alegrias. Sinto-me unido a esse ser, porque o amo.”

Declarou isso, ele, Adonias, intelectual de direita, eu a caça ele o caçador.

Jorge Amado, recebe Dias Gomes, com estas palavras:

“Se é de paz, pode entrar, diz-se na Bahia, nossa terra, Sr. Acadêmico Dias Gomes, quando alguém chama à porta da rua. Sois da guerra, vossa vida é uma sucessão de combates, mas vossas armas foram a escrita e a imaginação, e a causa pela qual lutastes é a da paz e da felicidade do homem sobre a terra. Sede pois bem-vindo a esta Casa da cultura e da convivência, onde chegastes devido aos altos méritos de vossa criação literária.

Em trinta anos de vida acadêmica – por curiosa coincidência, como diria D.Arminda, personagem de romance, eu os cumprirei amanhã, 17 de julho -,assumo pela segunda vez esta tribuna para dar boas-vindas a um confrade na hora solene da posse. Quando me convidastes para vos receber, chamei vossa atenção para minha total incompetência crítica. “Compadre, eu vos disse, estais cometendo um erro, sou incapaz de fazer a análise densa e profunda que vossa obra reclama e merece. Dos quatro escritores que constituem a pequena bancada baiana na Academia Brasileira de Letras, sentam-se ao lado do romancista Herberto Sales, dois grandes da Crítica e do Ensaio, Afrânio Coutinho e Eduardo Portella, ambos teus admiradores e teus amigos. Recorre a um deles, ou ao mestre Antônio Houaiss, que, pelas virtudes e pelo saber, bem poderia ser baiano. Com qualquer deles, estarás servido a contento, tua obra será objeto, do preclaro louvor decorrente de estudo acurado, de justa interpretação. O meu louvor será limitado e pobre, apenas o aplauso de leitor, as palmas de espectador, faltar-lhe-ão profundidade e brilho, sou inepto”, assim vos disse. Não aceitastes meus argumentos, recorrestes aos ritos de amizade que, na Bahia, como sabemos, são exigentes e precisos, ninguém pode ignorá-los ou deixar de cumpri-los sem pecar por desatento, sem causar ofensa.

Esses mesmos deveres de amizade fizeram-me subir a esta tribuna há 26 anos, em 1965, quando me coube a alegria e a honra de receber um escritor singular, mestre da Ficção, duas vezes conterrâneo – por baiano e por Grapiúna: paridos nas roças de cacau, crescemos nas ruas de Ilhéus -. colega de internato no Ginásio Ipiranga, em Salvador, adversário político, fraterno amigo, amizade que começou antes de nos conhecermos, pois nossos pais, coronéis do cacau, já eram velhos amigos quando os filhos nasceram. Coube-me receber e saudar Adonias Filho, vosso antecessor, de quem acabastes de traçar o retrato de corpo inteiro.

No Brasil, a cegueira, a burrice do sectarismo comanda a atividade política e social, à direita e à esquerda, iguais no atraso e na baixaria, degrada as relações, envenena o convívio. Contra tal concepção, Adonias Filho se bateu, sem medir consequências, não só com a palavra, sobretudo com o exemplo: Jamais confundiu adversário político, com inimigo pessoal a quem se deve, de forma obrigatória e violenta ódio e repulsa. Tendo sido um dos tutores intelectuais dos militares, que desencadearam o Golpe de Estado de 1964, prestigiado, citado para postos importantes, Ministro da Educação, Governador da Bahia, Adonias gastou seu capital político, despendeu o prestígio de que gozava, na tarefa de impedir perseguições a adversários, para tirar da cadeia, oposicionista ao regime, para sustar processos de intelectuais de esquerda, inclusive de alguns que o havia insultado e se preparavam para persegui-lo se chegasse ao poder.

[...] Recordo que uma de vossas peças mais significativas. “O Berço do Herói”, proibida no Brasil, teve sua estreia mundial nos Estados Unidos, em tradução para o Inglês. Mantendo uma intransigência essencial, mas usando a astúcia e a fantasia, conseguistes a mais das vezes ludibriar a estupidez da censura, derrotar a intolerância do autoritarismo.

O Pagador de Promessas, O Santo Inquérito, A Revolução dos Beatos, O Bem Amado, O Berço do Herói, A Invasão, O Túnel, Os Campeões do Mundo, Amor em Campo Minado, Meu Reino por um Cavalo, essas dez peças, cujos títulos venho citar, constituem o núcleo central de vosso teatro.

[...]

Os acontecimentos atuais tampouco modificaram o quadro deplorável, sinistro, da realidade do Brasil onde a sociedade se torna a cada dia mais egoísta e injusta. Nenhum dos grandes problemas foi resolvido, a começar do problema fundamental, o maior de todos, da posse e da exploração da terra até aqueles que se referem à Infância, à Educação, à Saúde Pública, à Ecologia, à Cultura. 
Prosseguimos no trágico quotidiano de miséria e fome, na guerra contra milhões de crianças abandonadas ao crime, na crescente devastação do solo, na extinção das florestas e das espécies animais. Nosso retrato nacional, mostrado diariamente nos vídeos das televisões, dá vontade de chorar.

[...] São de nossa responsabilidade, única e exclusiva, os problemas da Amazônia e do Pantanal, dos rios e florestas, das cidades que são campos de batalha, das favelas da violência e da droga, das nossas desgraçadas crianças, dos servos da terra nos latifúndios, problemas imensos, monstruosos, são todos eles de nossa inteira responsabilidade, temos de resolvê-los com urgência, se ainda desejamos ter pátria e chão, se desejamos que a cordialidade e o riso retornem, que o brasileiro retome suas virtudes de povo, reencontre o canto, a dança, o futebol, a festa, o carnaval. As causas pelas quais nos batemos, Sr. Dias Gomes, continuam a exigir de nós a mesma coragem, idêntica decisão, completa e generosa consciência.”



***




ROCK N’ROLL, HIP HOP E SERTANEJO, DIVERSIDADE COMPÕE A ESSÊNCIA DO FESTIVAL DE INVERNO RIO 2018

DANIEL MAZOLA -
Nando Reis, Diogo Gameiro (bateria), Felipe Cambraia (baixo) / foto: Iluska Lopes.


Nossa Tribuna da Imprensa Sindical marcou presença neste sábado (21) e madrugada de hoje no badaladíssimo Festival de Inverno 2018, na Marina da Glória, Rio de Janeiro. Além da satisfação de estarmos com o grande baixista (do Nando Reis) e amigo Felipe Cambraia, curtimos o show dos Paralamas do Sucesso (do sensacional Herbert Vianna), do talentoso Frejat (Barão Vermelho) e do ex-Titãs Nando Reis, que animaram a plateia com seus maiores sucessos.

Hoje (22) é o ultimo dia de festa, o evento começou na sexta (20), oferecendo diferentes ritmos, entre eles rock, hip hop e sertanejo em um dos mais bonitos cartões postais da cidade. Com aproximadamente 10 mil pessoas presentes a cada dia, o evento reuni novos artistas e cantores já consagrados, agradando todos os públicos.

Jornalista Iluska Lopes e Roberto Frejat / foto: TIS
Ontem (21) tive a sensação de entrar na cápsula do tempo e voltar a curtir os grandes hits da década de 80 quando eu, Felipe Cambraia e outros amigos viviam o turbilhão de acontecimentos e emoções daqueles dias, curtindo nossa saborosa adolescência sem medo no bairro de Copacabana. Vale ressaltar a qualidade de estrutura do Festival de Inverno Rio, o evento conta com camarotes, lounges, tecnologia de ponta de luz e som, além de praça de alimentação e outras atividades que proporcionam ao público a experiência completa de um grande festival.

Daniel Mazola, Felipe Cambraia e Iluska Lopes / foto: TIS
Idealizador e produtor do Festival de Inverno Rio, Peck Mecenas explica: “Queremos mostrar que o Rio de Janeiro pode ser um cenário incrível também no inverno. O grande objetivo é fazer com que o Festival seja bem eclético e atrativo. Uma celebração a diferentes culturas que estão totalmente ligadas à nossa cidade. No Festival de Inverno tem lugar pra todo mundo”.
Herbert Vianna, João Barone e Bi Ribeiro / foto: TIS
Hoje (22), diferentemente de sexta e sábado, a abertura dos portões acontece às 16h, as atrações são Maiara e Maraisa e Marília Mendonça. Na abertura tivemos Rael, Emicida, 1Kilo, Kevinho, Livinho e DJ Negralha. Do hip hop ao sertanejo, passando pelo rock n’roll, essa é a marca do Festival de Inverno Rio 2018, ano que vêm certamente tem mais!




***



O CHORINHO DE ARMANDINHO É A SÍNTESE DO MELHOR DA MÚSICA BRASILEIRA


ILUSKA LOPES -

Armandinho apresentou o melhor Show da minha vida, não foram poucos, é fenomenal como artista e pessoa!

Armandinho e Moraes Moreira / Fotos: Daniel Mazola.

O espetáculo ‘O Chorinho de Armandinho’, que o renomado guitarrista e bandolinista Armandinho Macêdo, 64, apresentou ontem (8) no palco do Teatro Rival Petrobras, teve no repertório clássicos de mestres como Jacó do Bandolim, Garoto, Tom Jobim, entre outros, trouxe também na sua guitarra baiana o clássico Bolero de Ravel, Beatles, até a música Chame Gente, de Armandinho e Moraes Moreira (convidado especial desta apresentação), um dos grandes sucessos do carnaval brasileiro.

Armando Costa Macêdo é um ícone e símbolo vivo da chamada MPB. Filho do criador do trio elétrico (Osmar Macêdo), Armandinho é responsável por manter viva a tradição da folia baiana. O novo espetáculo que estreou ontem no Rio de Janeiro já passou por outros estados brasileiros, além de uma turnê na Espanha em 2016. Quem organizou o projeto foi sua esposa Surama Albuquerque, que também é cantora e produtora musical. Nesse espetáculo a composição de acompanhamento do artista é brilhantemente feita por violão de sete cordas, cavaquinho, percussão e pandeiro.

Calorosamente interagindo com o público
Eu sou filho de um inventor do Trio Elétrico, Osmar, lá em casa era assim, quando não era música de Trio era um regional do chorinho, tudo ligado a Jacó do Bandolim, Luperce Miranda, Waldir Azevedo e Garoto. Minha base musical vem daí, também dos frevos pernambucanos com o sotaque baiano e guitarra, que dei o nome de guitarra baiana. Durante anos venho fazendo meus shows com a minha banda instrumental, com a banda Trio Elétrico Armandinho Dodô e Osmar e com a banda A Cor do Som. Foi aí que minha produtora sugeriu que eu fizesse esse show, que mistura carnaval com chorinho, bandolim com guitarra baiana. Daí a Surama chamou de O choro mais alegre do Brasil”, disse Armandinho.

Em 1964, com 10 anos meu pai fez um Trio Elétrico mirim, e eu saia pelas ruas de Salvador tocando meu cavaquinho, tinha meu pai como grande ídolo da minha vida, ele era tudo que eu queria ser (...), minha referência, foi ele que me ensinou a tocar”, completou.

Iluska Lopes e Armandinho
Sua entrada no mercado musical foi aos 15 anos de idade quando ganhou o concurso de talentos do programa de Flavio Cavalcante da Extinta TV Tupi. Hoje, com mais de 50 anos de carreira, Armandinho é principalmente conhecido pela genialidade como músico, além de ser referência dos carnavais de Salvador.

O editor Daniel Mazola perguntou a Moraes Moreira como começou a relação entre os dois músicos baianos. A vida nos uniu há muito tempo, Armandinho veio tocar comigo no meu primeiro disco guando eu sai dos Novos Baianos em 1975, de lá pra cá nós somos parceiros, amigos, somos irmãos, somos do Trio Elétrico, nós somos do chorinho, do frevo, nós somos da vida, e a vida sempre nos une”, frisou.

Daniel Mazola e Moraes Moreira / Foto: TIS
‘O Chorinho de Armandinho’ junta o genuíno ao contemporâneo, eletrizando o regional. Mistura o choro ao pop, ao rock e ao frevo, que são interpretados magistralmente pelo músico no seu estilo inconfundível de tocar o bandolim e a guitarra baiana. Fazendo com que os bons ouvintes se deleitem na fusão dos seus últimos trabalhos: o “Pop Choro” e o “Guibai”. Misturas que vão de Jacob do bandolim ao Jimi Hendrix, dos Beatles, ao grupo Época de Ouro.

Armandinho desceu do palco para cumprimentar Nelson Sargento
A cenografia do show é composta pelo acervo pessoal do artista que narra visualmente momentos importantes e especiais da sua carreira, com fotografias e elementos escolhidos pessoalmente por ele. Na plateia, prestigiando o artista estavam os amigos da banda ‘A Cor do Som’, o baluarte Nelson Sargento, o músico George Israel e a percussionista Lan Lan, que subiu ao palco para uma participação empolgante!

George Israel filmando e curtindo a guitarra baiana de Armandinho
Segundo Armandinho, “o choro é o samba instrumental”. Recentemente o músico gravou um DVD com Hamilton de Holanda que será lançado em breve. Armandinho mantêm uma carreira de sucesso, e como ele mesmo costuma dizer: Abençoada por Deus! O Brasil e a Bahia agradecem.



***


‘ANTES DO MUNDO ACABAR’ COM ZÉLIA DUNCAN SACUDIU O TEATRO RIVAL PETROBRAS

ILUSKA LOPES -

Zélia Duncan / Fotos: Daniel Mazola.

É surpreendente a desenvoltura da cantora Zélia Duncan, 52, como sambista, em turnê há quase dois anos divulgando o seu último álbum ‘Antes do Mundo Acabar’, dedicado a uma de suas paixões e gênero que gosta de cantar. Ontem (24) o palco do Teatro Rival Petrobras recebeu seu novo repertório com entusiasmo e alegria, o público lotou inclusive o mezanino da tradicional casa de espetáculos carioca.

Com direção musical de Bia Paes Leme, que também produziu o disco, o show tem cenografia de Simone Mina, que divide a direção com Zélia, com quem vem trabalhando desde o elogiado espetáculo ‘Tô tatiando’. Com ‘Antes do mundo acabar’, Zélia se consagrou na 27ª edição do Prêmio da Música Brasileira com três prêmios, o de melhor canção (“Antes do Mundo Acabar”) e os de melhor álbum e melhor cantora na categoria de samba.

Zélia e músicos de primeiríssima
Pretinho da Serrinha é um dos auxílios luxuosos do espetáculo que também conta com a participação da cantora Ana Costa, que interpreta ao menos quatro canções com Zélia, também acompanhada pelos músicos Webster Santos, Pedro Franco e Domingos Teixeira, nas cordas, e por Thiago da Serrinha e Paulinho Dias, nas percussões, todos do primeiro time. Ao final da canção O Ronco da Cuíca (João Bosco) cujo refrão é “A fome e a raiva é coisa dos home”, o público puxou: “Fora Temer!”, ela interagiu imediatamente: “Fora mesmo! Fora! Esse assunto me chateia, entristece”.

Zélia Duncan e Ana Costa
Quem assistiu ao espetáculo teve o prazer de ouvir canções como Antes do mundo acabar, um samba dolente de Zeca Baleiro e Zélia, que dá título ao álbum e ao show, e que reúne sambas inéditos, compostos por Zélia e vários parceiros. O repertório destaca canções como: Por que Você Não Me Convida Agora (Riachão), Vida da Minha Vida (Moacyr Luz/Sereno), Por Água Abaixo (Pretinho da Serrinha/Leandro FAB/Fred Camacho) e as parcerias: Dormiu, Mas Acordou (Arlindo Cruz/ZD), Olha, O Dia Vem Aí (Xande de Pilares/ZD), Pra Quem Sabe Amar (Ana Costa/ZD) e Um Final (Pedro Luís/ZD).

São 35 anos de carreira, dez álbuns de estúdio, DVDs, discos ao vivo, participações e projetos híbridos, como o que realizou em 2011, no espetáculo ‘Tô Tatiando’, cantando músicas de Luiz Tatit e onde testou seu lado atriz (Duncan fez curso de teatro na Casa das Artes de Laranjeiras no Rio). Ela nasceu em Niterói e morou em Brasília, onde começou sua carreira, em 1981. Falou ao editor Daniel Mazola que vive uma fase muito tranquila em relação à profissão, mas se sente constrangida e desacreditada com o que vem acontecendo na política brasileira.

Zélia Duncan e Daniel Mazola / Foto: Iluska Lopes
'Antes do mundo acabar' é sensacional, vale conferir!



***



NO PALCO DO TEATRO RIVAL PETROBRAS, COM REPERTÓRIO EMOCIONANTE JOÃO BOSCO ENCANTA O PÚBLICO

ILUSKA LOPES -

João Bosco / Foto: Daniel Mazola.
Completando 40 anos de carreira, o cantor, violonista e compositor João Bosco de Freitas Mucci, 70 anos, mais conhecido como João Bosco, apresentou ontem (4) no palco do Teatro Rival Petrobras um espetáculo solo com canções que emocionam e nos levam há uma viagem reflexiva por todo esse tempo.

Em formato voz e violão, o tarimbado artista brindou o público que lotou a Casa com músicas marcantes como Incompatibilidade de Gênios, O Mestre Sala dos Mares, Papel Machê, Jade, Quando o amor acontece, O Bêbado e a Equilibrista, Corsário e outras fundamentais nessa estrada.

Durante o espetáculo, o público teve a oportunidade de ficar mais perto do artista e conhecer mais sobre o processo criativo das suas composições. Entre algumas músicas João contou episódios marcantes da vida e do envolvimento e parceria com outros gênios da música.

Lembrou que em 1967, na casa do pintor Carlos Scliar, conheceu Vinícius de Moraes, com o qual posteriormente foi parceiro e compôs canções como: rosa-dos-ventos, Samba do PousoO mergulhador - dentre outras. Falou de como afinava o violão de João Gilberto com um aparelho digital sem que ele soubesse, causando risos na plateia.

Em 1970 conheceu aquele que viria a ser o mais frequente parceiro, com quem compôs mais de uma centena de canções: Aldir Blanc, O Mestre Sala dos Mares, O bêbado e a equilibrista, Bala com bala, Kid cavaquinho, Caça à raposa, Falso brilhante, O rancho da goiabada, De frente pro crime, Fantasia, Bodas de prata, Latin Lover, O ronco da cuíca, Corsário, dentre muitas outras.

Eles foram apresentados por um amigo de Blanc, Pedro Lourenço, quando Bosco estava começando a carreira em Ouro Preto, no final dos anos 1960.

Daniel Mazola, João Bosco, Iluska Lopes / Foto: TIS
"Eu ficava tocando violão nos bares de Ouro Preto, quando um amigo do Aldir, Pedro Lourenço, se aproximou, após me ouvir tocando aquelas músicas somente com onomatopeias e fonemas africanos, e disse que tinha um amigo no Rio de Janeiro que ele, Pedro, apostava que iria gostar de ser meu parceiro", contou João Bosco aoeditor Daniel Mazola após o show, quando foi ao encontro do público causando alvoroço e alegria.




***





‘2 ARLINDOS’ ESQUENTAM OS AMANTES DO SAMBA NO RIVAL

DANIEL MAZOLA -

Seu Jorge, Arlindo Cruz, Rogê, Arlindo Neto / Foto: Iluska Lopes.
Arlindo Cruz e o filho, Arlindo Neto, ontem (12) à noite, esquentaram o palco do Teatro Rival Petrobras com o sensacional show do novo álbum, independente, ‘2 Arlindos’. Com 2 horas de duração, pai e filho cantaram, batucaram e tocaram sambas históricos, músicas novas e sucessos como ‘O Meu Lugar’ e ‘Ogum’, além de outras belas canções já conhecidas pelos amantes do gênero.

Este clima popular e familiar, agregador como o da roda de samba, está impregnado em ‘2 Arlindos’ que une duas gerações de sambistas cariocas. Com mais de 30 anos de estrada, 20 álbuns e 700 composições gravadas por outros artistas, Arlindo é ex-integrante do Fundo de Quintal - um dos mais tradicionais grupos de samba.

A ideia surgiu das nossas festas aqui em casa. A gente toca e canta em festa de São Jorge, festa de São João, é assim”, explica Arlindo Cruz, que preserva o modo de viver que aprendeu em sua infância. Surgida naturalmente no cotidiano familiar, a parceria entre pai e filho é festejada. “Compor com ele é uma realização. Eu fico bem mais tranquilo em saber que ele não está na rua, está do meu lado. Qualquer coisa eu estico a mão e seguro ele neste mundo perigoso”, entrega o pai zeloso.

É uma aprendizagem incrível, estou ao lado de um mestre, do melhor compositor para mim. Estou sempre aprendendo com ele. E ele, comigo um pouquinho, né? Estar com ele, conviver com ele, é espetacular”, diz, orgulhoso, o filho.

Arlindo Cruz e Daniel Mazola / Foto: Iluska Lopes
Em determinado momento Arlindo Cruz lança um carinhoso desafio: uma mulher negra com ‘cabelo samambaia’ deveria subir ao palco e sambar de verdade. Surge a rainha de bateria da Escola de Samba Cubango, Thaís Macedo, que além de sambar cantou a música “Num corpo só”, sucesso na voz de Maria Rita.

Com ênfase no banjo e cavaco, a dupla estava acompanhada de seis outros músicos de primeiríssimo time. No fim da roda de samba da família Cruz, surpreendentemente, aparece no palco outro bamba, Seu Jorge. Então encerram com a música, ”Amiga da minha mulher”.




***



ANGELA RO RO É OVACIONADA NO RIVAL, "SOU SEXAGENÁRIA E CHEIA DE TESÃO"


Rio de Janeiro - O Teatro Rival Petrobras recebeu na noite de sábado (19) uma das principais artistas do país. Dona de “uma vida de quase 67 anos bem intensa”, como ela mesma disse, Angela Ro Ro cantou sucessos de diferentes fases da carreira, além de belas canções internacionais, como Ne me quitte pas, All of me e Night and day. Estava acompanhada exclusivamente pelo sensacional tecladista Ricardo Maccord, parceiro musical de quase três décadas.

Interagindo com o público a cada música, bem humorada, chegou a dizer que vai contar casos do “arco da velha” na autobiografia que está escrevendo e que pretende lançar até o fim do ano. “Não quero fazer uma Bíblia, mas contar histórias, colocar poesias, algo ligeiro e divertido”.

A jornalista Iluska Lopes - que assistiu o show com o editor Daniel Mazola - lembra que alguns cantores e cantoras desenvolvem verdadeira ojeriza de seus maiores sucessos com medo de ficarem reféns de algumas poucas canções ou, na pior das hipóteses, de apenas uma. Não é o caso de Angela Ro Ro, que vibra com a popularidade de antigos sucesso como Amor, meu grande amor, seu maior hit (composto com Ana Terra), regravado pelo Barão Vermelho em 1996.

Para Daniel Mazola, Angela Ro Ro valoriza mais não se apega demais ao passado. Ela informou que no momento, aguarda uma data de estúdio para começar a gravar o próximo álbum de inéditas, que sairá pela Biscoito Fino. Preferiu não adiantar mais nada sobre o assunto, apenas informando, misteriosamente, que será "uma experiência hi-tech".

Eusébio Pinto Neto, Angela Ro Ro, Daniel Mazola e Iluska Lopes. Foto: Joana Dark/TIS.
O repertório e a performance da cantora são de arrepiar do início ao fim. “Sou uma pessoa tão privilegiada! Tenho o que comer, respiro, ando. Sou sexagenária, cheia de tesão e com alguma disposição significativa para viver. Saúde é tudo!”,falou e disse Angela Ro Ro.


***




ILUSKA LOPES -

Se você já perdeu tempo tentando discutir política com reacionários e coxinhas, deve ter percebido que existem tipos diferentes desses indivíduos, cada um com um estilo particular de “argumentação”. Nesse texto bem humorado tentarei desvendar os sete tipos de reacionário, o que há de errado com eles e como devemos agir com essas mulas.

“Quem são os reaças? Onde vivem? De que se alimentam?” (Sérgio Chapelin, sobre reacionários no longevo e apodrecido Globo Repórter). Começaremos pelos pseudo-inteligentes e depois seguiremos em direção aos de comunicação mais difícil e rustica.

Reacionários Educados - Esses são os mais raros. Eventualmente você esbarra em um em público ou num fórum on-line. Podem ser os mais difíceis de lidar. Eles aprenderam tudo o que há pra se aprender sobre suas posições (de uma perspectiva reacionária). Educaram-se sobre todas as razões que justificam seus posicionamentos como corretos, mas não estão interessados em nada que contradiga suas crenças.

O problema: Qualquer um com internet e cinco minutos livres consegue encontrar algo que descredite completamente sua versão dos “fatos”. Mesmo quando rebatidos, continuam a voltar aos argumentos iniciais, tentam mudar o assunto para algo onde se sintam mais confortáveis ou começam a expressar opiniões sem mérito factual.

Debatendo: Mantenha-os no assunto. Não deixe que ignorem seus contrapontos e mudem o assunto para você. São mestres nisso, mas se você conseguir mantê-los no assunto, começarão a expressar opiniões para as quais você poderá dizer “você tem fatos ou estatísticas que sustentem essa opinião?”.

Reacionários “Globais” - Estes estão entre os mais raivosos. Assistem aos jornais da Globo ou outras mídias de massa burguesas, leem a Veja e acreditam que isso os faz especialistas em política (do mesmo modo que acreditam que assistir ao jogo os faz técnicos e assistir à missa os faz santos). O único conhecimento político que apresentam é uma papagaiada sem base. Quando você os contrapõe, te chamam de “esquerdopata”, “comuna”, “socialista”, etc. Eles acham que todo revolucionário é um socialista que quer tirar seu dinheiro e entregar para pessoas que não merecem.

O problema: Eles não têm ideia do que estão falando. Geralmente estão repetindo coisas ditas pelo Arnaldo Jabor ou, com mais azar, pelo Olavo de Carvalho. Eles acreditam que movimentos anticapitalistas querem roubar sua liberdade (toda a liberdade que o dinheiro possa comprar), mas não compreendem o conceito de capitalismo, nem reconhecem como esses movimentos foram cruciais para que ele tivesse os direitos que têm hoje. Eles acham que o PT é comunista, e se você discorda dizem que você é um leitor da Carta Capital. Dizem que você é uma ovelha, mas esperam que você aceite cegamente tudo o que dizem, sem questionar.

Debatendo: Mantenha-se pedindo fatos e comprovações para as afirmações que fazem até que se desesperem e te chamem dos nomes já citados. Peça-os para enumerar quais os direitos que os movimentos anti-capitalistas já o roubaram (talvez eles digam que perderam o “direito de proibir a união homossexual” ou coisa do tipo, mantenha-se cobrando fatos). Eles tendem a ser violentos, então se estiver cara-a-cara, fique de olho em suas mãos.

Reacionários Cristãos - Estes reacionários são hipócritas. Eles fazem tudo em nome de Jesus, enquanto simultaneamente agem da maneira mais anticristã humanamente possível. Defendem armamento da população, são pró-militares, contrários à igualdade de direitos entre os sexos e à emancipação feminina e, principalmente, ignoram todos os trechos da bíblia que demonstram que Jesus era um personagem revolucionário (e libertário). As partes que mais esquecem são as de “amar o próximo como a si”, “não julgar” e a em que joga filhos contra pais e pais contra filhos. Porque o patriarcado não pode ser agredido, não é mesmo? Eles também acreditam que países em guerra estão assim por falta de Deus no coração, mesmo que quase a totalidade desses países seja de religião abraâmica e siga essencialmente o mesmo deus (com mais rigor!)… E eles odeiam os gays, claro.

O Problema: Eles fazem coisas horríveis em nome do Senhor. Eles acham que aqueles que discordam estão condenados ao inferno, porque são pessoas más. Eles acreditam que somos uma nação cristã, mesmo com uma influência inegável de cultos indígenas e afro-brasileiros em nossa cultura. E eles dizem defender a liberdade religiosa, mas condenam tudo o que não é cristão como “demoníaco”. Ah, eles também negam a evolução…

Debatendo: Insista na mensagem de “amor” cristão. Jesus os orientou a amar incondicionalmente e não julgar. Pergunte como eles acreditam que Cristo agiria no mundo de hoje frente à desigualdade social, e o que ele pensaria do dízimo que se paga às igrejas caça-níqueis. De qualquer forma, eles responderão com citações aleatórias e mostrarão que esse debate em específico é uma perda de tempo.

Reacionários “Contra a Corrupção” - Aqui estão os coleguinhas que vão aos protestos de branco, com a cara pintada de verde e amarelo, cantando o Hino Nacional ou a clássica do Geraldo Vandré. Eles querem um movimento bonito, higiênico, pacífico e, principalmente, passivo. Querem ir às ruas pra protestar por seus direitos, mas não conhecem seus direitos e menos ainda seus deveres. Acham que a polícia tem que sentar a borracha nos “vândalos” do Black Bloc, que eles nem sabem o que é. Dizem que a culpa do tráfico é do usuário, gostam de filmes como Tropa de Elite (alguns até citam Capitão Nascimento). O mais importante: defendem o fim da corrupção. Que corrupção? Não sabem. Mas quando dá preguiça de “vem pra rua”, eles ficam de “luto”.

O Problema: Esses indivíduos defendem pautas vazias. Aliás, eles querem enfiar essas pautas em qualquer lugar onde estejam, dizendo que as pessoas precisam ter foco (nas pautas vazias). São a pior praga dentro da Anonymous. Reproduzem-se como coelhos. Vão tentar levar qualquer debate para o eixo PT/PSDB, vão criminalizar movimentos sociais populares, mas vão defender reforma tributária (ignorando a transferência do poder do estado para o setor privado) e a reforma política (mesmo sem especificar o que é isso, significando, na prática, nada).

Debatendo: Peça que ele defina os conceitos que apresenta. Pergunte a que corrupção se refere, que reforma pretende. A melhor arma contra estes é a história. Tudo aquilo que eles almejam, na prática, até hoje foi conquistado com as práticas que eles condenam. Quando ironizarem o assistencialismo, traga estudos acadêmicos sobre seus resultados e deixe claro que esse é um pilar do capitalismo, para que ele mesmo não desabe em crise. Quando ele disser que o usuário financia o tráfico, pergunte se ele concorda que quem usa gasolina não é igualmente culpado pela guerra por petróleo no Oriente Médio.

Reacionários Xenófobos - Nessa categoria, incluem-se os que pensam que São Paulo é a locomotiva do Brasil, que defendem que o Sul se separe para formar um país de melhor IDH, que chamam tudo o que vive nas regiões Norte e Nordeste de “baiano” e os culpam pela crise urbana no Sudeste e, claro, as patricinhas e os mauricinhos que vão a aeroportos vaiar médicos cubanos. Esse tipo é complicado, porque é do tipo que tem medo de perder o pouquinho que tem pra “esses pobres”.

O Problema: Eles vão defender a superioridade de suas categorias. São meritocratas quando lhes convém, acham que um diploma te faz uma pessoa mais íntegra, mas colam em provas e compram carteiras de motorista. Eles acreditam que o êxodo rural encheu a cidade de gente “vagabunda”, mas dependem do serviço desses “vagabundos” até pra fazer um almoço. Quando você os contrariar, vão tentar te associar ao crime organizado ou ao terrorismo. E também vão dizer que “se usa chinelo não é índio”.

Debatendo: Desse grau pra baixo vai ficar difícil debater, já avisamos. Felizmente, as estatísticas atuam contra esses reacionários, assim como a política internacional, mas essas são esferas que eles não compreendem. E como eles também nunca “sentiram na pele” os problemas sociais, você vai ter que usar metáforas. Só não faça ironias com “Playstation” e “iPhone”, porque isso os deixa fora de controle.

Reacionários Racistas e Sexistas - Esses vêm quase por último por uma razão. Sabemos que racismo e sexismo não são exclusividade de reacionários. Sofremos muito com isso mesmo dentro dos grupos que se afirmam revolucionários. Mas essa junção funesta gera um dos piores tipos: o fascistóide. Eles não odeiam a Dilma pelas contradições de seu governo, mas essencialmente porque ela é mulher. Eles acreditam que liberdade de expressão é poder praticar ódio e discriminação sem sofrer consequências. Eles acreditam numa diferença “natural” fantasiosa entre homens e mulheres, entre brancos e negros, e entre heterossexuais e homossexuais que está muito distante da realidade científica. E por conta disso eles são máquinas de agressão e opressão, ainda que alguns de modo inconsciente.

O Problema: Eles são preconceituosos e discriminadores, mas quando você apontar isso, alegarão perseguição. Eles vão dizer que o dia da consciência negra e as cotas nas universidades é que são racistas, porque desprezam a história e a cultura do país, se pautando num silogismo pobre. Eles não sabem diferenciar a violência do opressor e a resistência do oprimido. Acima de tudo, eles não conseguem compreender porque as pessoas os chamam de machistas, racistas ou homofóbicos quando eles abriram um discurso com “eu tenho vários amigos gays, mas…” ou “eu respeito muito minha mulher e minhas filhas, mas…”. Pra finalizar, eles não entendem que democracia é o governo do povo. Todo o povo, e não só a maioria do povo.

Debatendo: Não se debate com fascistóides. Se os expurga. Você teria mais trabalho tentando convencer algum desses xucros sem educação do que são direitos humanos do que se tentasse convencer uma macieira a dar laranjas.

Reacionários Mal Educados - Esses reacionários são reacionários porque eles acham descolado. Eles têm amigos economistas, ou assistiram a uma meia dúzia de vídeos do Olavinho ou do Dâniel Fraga, então eles pensam que sabem do que estão falando. Eles têm uma gramática horrível, ignoram pontuações e têm uma tendência a escrever tudo em caixa alta (caps lock) e com vários pontos de exclamação, ASSIM!!! ACORDA BRASIL!!! ESSE É O PAÍS QUE VAI SEDIAR A COPA!!!???!!!. Irritante, não? Eles também esperam que você acredite em tudo o que eles dizem, só porque estão dizendo. E também citam vídeos de opinião quando você pede fontes que comprovem o que eles dizem.

O Problema: É difícil categorizar problemas num debate de ogros que não sabem se comunicar. Eles mal compreendem qual é seu posicionamento político, só repetem o que ouviram de um amigo ou viram num vídeo. Eventualmente, publicarão essas correntes mentirosas, com casos de um “famoso professor” que nunca existiu, ou do “grande economista” que nunca disse aquilo. Eles são 100% cegos aos fatos e só dão atenção ao que reforça suas crenças irracionais.

Debatendo: Não há lógica ou fatos que os vá convencer de nada. Você pode ser doutor na área, eles vão inventar uma desculpa do tipo “seu professor de história mentiu pra você” ou “esquerda e direita é coisa do passado”. No lugar de discutir com eles, tente explicar álgebra ao seu animal de estimação. Há mais chances de sucesso.

Esperamos que esse informativo lhes seja útil, ou ao menos que tenha servido como um desabafo coletivo. Lembrem-se disso antes de entrar em debates incansáveis nas redes sociais, pois nem sempre vale a pena. E saiba que esses grupos de reacionários reproduzem entre si e evoluem, como pokémons, então você poderá encontrar híbridos ou formas muito extremas de qualquer um deles.

Este texto foi inspirado e baseado no artigo “The 7 Types Of Republicans and How To Debate With Them”, de Matthew Desmond, na AddictingInfo. http://www.addictinginfo.org/2013/08/01/the-seven-types-of-republicans-and-how-to-debate-them/



***


CARTÃOZINHO DE NATAL

O texto abaixo foi extraído do livro "Rosamundo e os Outros", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1963, pág. 174. Especial para o Natal.


Até que eu não sou de reclamar, puxa! Taí, se há alguém que não é de reclamar, sou eu. Pago sempre e não bufo. Claro que procuro me defender da melhor maneira possível, isto é, chateando o patrão, cobrando cada vez mais, buscando o impossível — como diz Tia Zulmira —, ou seja, equilíbrio orçamentário. Se o Banco do Brasil não tem equilíbrio orçamentário, eu é que vou ter, é ou não é?

Mas a gente luta. Eu ganho cada vez mais e nem por isso deixo de terminar sempre o mês que nem time de Zezé Moreira: 0 x 0. Segundo cálculos da tia acima citada, que é bárbara para assuntos econômicos, eu sou um dos homens mais ricos do Brasil, pois consigo chegar ao fim do mês sem dever. Esta afirmativa não me agrada nada, mas dá uma pequena amostra de como vai mal a organização administrativa do nosso querido Brasil.

Aliás, minto...o cronista pede desculpas, mas estava mentindo. Eu vou no empate até dezembro, porque, quando chega o Natal, é fogo. Aí embaralha tudo. Não há tatu que resista aos compromissos natalinos. São as Festas — dizem.

O presente das crianças, a ganância do comerciante, as gentilezas obrigatórias, os orçamentos inglórios, a luta do consumidor, a malandragem do fornecedor e olhe nós todos envolvidos nesse bumba-meu-boi dos presentinhos.

E que fossem só os presentinhos. A gente selecionava, largava uma lembrancinha nas mãos dos amigos com o clássico letreiro: "Você não repare, que é presente de pobre" e ia maneirando. Mas tem as listas, tem os cartõezinhos.

O que me chateia são as listas e os cartõezinhos. A gente passa o mês todo comprando coisas pros outros sem a menor esperança de que os outros estejam comprando coisas pra gente. De repente, quando o retrato do falecido Almirante Pedro Álvares Cabral, que, no caminho para as Índias, ao evitar as calmarias, etc., etc. já é um raro no bolso dos coitados do que deputado em Brasília, vem um de lista.

O de lista é sempre meio encabulado. Empurra a lista assim na nossa frente e diz: — O pessoal todo assinou.  Fica chato se você não assinar. Então a gente dá uma olhada.  A lista abre com uma quantia polpuda — quase sempre fictícia — que é pra animar o sangrado. E tem a lista dos contínuos, tem a lista dos porteiros, tem a lista dos faxineiros, tem a lista das telefonistas, tem a lista do raio que te parta.

A gente assina a lista meio humilhado, porque, no máximo, pode contribuir com duzentas pratas, onde está estampada a figura de Pedro I, que às margens do Ipiranga, desembainhando a espada, etc., etc. e pensa que está livre, embora outras listas estejam de tocaia, esperando a gente.

Então tá. Há um momento em que os presentinhos já estão todos comprados, as listas já estão todas assinadas e você já está com mais ponto perdido na tabela do que o time do Taubaté. Deve pra cachorro, mas vai dever mais.

Vai dever mais porque faltam os cartõezinhos de apelação. A campainha toca, você abre para saber quem está batendo e é o lixeiro. Ele não diz nada. Entrega um envelopezinho, a gente abre e lá está o versinho: "Mil votos de Boas Festas/ Seja feliz o ano inteiro/ É o que ora lhe deseja/ O vosso humilde lixeiro."

E o vosso humilde lixeiro espalma sorridente a estira que a gente larga na mão dele. Meia hora depois a campainha toca. Desta vez — quem sabe? — é uma cesta de Natal que um bacano teve a boa idéia de enviar. Mas qual. É o carteiro, fardado e meio sem jeito, que passa outro cartãozinho de apelação. A gente abre o envelope e lá está: "Trazendo a correspondência/ Faça frio ou calor/ Vosso carteiro modesto/ Prossegue no seu labor/ Mas a cartinha que trás/ Nesta oportunidade/ É para desejar Boas Festas/ E muita felicidade."

Mas este ano eu aprendi, irmãos! Em 1963 vou comprar diversas folhas de papel (tamanho ofício) e organizar várias listas para as criancinhas pobres aqui da casa. Quando o cara vier com a dele, eu neutralizo a jogada com a minha. O máximo que pode acontecer é ele assinar 500 na minha e eu assinar 500 na dele... ficando a terceira da melhor de três para disputar mais tarde.

Também vou mandar prensar uns cartõezinhos. Quando o vosso humilde lixeiro ou o vosso carteiro modesto entregar o envelopinho, eu entrego outro a ele, para que leia: "No Inferno das notícias/ Mas com expressão seráfica/ Eu batuco o ano inteiro/ A máquina datilográfica/ Pro ano que vai entrar/ Não me sinto otimista/ Mesmo assim, felicidades/ Lhe deseja este cronista."

Conforme diz Tia Zulmira: "— Malandro prevenido dorme de botina."




***


É UM POUCO MAIS

LUIZ ANTONIO SIMAS -


Dei pequena entrevista, motivada pelo lançamento de livros e pela Flip, em que o tema "ser carioca" apareceu. A resposta honesta que posso dar é que não sei o que é o "carioca". Desconfio cada vez mais que esta afirmação identitária dos nascidos no Rio de Janeiro nos acorrenta a certo paradigma de legalidade higienizador, fundamentado em um projeto civilizatório que maneja o mito do “carioquismo” como simulacro da informalidade; enquanto na prática se alimentou deste mesmo simulacro para moldar a cidade como o balneário de grandes eventos - capaz de atrair vultuosos capitais - e varreu para debaixo do tapete a crônica de horrores (e belezas) que, em larga medida, é desde sempre uma das histórias deste chão.

Marques Rebelo falava do Rio de Janeiro como uma cidade feita de várias cidades. Pegando o mote, rodamos em uma ciranda de identidades contraditórias, por isso mesmo impossíveis de qualquer captura, que nos empurram em diferentes direções e em constantes deslocamentos. Acreditar em algo único, coerente e homogêneo neste processo é uma fantasia aprazível ou, ao gosto do freguês, demolidora. Ou admitimos uma(s) cidade(s) em vertigem, ou continuaremos acreditando em conto de fadas, imbuídos da nossa missão de salvar alguma coisa que nem sabemos exatamente o que é.

Como posso saber o que é um carioca, se a cidade é o território em disputa que pulsa na flagrante oposição entre um conceito civilizatório elaborado a partir do cânone ocidental, temperado hoje pela lógica empresarial, e um caldo vigoroso de cultura das ruas forjado na experiência da escassez? Onde situar uma identidade no meio desta porfia? Não me parece nem uma questão relevante.

A cidade que me interessa na pluralidade dos rios de janeiro é aquela que nas frestas e esquinas ritualizou a vida para o encantamento dos cantos e dos corpos. Aquela que subverteu a chibata que deu no corpo em baqueta que bateu no couro do tambor, conforme digo com frequência.

Quase nunca foi bom. Sempre foi potente e transcendente. Caladas por uma cidade oficial historicamente propensa a demolir seus lugares de memórias, as culturas historicamente subalternizadas das ruas do Rio reinventaram a vida no vazio do sincopado, sambando, ousando discursos não verbalizados e soluções originais a partir dos corpos em transe no terreiro (conceitos que me parecem mais pertinentes que os de trânsito no território), em desafiadora negação da morte, solapada pelo bailado caboclo dos ancestrais que baixam em seus cavalos nas canjiras de santo.

Aqui, afinal, no meio do mais absoluto horror, entre sons de chibatas e balas de morte, falaram também aguerés, cabulas, muzenzas, barraventos, avamunhas, satós, ijexás, ibins e adarruns. Na maior parte do tempo, proibidos. Sempre vivos.

Há quem prefira a cidade desencantada, adequadamente moldada para a circulação de carros e mercadorias, vitimada pela sanha demolidora da bandidagem engravatada, devastada em seu imaginário de afetos: do Maracanã de tantos gols, da UERJ de tantas ideias, das barbearias de rua, dos botequins mais vagabundos, dos açougues e quitandas da Zona Norte, das sociabilidades meninas dos debicadores de pipa, dos pregoeiros da Central, da malandragem do jogo de ronda, dos artistas anônimos do Japeri, dos boiadeiros cavalgadores dos ventos, dos garotos queimados de sol da bossa nova, do malandro das Alagoas e dos tupinambás flechadores de Uruçu-Mirim descendo em gira de lei.

De uma cidade sem o sal da memória dos dias longos e da noite grande não sairá nada. A lufada de esperança vaga que tenho é porque continuo apostando que nos deslocamentos e nas frestas - entre as gigantescas torres empresariais viradas em esqueletos de concreto, as ruínas de arenas multiúso e as vielas de lama e sangue - os couros percutidos continuarão cantando a vitória da vida sobre a morte no terreiro grande da Guanabara.

Sempre cantaram. A nossa História, é disso que falo, afirma isso em cada gargalhada zombeteira dos exus, com as sonoridades insinuantes e desconfortáveis dos deslocamentos e transes; daquelas que saem dos terreiros entocados, das brechas, do cu do mundo, das tocas de bicho-homem, das saias das bombogiras, da lua de Luanda e da terra que nos pariu e nos ensinou que a vida - a despeito destes putos, cariocas também, e contra eles - não é, não pode ser e não será só isso que se vê.
* Via blog Histórias Brasileiras



***



MEU ANO NOVO BRASILIANO

LUIZ ANTONIO SIMAS -


A comemoração do Ano Novo no primeiro dia de janeiro é relativamente recente. Ao longo dos tempos e das diversas civilizações, a data de celebração de um novo ciclo é diversa. Os babilônicos costumavam comemorar o novo ano no equinócio da primavera; os assírios e egípcios realizavam os festejos em setembro; os gregos celebravam o furdunço em finais de dezembro; os velhos persas escolheram março.

Chineses, japoneses, judeus e muçulmanos ainda têm datas próprias e motivos diferentes para comemorar a virada; como os quechuas de Twianacu, que comemoram o novo ano no inicio do ciclo agrícola, em junho.

Os hindus da Índia pegam pesado. Dependendo da região do país, onde prevalece o calendário lunar, há os que datam os meses pela lua cheia e os que fazem isso pela lua nova. Breve esclarecimento: na tradição hindu o ano começa com o retorno de Lakshmi, a deusa da prosperidade, que em certo momento do ciclo se empirulitou. Para que a deusa encontre o caminho de volta, as casas e ruas são iluminadas e fogos de artifício são utilizados. A data da volta da deusa, todavia, muda de acordo com a região do país.

Entre os povos ocidentais, a data de primeiro de janeiro tem origem entre os romanos (Júlio César a estabeleceu em 46 A.C.). Só em 1582, com a adoção do calendário gregoriano, a igreja católica oficializou o primeiro dia de janeiro como o início do novo ano no calendário ocidental.

Para os cariocas, o hábito de se comemorar a virada na praia começou com os umbandistas, que durante muitos anos ocupavam sozinhos as areias para louvar Iemanjá. A iniciativa de se fazer a festa na praia de Copacabana partiu da turma que acompanhava Tancredo da Silva Pinto, o Tata Tancredo, líder religioso, sambista (foi fundador da Deixa Falar do Estácio) e personagem fundamental da cultura do Rio de Janeiro.

Como, portanto, cada cultura estabelece marcos e datas diferentes para a mudança de ciclo, acho que continuarei dando pouca pelota para o primeiro de janeiro. A verdade é que escrevi essa presepada toda apenas para dizer que no meu imaginário o novo ciclo começa sempre na quarta-feira de Cinzas e o meu rito de virada, esquecimento, memória e renovação, é o Carnaval.

O novo ano, ao menos na minha percepção emocional do que é o ciclo, começará, como sempre, na quarta-feira de Cinzas.

***
O ANO NOVO É...

A cerveja gelada, o fígado em ordem, o coração nos conformes, os amigos presentes, a bola na rede, a mão na roda, Pixinguinha na vitrola, Exu centroavante, Ogum de ronda, Xangô no apito, o camarão no prato, o moleque na escola, o samba no terreiro e o dia bonito.

O papo na esquina, o botequim aberto, a televisão desligada, a pipa no ar, a rua sem carro, o trem no trilho, a barca no mar, a canoa no rio; o Rio. A casa de vila, a troça, a taça, a prosa, a sanfona, a folia, o dia, a água gelada, o Buraco Quente, Nelson Cavaquinho, Odé de frente e peixe assado. Mais feira, menos mercado.

A festa de Cosme, a festa na Penha, o traçado, o trabalho leve, a cantiga breve, o subúrbio livre, o livro. A paz, o pão, o pião, o rodopio, o batuque, o desvio, o truque sem trambique. O batuquejê, o acarajé e o tremelique.

A comida farta que anda sumida: pirão, mocotó, rabada, pururuca, dobradinha. Para quem preferir, boa salada. O prazer sem tempo e sem tristeza; o desejo de dizer, movido a birinaites, numa mesa do Adônis, do Brasil, de qualquer parte, com patriótica certeza: a minha pátria é a língua à milanesa!

Cachaça, vinho, manga, reza, bamba, Bimba, candonga, sunga, pinga. Toque de bola, vento, varanda, gol da virada. A criança brincando, o homem sorrindo, a mulher amada.

É isso.

***
CURTINHA BRASILIANA


Uma das fotos que definem o Brasil: a imagem do Dr. Castor de Andrade, entre dois federais, sendo conduzido ao Rio de Janeiro após ser preso visitando o Salão do Automóvel de São Paulo, em 1994. Castor, que estava foragido, resolveu ir, com notável cara de pau, " disfarçado" ao salão, achando que não seria reconhecido, com bigode postiço e cabeleira à Iracema, mais negra que as asas da graúna. Foi em cana e gerou tirada sensacional de um jornal popular da época: Castor de Andrade é preso disfarçado de Castor de Andrade. Preso na Polinter, Castor pintou o sete. Transformou as celas em suítes de luxo climatizadas, com frigobar, televisão e sessões de cinema. As festas eram de arromba, com champanhe, caviar, vinhos portugueses do tempo do Marquês de Pombal, quantidades bíblicas de uísque e outros salamaleques. Castor ainda resolveu reformar a Polinter toda e bancar novos carros para a polícia, diante de automóveis que alcunhou como vergonhosos para a segurança pública.

* Luiz Antonio Simas, Historiador e Professor.



***





O CASO DO MENDIGO 




Os jornais anunciaram, entre indignados e jocosos, que um mendigo, preso pela polícia, possuía em seu poder valores que montavam à respeitável quantia de seis contos e pouco.

Ouvi mesmo comentários cheios de raiva a tal respeito. O meu amigo X, que é o homem mais esmoler desta terra, declarou-me mesmo que não dará mais esmolas. E não foi só ele a indignar-se. Em casa de família de minhas relações, a dona da casa, senhora compassiva e boa, levou a tal ponto a sua indignação, que propunha se confiscasse o dinheiro ao cego que o ajuntou.

Não sei bem o que fez a polícia com o cego. Creio que fez o que o Código e as leis mandam; e, como sei pouco das leis e dos códigos, não, estou certo se ela praticou o alvitre lembrado pela dona da casa de que já falei.

O negócio fez-me pensar e, por pensar, é que cheguei a conclusões diametralmente opostas à opinião geral.

O mendigo não merece censuras, não deve ser perseguido, porque tem todas as justificativas a seu favor. Não há razão para indignação, nem tampouco para perseguição legal ao pobre homem.

Tem ele, em face dos costumes, direito ou não a esmolar? Vejam bem que eu não falo de leis; falo dos costumes. Não há quem não diga: sim. Embora a esmola tenha inimigos, e dos mais conspícuos, entre os quais, creio, está M. Bergeret, ela ainda continua a ser o único meio de manifestação da nossa bondade em face da miséria dos outros. Os séculos a consagraram; epenso, dada a nossa defeituosa organização social, ela tem grandes justificativas. Mas não é bem disso que eu quero falar. A minha questão é que, em face dos costumes, o homem tinha direito de esmolar. Isto está fora de dúvida.

Naturalmente ele já o fazia há muito tempo, e aquela respeitável quantia de seis contos talvez represente economias de dez ou vinte anos.

Há, pois, ainda esta condição a entender: o tempo em que aquele dinheiro foi junto. Se foi assim num prazo longo, suponhamos dez anos, a coisa é assim de assustar? Não é. Vamos adiante.

Quem seria esse cego antes de ser mendigo? Certamente um operário, um homem humilde, vivendo de pequenos vencimentos, tendo às vezes falta de trabalho; portanto, pelos seus hábitos anteriores de vida e mesmo pelos meios de que se servia para ganhá-la, estava habituado a economizar. É fácil de ver por quê. Os operários nem sempre têm serviço constante. A não ser os de grandes fábricas do Estado ou de particulares, os outros contam que, mais dias, menos dias, estarão sem trabalhar, portanto sem dinheiro; daí lhes vem a necessidade de economizar, para atender a essas épocas de crise.

Devia ser assim o tal cego, antes de o ser. Cegando, foi esmolar. No primeiro dia, com a falta de prática, o rendimento não foi grande; mas foi o suficiente para pagar um caldo no primeiro frege que encontrou, e uma esteira na mais sórdida das hospedarias da rua da Misericórdia. Esse primeiro dia teve outros iguais e seguidos; e o homem se habituou a comer com duzentos réis e a dormir com quatrocentos; temos, pois, o orçamento do mendigo feito: seiscentos réis (casa e comida) e, talvez, cem réis de café; são, portanto, setecentos réis por dia.

Roupa, certamente, não comprava: davam-lha. É bem de crer que assim fosse, porque bem sabemos de que maneira pródiga nós nos desfazemos dos velhos ternos.

Está, portanto, o mendigo fixado na despesa de setecentos réis por dia. Nem mais, nem menos; é o que ele gastava. Certamente não fumava e muito menos bebia, porque as exigências do ofício haviam de afastá-lo da "caninha". Quem dá esmola a um pobre cheirando a cachaça? Ninguém.

Habituado a esse orçamento, o homenzinho foi se aperfeiçoando no ofício. Aprendeu a pedir mais dramaticamente, a aflautar melhor a voz; arranjou um cachorrinho, e o seu sucesso na profissão veio.

Já de há muito que ganhava mais do que precisava. Os níqueis caíam, e o que ele havia de fazer deles? Dar aos outros? Se ele era pobre, como podia fazer? Pôr fora? Não; dinheiro não se põe fora. Não pedir mais? Aí interveio uma outra consideração.

Estando habituado à previdência e à economia, o mendigo pensou lá consigo: há dias que vem muito; há dias que vem pouco, sendo assim, vou pedindo sempre, porque, pelos dias de muito, tiro os dias de nada. Guardou. Mas a quantia aumentava. No começo eram só vinte mil-réis; mas, em seguida foram quarenta, cinqüenta, cem. E isso em notas, frágeis papéis, capazes de se deteriorarem, de perderem o valor ao sabor de uma ordem administrativa, de que talvez não tivesse notícia, pois, era cego e não lia, portanto. Que fazer, em tal emergência, daquelas notas? Trocar em ouro? Pesava, e o tilintar especial dos soberanos, talvez atraísse malfeitores, ladrões. Só havia um caminho: trancafiar o dinheiro no banco. Foi, o que ele fez. Estão aí um cego de juízo e um mendigo rico.

Feito o primeiro depósito, seguiram-se a este outros; e, aos poucos, como hábito é segunda natureza, ele foi encarando a mendicidade não mais como um humilhante imposto voluntário, taxado pelos miseráveis aos ricos e remediados; mas como uma profissão lucrativa, lícita e nada vergonhosa.

Continuou com o seu cãozinho, com a sua voz aflautada, com o seu ar dorido a pedir pelas avenidas, pelas ruas comerciais, pelas casas de famílias, um níquel para um pobre cego. Já não era mais pobre; o hábito e os preceitos da profissão não lhe permitiam que pedisse uma esmola para um cego rico.

O processo por que ele chegou a ajuntar a modesta fortuna de que falam os jornais, é tão natural, é tão simples, que, julgo eu, não há razão alguma para essa indignação das almas generosas.

Se ainda continuasse a ser operário, nós ficaríamos indignados se ele tivesse juntado o mesmo pecúlio? Não. Por que então ficamos agora?

É porque ele é mendigo, dirão. Mas é um engano. Ninguém mais que um mendigo tem necessidade de previdência. A esmola não é certa; está na dependência da generosidade dos homens, do seu estado moral psicológico. Há uns que só dão esmolas quando estão tristes, há outros que só dão quando estão alegres e assim por diante. Ora, quem tem de obter meios de renda de fonte tão incerta, deve ou não ser previdente e econômico?

Não julguem que faço apologia da mendicidade. Não só não faço como não a detrato.

Há ocasiões na vida que a gente pouco tem a escolher; às vezes mesmo nada tem a escolher, pois há um único caminho. É o caso do cego. Que é que ele havia de fazer? Guardar. Mendigar. E, desde que da sua mendicidade veio-lhe mais do que ele precisava, que devia o homem fazer? Positivamente, ele procedeu bem, perfeitamente de acordo com os preceitos sociais, com as regras da moralidade mais comezinha e atendeu às sentenças do Bom homem Ricardo, do falecido Benjamin Franklin.

As pessoas que se indignaram com o estado próspero da fortuna do cego, penso que não refletiram bem, mas, se o fizerem, hão de ver que o homem merecia figurar no Poder da vontade, do conhecidíssimo Smiles.

De resto, ele era espanhol, estrangeiro, e tinha por dever voltar rico. Um acidente qualquer tirou-lhe a vista, mas lhe ficou a obrigação de enriquecer. Era o que estava fazendo, quando a polícia foi perturbá-lo. Sinto muito; e são meus desejos que ele seja absolvido do delito que cometeu, volte à sua gloriosa Espanha, compre uma casa de campo, que tenha um pomar com oliveiras e a vinha generosa; e, se algum dia, no esmaecer do dia, a saudade lhe vier deste Rio de Janeiro, deste Brasil imenso e feio, agarre em uma moeda de cobre nacional e leia o ensinamento que o governo da República dá... aos outros, através dos seus vinténs: “A economia é a base da prosperidade".

*Bagatelas, 1911. Reproduzido do site Memórias do Brasil.



***


MOSAICO PATAH,

A VIDA EM CAQUINHOS...

Por DANIEL MAZOLA -

Camila Patah. Foto: página da autora no facebook.
O termo mosaico é originário de “mosaicon”, que significa musa. Essa forma de arte já existe há milênios, pois do Oriente os sumérios, por volta de sete mil anos atrás, já revestiam pilastras com cones de argilas coloridas e fixadas em massa, formando uma decoração geométrica. Os gregos e os romanos também utilizavam a técnica do mosaico no auge de suas culturas para decorarem os pisos e as paredes das construções.

Hoje, o mosaico ressurgiu, despertando grande interesse, sendo cada vez mais utilizado, artisticamente, na decoração de ambientes interiores e exteriores.

Agora, conheça e experimente o magnífico conjunto de sentimentos e sensações proporcionado pelas imagens do trabalho da artista plástica Camila Patah, é realmente sensacional. Em breve realizaremos entrevista exclusiva com a autora das obras.
A presidente Dilma Rousseff recebe das mãos do presidente do Sindicato dos Comerciários de SP e da UGT, Ricardo Patah (pai de Camila), obra da artista em homenagem a capital da República.
Por Camila Patah - Comecei essa arte em 2002 com a orientação, na época, de Prem Mukty Mayi, no começo achava tudo aquilo uma chatice de ficar colando caquinhos, principalmente porque me sentia obrigada a fazer, por ser parte de minha terapia psicológica.

Aprendi essa técnica para auxiliar na minha doença da dependência química.

Naquele ano de 2002, não compreendia bem qual a finalidade daquela terapia, mas o tempo passou e fui percebendo que conforme eu encaixava as peças do mosaico, a cada azulejinho colado eu integrava também dentro de mim: matéria, espírito e emoção.

Assim, a partir de 2005, o mosaico tornou-se profissão e paixão na minha vida.

Quando as peças não se encaixavam, observava que tinha algo errado e logo vinha uma recaída na abominável droga, pois naquele momento não conseguia lidar com certas situações.

Hoje, após minha recuperação mental e física, me encontro feliz por continuar colando os meus caquinhos internos e externos, fazendo lindos mosaicos que até me surpreendo.

O mosaico é Arte e ‘Terapia’, pois junta a criatividade num processo de "renascimento", dentro e fora, pois se quebra um azulejo inteiro para se construir uma nova forma.

E-mail:
[email protected]
Facebook:http://www.facebook.com/camillapatah/
Blog:http://mosaicopatah.blogspot.com.br/2014/04/minha-vida-em-caquinhos.html





***




SUB-HUMANOS FORJADOS

GABRIEL FRÓES -


Desde a infância somos induzidos pela publicidade capitalista, pequenas esponjas. Viramos seres consumistas e individualistas, não respeitando outros como nós, “nossa imagem e semelhança”, pessoas criadas no mesmo mundo, uns na miséria das favelas e guetos do RJ e SP e outros poucos afortunados no berço esplendido.

Na prensa em que somos forjados, viramos seres com tendências violentas por natureza, causados pelo cotidiano capitalista em uma área de extrema pobreza, que gera em seus moradores humilhação e impotência. Tudo alimentado principalmente pelos nefastos meios de comunicação de massa capitalista, sendo a TV ainda hoje a principal ferramenta. Em muitos casos, humanos que pensam, querem a ruptura do velho Estado, mudar a realidade, fazer a Revolução Popular, construir o Novo. Não se avança com essa construção por falta de lideranças e principalmente por falta de conhecimento do povão, que nada sabe sobre luta de classes.

Quando os indivíduos e famílias, inseridos nessa triste realidade são bombardeados por todo esse lixo comercial, visando somente o lucro, tornam-se sub-humanos sociais, vítimas que reproduzem a ignorância, milhões iguais a ele cegos desde o berço até provavelmente um fim trágico, em função dos valores e ideologia que pertence, assumindo mesmo sem saber.

Nas camadas mais desprovidas da sociedade, seja financeira, de saúde, educação, etc... Nas favelas, continuam todos querendo consumir acima de tudo, mais sem nem ter capital o suficiente para as coisas mais básicas como alimento. Forçando e conduzindo tais humanos, crianças, jovens, pais de família, muitos sem emprego ou salário, por necessidade ou vaidade não hesitariam em tirar sua vida por 10 reais até. Expresso minha indignação pela  realidade social, ‘óbvio ululante’ que dura há anos. Meu sentimento é de ódio e tristeza, quando recordo o que fazem com o nosso país em nome do dinheiro e concentração de capital. Vamos todos acordar!
*Gabriel Pereira Fróes de Castro, estudante, 17 anos, colaborador do site TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical.




***

11 FILMES PARA ENTENDER A DITADURA MILITAR NO BRASIL


Onze filmes que fazem um diagnóstico de como o cinema retratou a ditadura militar no Brasil.

Das sessões de tortura aos fantasmas da ditadura, o cinema brasileiro invariavelmente volta aos anos do regime militar para desvendar personagens, fatos e consequências do golpe que destituiu o governo democrático do país e estabeleceu um regime de exceção que durou longos 21 anos. Estreantes e veteranos, muitos cineastas brasileiros encontraram naqueles anos histórias que investigam aspectos diferentes do tema, do impacto na vida do homem comum aos grandes acontecimentos do período.

Embora a produção de filmes sobre o assunto tenha crescido mais recentemente, é possível encontrar obras realizadas durante o próprio regime militar, muitas vezes sob a condição de alegoria. “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, é um dos mais famosos, retratando as disputas políticas num país fictício. Mais corajoso do que Glauber foi seu conterrâneo baiano Olney São Paulo, que registrou protestos de rua e levou para a tela em forma de parábola, o que olhe custou primeiro a liberdade e depois a vida.

Os onze filmes que compõem esta lista, se não são os melhores, fazem um diagnóstico de como o cinema retratou a ditadura brasileira. 

1. MANHÃ CINZENTA (1968), Olney São Paulo – Em plena vigência do AI-5, o cineasta-militante Olney São Paulo dirigiu este filme, que se passa numa fictícia ditadura latino-americana, onde um casal que participa de uma passeata é preso, torturado e interrogado por um robô, antecipando o que aconteceria com o próprio diretor. A ditadura tirou o filme de circulação, mas uma cópia sobreviveu para mostrar a coragem de Olney São Paulo, que morreu depois de várias sessões de tortura, em 1978. 

2. PRA FRENTE, BRASIL (1982), Roberto Farias – Um homem comum volta para casa, mas é confundido com um “subversivo” e submetido a sessões de tortura para confessar seus supostos crimes. Este é um dos primeiros filmes a tratar abertamente da ditadura militar brasileira, sem recorrer a subterfúgios ou aliterações. Reginaldo Faria escreveu o argumento e o irmão, Roberto, assinou o roteiro e a direção do filme, repleto de astros globais, o que ajudou a projetar o trabalho. 

3. NUNCA FOMOS TÃO FELIZES (1984), Murilo Salles – Rodado no último ano do regime militar, a estreia de Murilo Salles na direção mostra o reencontro entre pai e filho, depois de oito anos. Um passou anos na prisão; o outro vivia num colégio interno. Os anos de ausência e confinamento vão ser colocados à prova num apartamento vazio, onde o filho vai tentar descobrir qual a verdadeira identidade de seu pai. Um dos melhores papéis da carreira de Claudio Marzo. 

4. CABRA MARCADO PARA MORRER (1984), Eduardo Coutinho – A história deste filme equivale, de certa forma, à história da própria ditadura militar brasileira. Eduardo Coutinho rodava um documentário sobre a morte de um líder camponês em 1964, quando teve que interromper as filmagens por causa do golpe. Retomou os trabalhos 20 anos depois, pouco antes de cair o regime, mesclando o que já havia registrado com a vida dos personagens duas décadas depois. Obra-prima do documentário mundial. 

5. O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? (1997), Bruno Barreto – Embora ficcionalize passagens e personagens, a adaptação de Bruno Barreto para o livro de Fernando Gabeira, que narra o sequestro do embaixador americano no Brasil por grupos de esquerda, tem seus méritos. É uma das primeiras produções de grande porte sobre a época da ditadura, tem um elenco de renome que chamou atenção para o episódio e ganhou destaque internacional, sendo inclusive indicado ao Oscar. 

6. AÇÃO ENTRE AMIGOS (1998), Beto Brant – Beto Brant transforma o reencontro de quatro ex-guerrilheiros, 25 anos após o fim do regime militar, numa reflexão sobre a herança que o golpe de 1964 deixou para os brasileiros. Os quatro amigos, torturados durante a ditadura, descobrem que seu carrasco, o homem que matou a namorada de um deles, ainda está vivo –e decidem partir para um acerto de contas. O lendário pagador de promessas Leonardo Villar faz o torturador. 

7. CABRA CEGA (2005), Toni Venturi – Em seu melhor longa de ficção, Toni Venturi faz um retrato dos militantes que viviam confinados à espera do dia em que voltariam à luta armada. Leonardo Medeiros vive um guerrilheiro ferido, que se esconde no apartamento de um amigo, e que tem na personagem de Débora Duboc seu único elo com o mundo externo. Isolado, começa a enxergar inimigos por todos os lados. Belas interpretações da dupla de protagonistas. 

8. O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE FÉRIAS (2006), Cao Hamburger – Cao Hamburger, conhecido por seus trabalhos destinados ao público infantil, usa o olhar de uma criança como fio condutor para este delicado drama sobre os efeitos da ditadura dentro das famílias. Estamos no ano do tricampeonato mundial e o protagonista, um menino de doze anos apaixonado por futebol, é deixado pelos pais, militantes de esquerda, na casa do avô. Enquanto espera a volta deles, o garoto começa a perceber o mundo a sua volta. 

9. HOJE (2011), Tata Amaral – Os fantasmas da ditadura protagonizam este filme claustrofóbico de Tata Amaral. Denise Fraga interpreta uma mulher que acaba de comprar um apartamento com o dinheiro de uma indenização judicial. Cíclico, o filme revela aos poucos quem é a protagonista, por que ela recebeu o dinheiro e de onde veio a misteriosa figura que se esconde entre os cômodos daquele apartamento. Denise Fraga surpreende num papel dramático. 

10. TATUAGEM (2013), Hilton Lacerda – A estreia do roteirista Hilton Lacerda na direção é um libelo à liberdade e um manifesto anárquico contra a censura. Protagonizado por um grupo teatral do Recife, o filme contrapõe militares e artistas em plena ditadura militar, mas transforma os últimos nos verdadeiros soldados. Os soldados da mudança. Irandhir Santos, grande, interpreta o líder da trupe. Ele cai de amores pelo recruta vivido pelo estreante Jesuíta Barbosa, que fica encantado pelo modo de vida do grupo. 


11. BATISMO DE SANGUE (2007) – Apesar do incômodo didatismo do roteiro, o longa é eficiente em contar a história dos frades dominicanos que abriram as portas de seu convento para abrigar o grupo da Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderado por Carlos Marighella. Gerando desconfiança, os frades logo passaram a ser alvo da polícia, sofrendo torturas físicas e psicológicas que marcaram a política militar. Bastante cru, o trabalho traz boas atuações do elenco principal e faz um retrato impiedoso do sofrimento gerado pela ditadura.




***




SOBRAL PINTO E PRESTES: DUAS VIDAS QUE SE CRUZAM

GERALDO PEREIRA -

Para o companheiro Francisco Soares de Souza, sindicalista e líder frentista, admirador de Sobral Pinto.

Agradeço a Jorge Amado ter conhecido o admirável e saudoso ser humano que foi Heráclito Fontoura Sobral Pinto, de quem me tornei amigo, amizade que durou mais de 4 décadas, décadas de lições aprendidas para não desaprender jamais.

Heráclito Fontoura Sobral Pinto era mineiro de Barbacena, onde nasceu em 05 de novembro de 1893. Estudou na Faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1917 estava formado. Sua banca de advocacia entra em atividade em 1919.

Faleceu, no Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1991, deixando bem mais pobre a sua Pátria e o seu povo. Com o seu desaparecimento perdeu o Direito a sua grande voz, a liberdade o seu amante amantíssimo, dedicado que lhe foi extremamente fiel.

Sendo o segundo maior advogado que o Direito brasileiro produziu em toda a sua existência (o primeiro foi Ruy), transformou a sua Banca de Advocacia e Saber numa policlínica popular, para todos os doentes, em todas as épocas que necessitassem de liberdade.

Por lá passaram, além de Luís Carlos Prestes, Graciliano Ramos, Adauto Lúcio Cardoso, Juscelino Kubistchek, Carlos Lacerda, Miguel Arraes, Hélio Fernandes, Mauro Borges, Carlos Marighela, Francisco Julião, Gregório Bezerra, Oswaldo Pacheco, Luís Tenório de Lima e uma infinidade de vítimas do arbítrio que se instalou no Brasil, em 1937, com a ditadura de Getúlio Vargas  e em 1964, com o golpe militar contra o governo João Goulart.

Tínhamos a mesma paixão, paixão pelo América do Rio de Janeiro: pertencemos durante anos ao seu Conselho Deliberativo.

Nunca vi o velho Sobral mais alegre do que quando o clube do nosso coração levantou o campeonato carioca de 1960. O vi extremamente triste, indignadíssimo quando o Conselho ao qual pertencíamos aprovou o nome do General Médici, então presidente da República, como presidente de honra do nosso América. Ele esteve ausente dessa reunião. Na reunião seguinte  compareceu. Foi à tribuna, fez um violentíssimo discurso contra o ato e contra o ditador, perguntou: “Quem foi o responsável por esse ato? SE eu estivesse aqui teria impugnado essa proposta e teria votado contra. O América não precisa disso!”

Vivíamos uma ditadura cruel, o próprio Sobral Pinto havia sido preso e jogado brutalmente no camburão, na cidade de Goiânia.

Após o discurso, deixou o plenário, acompanhei-o até a sua residência, na Rua Pereira da Silva, no bairro das Laranjeiras, onde morou por mais de 75 anos. Despediu-se de mim dizendo: “Não piso mais no América”.

Já tentei diversas vezes escrever sobre Sobral Pinto, sem citar Luís Carlos Prestes, coisa absolutamente impossível. Essas duas existências, esses dois grandes homens tiveram suas vidas interligadas. Prestes, marxista, ateu, Sobral Pinto, líder católico, apostólico romano, conservador, anticomunista, ambos nos deram exemplos de dignidade humana diária. Sobral Pinto, aos 95 anos, ainda trabalhava para viver. Prestes, deixo que sobre ele fale o mestre Sobral Pinto: “Por maiores que sejam as suas culpas, há nele alguma coisa de grande e elevado. Se ele tivesse pensado somente em si, como aconteceu com o Góis Monteiro, o Getúlio, o Juarez, e tantos outros, seria estas horas General do Exército brasileiro, e quiçá, Ministro da Guerra. Em 1930, não lhe faltaram oferecimentos, os mais sedutores. A tudo resistiu, porém, para ficar fiel às suas ideias, erradas e funestas, é verdade, mas adotadas e seguidas com rara sinceridade”.

Na ditadura de Getúlio não tinha um advogado com coragem suficiente para defender Luís Carlos Prestes. Sobral Pinto assume a sua defesa, a batalha é travada em favor de Prestes e, também, para salvar a sua filha Anita Leocádia, nascida num campo de concentração da Alemanha nazista, para onde fora enviada Olga Benário Prestes, sua mãe.

Antes, em 03 de junho de 1936, o advogado Heitor Lima ingressou na Suprema Corte, como era chamado o Supremo Tribunal Federal, com um pedido de 'Habeas Corpus', em favor de Olga, a fim de evitar a sua expulsão do Território Nacional. Na petição ele apela para o presidente da Corte, Ministro Edmundo Lins,  que "o presente pedido se processe sem custas"... “Por que a paciente se encontra absolutamente desprovida de recursos. O vestido que traz hoje é o mesmo que usava quando foi presa; e o pouco dinheiro os valores e as roupas que a polícia apreendeu na sua residência não lhe foram restituídas e que faça submeter a paciente a uma pericia médica, no sentido de precisar seu estado de gravidez". Olga estava grávida de sete meses.

O pedido é indeferido. O advogado Heitor Lima vai à replica: “Se a justiça masculina, mesmo quando exercida por uma consciência, do mais fino quilate, como o insigne presidente da Corte Suprema, tolhe a defesa a uma encarcerada sem recursos, não há de a história da Civilização brasileira recolher em seus anais judiciários o registro dessa nódoa: a condenação de uma mulher, sem que a seu favor se elevasse a voz de um homem no Palácio da Lei. O impetrante satisfará a despesa do processo. Rio de Janeiro, 04 de junho de 1936. Heitor Lima, advogado.”

As custas do processo totalizaram 14$800 (quatorze mil e oitocentos reis).
O processo foi julgado e a decisão pela Suprema Corte, em 17 de junho de 1936 foi a seguinte:

Nº 26155 – Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, impetrado pelo Dr. Heitor Lima, em defesa de Maria Prestes, que ora se encontra recolhida à Casa de Detenção, afim de ser expulsa do território nacional, como perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país.

A Corte Suprema, indeferindo não somente a requisição dos autos, do respectivo processo administrativo, como o comparecimento da Paciente e bem assim a perícia médica afim de constatar o seu estado de gravidez, e atendendo que a mesma Paciente é estrangeira e a sua permanência no País compromete a segurança nacional, conforme se depreende das informações prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça; atendendo a que em casos tais não há como invocar a garantia constitucional do habeas- corpus, a vista dos dispositivos  artigo 2, do Decreto nº 702, de 21 de março deste ano;

ACCÓRDA, por maioria, não tomar conhecimento do pedido.

Custas pelo impretante.

Corte Suprema, 17 de junho de 1936.
Edmundo Lins, presidente, Bento de Faria Relator.

Uma decisão vergonhosa e mesquinha que cobriu de vergonha todos os membros daquela Corte. Entregar aos carrascos nazistas uma mulher grávida de 7 meses, casada com um brasileiro.  A sessão foi  presidida pelo ministro Edmundo Lins, com a presença de todos os ministros, componentes da mesma, a saber: Hermenegildo de Barros, vice-presidente; Bento de Faria, relator; Eduardo Espínola, Plinio Casado, Carvalho Mourão, Laudo de Camargo, Costa Manso, Octávio Kelly, Ataulpho de Paiva e Carlos Maximiliano. A decisão da Suprema Corte foi a seguinte: "Não conheceram ao pedido contra os votos dos ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espínola, que conheciam e indeferiam”.

Olga foi metida no navio La Coruña, que partiu do Rio de Janeiro, em 23 de setembro de 1936; chegando a Hamburgo em 18 de outubro. É imediatamente entregue aos seus carrascos, levada para prisão feminina nazista de Barnimstrasse, onde dá à luz a uma menina, em 27 de novembro de 1936, que recebeu o nome de Anita Leocádia. Ficando com a filha, na fase de amamentação até os 14 meses.  Depois a menina é entregue à Dona Leocádia mãe de Prestes, sua avó, que se encontrava na Europa, lutando, clamando pela liberdade do filho.

Graças à solidariedade recebida conseguiu salvar a criança das garras das bestas nazistas.

Em março de 1938 Olga é transferida para o campo de concentração Lichtenburg, sendo um ano após levada para outro campo de concentração, esse só de mulheres, o Ravensbrück, onde como cobaias serviam para experiências médicas. Olga foi assassinada em 1942 no campo de extermínio de Bernburg, onde centenas de milhares de judeus tiveram o mesmo fim.


Geraldo: Dr. Sobral e a expulsão de Olga?

Dr. Sobral: Se eu fosse  advogado de Olga, Olga não teria sido expulsa, não teria sido expulsa!

O advogado escolhido foi o Heitor Lima, era a coisa mais simples desse mundo. O Código Civil Brasileiro, declara no artigo 6º que a personalidade humana, começa com o nascimento, mas, a lei assegura e garante desde a concepção o direito do nascituro, ela estava grávida de 7 meses, grávida de quem? De um brasileiro, ficou grávida onde? No Rio de Janeiro, território Nacional, então aquele feto era brasileiro, sendo brasileiro não podia ser extraditado porque a lei de extradição, de expulsão, não permite que o brasileiro seja expulso ou extraditado. O brasileiro que pratica um crime no estrangeiro vem para o Brasil, a Nação pede ao Brasil para extraditar, o governo não pode extraditar. Compromete a processá-lo aqui, mas não extradita, ele não manda. Uma das partes tinha que ter isso. A Lei não permite a expulsão de brasileiro e esse feto é brasileiro. Era canja isso e o advogado não fez isso.

Geraldo: E o senhor não poderia orientá-lo?

Sobral: Nem eu sabia, só vim a saber depois, porque isso foi em setembro de 36, e eu só fui advogado do Prestes em janeiro de 1937. Eu fui convidado pelo Tragino Ribeiro presidente da Ordem dos Advogados, ele bateu à  porta de 6 advogados, alguns dos quais, supôs ele que fossem comunistas ou esquerdistas, ele me disse eu procurei aqueles que pensei que por suas idéias tinham obrigação de defendê-lo, mas todos eles recusaram. Ele então foi para um católico e o católico recusou em nome do catolicismo, nessa altura, ele louco, o juiz a exigir indicação de um nome. Ele então vai a mim e diz: “Sobral, não é possível que a Ordem não tenha...” eu disse “Não! Você está sendo generoso, porque a lei autoriza você indicar e ninguém pode recusar, e se recusar você pode suspender. O Conselho suspende, está na Lei. Você está sendo generoso. Mas esse católico não sabe o que é a caridade cristã. Ele não conhece o evangelho: “Aquele que é do reino de Deus tem que ser amigo, não só do amigo, não só do amigo, mas do inimigo.”

Fazer bem àquele do qual recebeu o mal está no Evangelho, isso que Santo Agostinho resumiu numa frase lapidar: “Odiar o pecado e amar o pecador”.

Geraldo: Dr. Sobral, após o senhor ser indicado pela Ordem, como foi o seu primeiro encontro com Prestes, na condição de seu advogado?

Sobral: Eu fui a primeira pessoa com a qual ele se entendia após a prisão. Ele tinha sido interrogado pelo juiz do Tribunal de Segurança que tinha o processo dele. Foi apenas interrogado e saiu.

A primeira pessoa com quem ele conseguiu falar francamente fui eu.

Então ele durante uma hora e meia, numa exaltação tremenda, ele atacou o governo, atacou o Tribunal de Segurança, atacou o tratamento brutal que lhe estava sendo aplicado em incomunicabilidade rigorosa, atacou a Ordem dos Advogados, atacou a mim dizendo o que é que eu poderia fazer se o senador Chermont havia requerido um habeas corpus ao Tribunal, com autorização do Senado estava preso e sendo processado. “O que é que o senhor um ‘advogadozinho’ pode fazer?”. E naquela uma hora e meia de um discurso extraordinariamente exaltado, nesse discurso muita coisa era verdade. Muita coisa não era, então, ele me proibiu de apresentar a defesa.

Geraldo: Como se deu a aproximação do senhor com a Dona Leocádia, mãe do Prestes?

Sobral: No dia que eu entrei com a petição ao Tribunal, em defesa do Prestes, eu fui à prisão onde ele se encontrava, para lhe entregar uma cópia, mandei levar. Eu não fui ao quarto dele, porque foi uma coisa desagradável, o que tinha acontecido antes.

Ele levou mais de meia hora e pediu para vir à minha presença, o comandante autorizou. Ele veio com dois guardas, um de cada lado. Diz-me: “Eu queria perguntar ao senhor, se o senhor realmente entrou com essa petição?” Eu respondi: “É evidente que sim. Eu não seria capaz de trazer ao senhor, palavras que não teria apresentado ao Tribunal, sobretudo ao senhor que não tem meios de verificar se entrei. O senhor não tem ninguém em contato, a única pessoa em contato com o senhor sou eu.” Peguntei: “Por que?” Respondeu-me: “A petição está muito bem feita, sobretudo, muito corajosa. Meus parabéns!”

A censura esqueceu de avisar os jornais, que não publicassem nenhuma defesa no Tribunal de Segurança Nacional. Um comunista pediu uma certidão dela e levou para o jornal ‘O Radical’. O jornal publicou, na primeira página. E outro comunista, marinheiro francês, mandou para a dona Leocádia, que se encontrava em Paris. Ela leu a petição e se entusiasmou. Escreveu ao Prestes dizendo: “ tenha confiança no doutor Sobral. Não há motivo para recusar a sua defesa”. Ele mudou de orientação e aceitou a minha defesa.

A correspondência entre ela e Sobral Pinto é constante, em 19 de março de 1937, ele dá ciência ao Ministro da Justiça, José Carlos de Macedo Soares, através de uma carta sua: “Honrando o apelo angustioso que Dona Leocádia Prestes me dirige, do seu penoso exílio, passo às mãos de V.Exa. a carta que ela, aflita e esperançada, escreveu ao senhor Ministro da Justiça do Brasil. Católico e patriota, eu me honro com o desempenho desta missão, de que me vi investido pela veneranda Mãe de Luís Carlos Prestes. Tudo farei, na medida das minhas energias morais e da minha capacidade profissional, para evitar que o Governo bárbaro e odiento de Hitler pratique a monstruosa iniquidade de tirar das mãos de sua mãe uma tenra criança de 10 meses. Se me dirijo agora a V.Exa., na qualidade de advogado ex-officio de Luís Carlos Prestes, é porque não posso alijar da minha convicção a certeza de que cabe ao Governo brasileiro a maior responsabilidade desse crime contra os direitos da maternidade, que ora se prepara, fria e cruelmente no recinto de uma prisão da outrora e gloriosa Germânia. Como admitir, assim, justificativa para o ato do Governo Brasileiro, que entregou, consciente e deliberadamente Olga Benário Prestes à vingança do racismo odiento e perseguidor de Hitler. Cruzar as autoridades brasileiras, os braços ante a iniquidade que ora se projeta levar adiante contra um coração materno, num dos presídios políticos da Alemanha, é procedimento que não se compreende que a consciência cristã profliga”.

Respondendo a outra carta recebida de Dona Leocádia diz o notável jurista, que um delegado de polícia vai falar com Prestes, na Casa de Correção para saber “em que País, e em que data Luís Carlos Prestes teria se casado com Olga Benário Prestes. Das respostas do filho de V.Exa. é que irá depender a situação da menina Anita Leocádia”.

Antes foi a luta para encontrar um Tabelião a fim de lavrar a escritura pública de reconhecimento, por parte de Luís Carlos Prestes, de sua filha Anita Leocádia. Sobral Pinto bateu às portas de quase todos os cartórios e só encontrou o medo e a má vontade. Isto sem falar em alguns membros do Partido Comunista que não se mostravam satisfeitos com a sua atuação no processo. A esse respeito escreve: “Consolo-me, porém, com as declarações do filho de V.Exa. feitas de público, de que ‘estando cercado na Polícia Especial, só de vermes, apareceu-lhe, afinal, um homem’.

Este homem fui eu.” Mais adiante, na sua defesa oral, acrescentou Luís Carlos Prestes: “O senhor Sobral Pinto exerce a advocacia como um sacerdócio”.
O prazo para o reconhecimento da paternidade de Anita Leocádia praticamente está no seu final, Sobral Pinto consegue um Tabelião e envia diretamente à Gestapo uma certidão com a respectiva versão alemã da escritura de reconhecimento da menor Anita Leocádia.

O que pouca gente sabe, o que o Brasil precisa saber é que esse documento pelo qual Sobral Pinto tanto lutou, foi ele que salvou a menina das garras odientas da Gestapo.

Em outra carta datada de 12/05/1937, Sobral Pinto escreve para dona Leocádia: “Exma. Sra. D. Leocádia Prestes. Obtive ontem, finalmente, autorização do Chefe de Polícia, para entregar ao seu filho os objetos que me remeteu para tal fim. Hoje, se Deus quiser, irei até a Polícia Especial para, na presença do Comandante dessa Força, passar às mãos de Luís Carlos Prestes as roupas e objetos de uso que ele estava realmente necessitado. Parece incrível que a supressão das liberdades tenha atingido, no Brasil, a tais extremos que um advogado precise fazer as peregrinações a que tive que me entregar para conseguir dar a um preso político algumas roupas que a sua velha mãe, também exilada lhe mandara de longas terras.”.

Pergunto ao Dr. Sobral: - “O Prestes só se comunicava com a mãe através do senhor? Ele tinha liberdade de ler jornais e livros?”.

O velho mestre, com a memória privilegiada, responde: “Eu estabeleci uma correspondência permanente minha com a dona Leocádia e consegui que o juiz do processo estabelecesse uma correspondência semanal do Prestes com a mãe. Ela, primeiramente, em Paris, depois, com a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1939, ela veio para o México, ele semanalmente escrevia à Mãe e recebia uma carta dela. Eu consegui também para ele a assinatura do Jornal do Comércio e do Correio da Manhã, ele recebia diariamente esses dois jornais. Consegui também a autorização para o Prestes receber livros, ele chegou a ter mais de mil volumes na prisão onde se encontrava, na Casa de Correção, na Frei Caneca.”

Geraldo: O senhor esperava absolver o Prestes e os seus companheiros da revolução comunista?

Sobral: Eu não podia de forma nenhuma tentar obter a absolvição por duas razões muito simples: A primeira é que o Prestes e o Berger tinham declarado à Polícia, quando foram pegos, que eram os organizadores da Revolução de 35. De modo que eles assumiram nobremente a responsabilidade por ela.

Em segundo lugar a polícia ao prendê-los e ao prender, também, o Bonfim, que era o secretário do Partido Comunista, a polícia ficou com todo o arquivo dessas personagens. Ela tinha a prova concreta e documental da participação deles de modo que não podia pensar em absolvição.

O que eu pretendia e tentei fazer em relação ao Berger e ao Prestes era obter uma condição de pessoa humana que lhes estava sendo negada pelas autoridades policiais da época, considerava ambos como se fossem uns animais hidrófobos.

Prestes estava em incomunicabilidade rigorosa. Colocado numa prisão sem livros, sem jornal e o Berger num socavão de escada, como se fosse um cão hidrófobo. Então eu tinha a obrigação de tentar para que eles fossem colocados numa prisão condigna, numa prisão a altura da sua situação de pessoas humanas, membros da família humana, isso era o que achava que devia fazer.

Geraldo: Foi dada a situação desumana na acepção da palavra em que se encontravam o Berger que fez o senhor pedir para ele a Lei de Proteção dos Animais?

Luiz Carlos Prestes, Maria Prestes e Sobral Pinto. Arquivo: Google
Sobral: O Berger estava num socavão de escada, a lei de proteção aos animais não permite que se coloque o animal numa situação imprópria para sua natureza.

Alguns utilizavam o exemplo do cavalo. O cavalo precisa de espaço, se colocar o cavalo numa baia sem poder sair, sem poder correr, depois de um certo tempo ele começa a entristecer, sem querer comer, ele acaba morrendo.

Colocar um homem num socavão de escada com acesso para o primeiro andar, pela qual dia e noite desciam e subiam os soldados e com uma grade externa e frontal, era positivamente uma monstruosidade. Era a prática de um ato criminoso até para um animal, quanto mais para um ser humano. Eu levei 6 meses para conseguir tirá-lo desse lugar. Quando eu consegui me entender com ele depois dele já estava preso há mais de um ano nessa situação, ele já estava um pouco perturbado. Eu consegui que um médico psiquiatra fosse examiná-lo. O médico me disse que ele a perturbação que ele tinha, era perturbação da situação é dada a situação que se encontra, se for retirado agora, desse local, ele ainda pode salvar-se, pode readquirir o seu juízo perfeito, mas se ele continuar pode se agravar e ai é irremediável a loucura e foi o que aconteceu, quando eu o tirei ele estava inteiramente perturbado.

Com a anistia concedida por Getúlio Vargas, em 19 de abril de 1945, próximo ao término da Segunda Grande Guerra Mundial, Luís Carlos Prestes, depois de cumprir nove anos de prisão, é anistiado com os demais presos políticos.

Já em liberdade, Prestes dá uma entrevista coletiva à Imprensa, pregando a União Nacional com Getúlio e também a "Constituinte com Getúlio".

Uma semana após, mais precisamente, em 28 de abril, Sobral Pinto escreve a Luís Carlos Prestes: “... o respeito que lhe devo, a amizade que nos une, a magnitude do assunto, e os altos interesses do Brasil não me permitem guardar silêncio em face da sua atitude, corporificada nessa entrevista de ontem. Julgo-me, assim, no dever indeclinável de lhe expor, com franqueza e sinceridade o que eu penso da sua atitude de agora, não só no que diz respeito ao seu futuro, mas, também, no que se refere ao futuro da vossa Pátria.

Quero fixar, de inicio, a posição dramática em que me encontro. Sou seu advogado ex-officio, até ontem, vivemos juntos e solidários oito longos anos de sofrimentos, inquietações e incertezas permanentes, animados sempre, todavia, pela certeza da vitória final contra a prepotência sombria e brutal da ditadura do Sr. Getúlio Vargas, que oprimia, com desrespeito às prerrogativas de homem, a dignidade do próprio cidadão brasileiro. Nada valho, nada sou, modesto obreiro do Direito, minha vida se vem processando em lutas cotidianas, ásperas e bravias, em prol do reinado da Justiça. A nada aspiro, senão lutar pela liberdade, efetiva e real, no seio de nossa Pátria. Eis porque, magoado e triste li sua entrevista. Ora, capitão Luís Carlos Prestes, para que possamos chegar ao Brasil ao entendimento dessa natureza, é indispensável que nós não nos aproximemos do Sr. Getúlio Vargas.”.

Nas eleições de dois de dezembro de 1945, Prestes se elege senador pelo Distrito Federal, antiga capital da República, como se chamava a cidade do Rio de Janeiro.

Eleito para o mandato de cinco anos, como senador, Prestes só cumpriu dezoito meses. Vivíamos o governo do General Eurico Gaspar Dutra, um governo arbitrário na acepção da palavra, para ele não havia Constituição. Ele agia como um subalterno do governo americano, fiel cumpridor de todas as suas ordens: Intervir nas entidades sindicais de esquerda; prender, espancar e processar seus dirigentes; proibir comícios do Partido Comunista, empastelar seus jornais, cassar o registro do Partido Comunista e os mandatos dos seus parlamentares. “Prestes levou meses sem aparecer no senado, mesmo sem ter sido cassado”, me diz Sobral Pinto.

O senador Bernardes Filho avisou ao Dr. Sobral que a política estava esperando Prestes no Senado para prendê-lo, Dr. Sobral de imediato comunicou o Prestes, através do Capitão Rolemberg. Uma certa tarde, Prestes chega ao senado, faz um discurso de alguns minutos e foi embora.

Quis saber por que o Dr. Sobral nunca se candidatou a cargo eletivo, ao que ele respondeu-me: “Eu poderia ter-me feito deputado tranquilamente pelo Rio de Janeiro ou por Minas Gerais. Eu tive a oportunidade de ser senador em condições excepcionalíssimas. Em 1947 fez-se a eleição do 3º senador. Lembre-se que a Constituição de 1946 criou só dois senadores, mas no curso de 46 resolveram fazer o terceiro. Então, nessa ocasião três partidos no Rio de Janeiro reuniram-se e me ofereceram a senatoria, dispensando-me dos seus respectivos programas. Foi anunciado isso nos jornais. Nessa época o Partido Comunista era legal. Prestes era senador aqui pelo Rio de Janeiro. O Prestes mandou me convidar através de um grande amigo dele e meu, o comunista Rolemberg (oficial do Exército que foi expulso do Exército e voltou pela anistia 16 anos depois). Ele vinha toda semana aqui no meu escritório. Ele veio me consultar se na realidade eu era candidato, porque se fosse o Partido Comunista votaria fechado comigo. Logo que eu vi as noticias nos jornais, comuniquei imediatamente aos três partidos que eu não aceitava, e não aceitava por isso: porque eu não confiava nos partidos, eis a razão porque eu nunca fui nem senador nem deputado.”.

Tanto na ditadura de 1937, como na de 1964, Sobral Pinto foi preso. A primeira na Casa de Detenção, quando o tenente Canepa, seu temível diretor, tentou agredi-lo, chamando-o de mentiroso. "Mentiroso é você", respondeu-lhe o corajoso Sobral.

De outra feita, revoltado com a agressão covarde cometida por meia dúzia de policiais, diante do comandante da polícia especial, coronel Euzébio Queiroz, contra Prestes, Sobral Pinto sai em sua defesa.

O coronel Euzébio Queiroz, era um homem forte e violento, partiu para cima do Sobral Pinto, que era franzino, agarrando-o e rodopiando seu corpo, Sobral agarrou-se ao pescoço do coronel, para não ser arremessado ao chão.

Recordei, certo dia, em casa do Prestes, esse episódio covarde e violento, quando ressaltou Prestes a coragem de Sobral Pinto: "Nesse momento, também, sobrou para ele".

Em 18 de dezembro de 1968, Costa e Silva assina o Ato Institucional nº 5.  Sobral Pinto encontrava-se em Goiânia, para onde fora paraninfar a turma da Faculdade de Direito da Universidade de Goiás.

Geraldo, Goiânia é muito quente. Eu estava de chinelo, sem meias, de manga de camisa, bateram à porta, era um emissário de um importante político de Goiás, que colocava à minha disposição, com total segurança, um carro completamente equipado, com um motorista que conhecia minuciosamente toda a região, inclusive com condições de levar-me para o exterior, pois eu seria preso à tardinha, o que seria uma vergonha para o Estado de Goiás.”

Sobral Pinto agradece o zelo, pela sua pessoa, mas não aceita. Declara para o mensageiro: “Devo dizer que dos 70 bacharelandos, até o momento em que a comissão foi ao Rio de Janeiro, comissão constituída de três bacharelandos, para me dizer que tinham me eleito paraninfo da turma, eu não conhecia o nome de nenhum só desses bacharelandos, nem sabia quem eram. Evidentemente, essas pessoas me convidaram pelo meu passado que não é de covardia, nem de medo, então, nessa hora eu vou dar a esses rapazes uma demonstração de medo e covardia? Em hipótese alguma!”.

“Agradeço muito o seu interesse e do seu amigo, mas, eu fico aqui. Eu apenas não acato a ordem de prisão que querem me dar.”

E realmente, mais tarde o previsto aconteceu.  “Um militar bateu à porta e me disse o seguinte: ‘O presidente da República, Marechal Costa e Silva, mandou ao senhor uma ordem por meu intermédio, para o senhor me acompanhar. ’ ‘Ordens ilegais como essa, eu não as obedeço’, respondi. Então, ele me disse: ‘Nós temos que quebrar o senhor’. ‘Então quebre! Pouco me interessa. Eu não vou absolutamente. Com os meus passos não vou. ’ Eles tiveram que me arrastar, e me jogaram no camburão.”

Levaram-no para o quartel do Exército, em Goiânia e depois para Brasília, onde ficou preso durante três dias.

Sobral Pinto protesta, em carta enviada ao presidente Costa e Silva: "... através do referido Ato, V.Exa. instituiu em nossa Pátria a Ditadura Militar. Sou, Senhor presidente uma das vítimas do Ato Institucional n.º 5. A Polícia Federal de Goiás, invocando o nome de V.Exa. deu-me voz de prisão, ordem que não acatei, declarando que nem V.Exa., nem ninguém, nesse País, é dono da minha pessoa e da minha liberdade. Nada fizera para esta perder.

Recusava altivamente acatar ordem tão absurda e tão ilegal. Mal pronunciei essas palavras, quatro homens de compleição gigantesca lançaram-se sobre mim, como vespas sobre a carniça, imobilizando-me os braços e apertando-me o ventre pelas costas. Em seguida, empurraram-me, como autômato, do quarto ao elevador, onde me empurraram. Deste até o carro, que se encontrava à porta do hotel, fizeram idêntica manobra. Colocado no carro de mangas de camisa, como me encontrava no quarto, conduziram-me a um batalhão, que fica nos arredores de Goiânia. Neste permaneci uma hora mais ou menos. Depois de um atrito com o Comandante da Unidade, que tentou desrespeitar-me, sendo levado ao Quartel da Polícia do Exército, em Brasília, onde fiquei três dias, respeitado pela oficialidade, desde o coronel comandante até o mais modesto dos tenentes.”.

Advogado criminalista, professor universitário, Sobral Pinto não cobrava honorários dos políticos, nem dos pobres, que era a sua grande clientela. “Cobrava de quem?” perguntou-se certa vez Mestre Evandro Lins e Silva.

Com uma tipoia no braço, o advogado Sobral Pinto caminha com Geraldo Pereira pelas ruas do Centro da Cidade do Rio de Janeiro. Arquivo: GP
Na década de 40, para adquirir a carne verde (como se chamava a carne de boi, na época), só no câmbio negro. O chefão do câmbio negro, na cidade de São Paulo, estava com a polícia no seu encalço. Ele é aconselhado a procurar um grande advogado para defendê-lo. O indicado era o famoso advogado carioca Sobral Pinto. Segue para o Rio de Janeiro e procura Sobral Pinto, cujo escritório ficava na Rua da Assembleia e tinha como vizinho de sala outro grande advogado: Evandro Lins e Silva que, tomando conhecimento do caso, disse para o Sobral: “Esse fulano tem muito dinheiro, na hora de cobrar os honorários quem acerta sou eu.” Sobral Pinto concordou, mas pediu ao Evandro que não cobrasse muito.

Essa história quem me contou, rindo muito, foi o saudoso Evandro Lins e Silva.

Sempre que visitava o doutor Sobral, conversávamos longamente, sobre os mais diversos assuntos. Lembro que numa dessas vezes, o encontrei muito preocupado: “Dr. Sobral, se precisar de mim, disponha. Estou vendo que o senhor está muito preocupado.”. Era fim de mês. Ele me respondeu: “Tenho que pagar minha secretária, dona Marlene, telefone, luz...” Digo-lhe, estou indo para São Paulo, se o senhor me autorizar, falarei com Caio Graco, filho de Caio Prado, editor da Brasiliense, muito meu amigo, que pode tirar uma nova edição dos seus livros ‘Lições de Liberdade’ e “Porque defendo os comunistas”, eles estão esgotados. Dr. Sobral concorda.

Em São Paulo, falei com Caio que ficou contentíssimo. Ele na hora telefonou para a Editora Comunicação, de Belo Horizonte e foi  informado que havia uma ponta de estoque de 800 exemplares de um título e 700 do outro, o que impossibilitava que a Brasiliense editasse os referidos livros.
Com o apoio de Luís Tenório e Afonso Delelis, meus amigos, Delelis  era assessor para assuntos sindicais do governador Montoro, chego à presença do governador e lembro-lhe do Congresso da Democracia Cristã, realizado no Uruguai, em 1946, cujos representantes do Brasil seriam Sobral Pinto e Alceu Amoroso Lima, as maiores expressões do catolicismo brasileiro. Sobral telefona para o Alceu e diz: “Alceu, tem em São Paulo um jovem de muito futuro, ele vai com você no meu lugar.”

Esse jovem era André Franco Montoro.

Expus as dificuldades em editar o livro. De imediato ele se prontificou a adquirir todos os exemplares para distribuí-los nas escolas do Estado. Sai dali muito satisfeito. À tardinha já estava no escritório do mestre Sobral Pinto. Dou-lhe a notícia. Ele me encara e com uma impostação de voz, até então, desconhecida por mim, diz: “Montoro não pode gastar o dinheiro do Estado, comprando os meus livros. Não aceito. Você não está autorizado a falar mais nesse assunto, se quiser ser meu amigo.” Não disse mais nada.

Certa tarde, em seu escritório, num longo bate papo, dizia-me que o seu sonho era ser Ministro do Supremo. De imediato lhe respondi: “Dr. Sobral, esse sonho não se tornou realidade porque o senhor. não quis. Não é verdade?”.

Recordemos um pouco a história: Juscelino havia ganho a eleição, em 1955, e as forças mais retrogradas do país queriam impedir a sua posse. Sobral Pinto, com o seu saber e acima de tudo, com a sua reconhecida força moral, o que lhe conferia a mais alta respeitabilidade pública da Nação, saiu em defesa do Juscelino. Foi a ‘pá de cal’, no sonho dos golpistas da UDN.

Ao tomar posse, Juscelino convida Sobral Pinto para ser Ministro do Supremo Tribunal Federal. O velho Sobral, com aquela dignidade que era o seu maior patrimônio, não aceita o convite. Fixando-me bem nos olhos, disse: “Iriam dizer que eu defendi a posse dele para ser ministro. Não! Não podia aceitar.”

Geraldo: Dr. Sobral, para ser um bom advogado é suficiente só estudar o Direito?

Ele respondeu-me: “Não. É preciso ter um temperamento próprio para a profissão, pois a profissão requer luta, a profissão requer trabalho, a profissão requer coragem, a profissão requer esperança, a profissão requer um ideal pela aplicação justa e razoável do Direito. Não basta, portanto, conhecer as leis e interpreta-las. São indispensável todas essas qualidades que eu acabei de enumerar. Um grande advogado não se faz sem esses elementos que eu acabo de apontar. Não é só a razão, não é só a inteligência, não é só a cultura que faz um grande advogado: é também o seu temperamento, é também a sua convicção de que a profissão exige muito esforço, muita coragem, e muita disposição para a luta.”

Geraldo: E com essa idade o senhor ainda precisa trabalhar?

Sobral:“Eu preciso trabalhar porque não tenho rendas. Eu trabalho por necessidade. É claro, é evidente que também por gosto. Eu gosto de trabalhar, eu acho que o trabalho completa o homem. Nosso Senhor quando criou o homem mandou que ele trabalhasse. Então, eu acho que o trabalho é elemento fundamental da existência de todo e qualquer homem, mas, além dessa circunstância eu trabalho porque preciso da renda do escritório, pois não tenho outra para manter e à minha família. Eu trabalho, também, por entender que enquanto tiver saúde, essa saúde que Deus me deu, é minha obrigação trabalhar.”

Geraldo:Dr. Sobral, onde é que o senhor encontra tanta vitalidade?

Sobral: “Geraldo, você pergunte isso a Deus. Eu jamais fiz qualquer coisa para manter a vitalidade que consigo até essa idade. Nunca fiz dieta, nunca fiz regime, nunca tive preocupação em ter um horário permanente em cada dia; a minha vida é inimiga de horários. Eu só tenho duas horas certas: é a hora de me deitar e a hora de me levantar. A hora de me deitar raramente é antes da meia noite; e a hora de me levantar é raramente depois das 6 horas da manhã, as únicas coisas que tenho feito com constância. O mais não é absolutamente resultado de esforço ou de preocupação minha, é única e exclusivamente generosidade e bondade de Deus. Aquilo que sou, aquilo que tenho sido, decorre única e exclusivamente da minha fé em Deus, da minha fé em Jesus Cristo e da minha fé na Igreja como depositária das verdades eternas pregadas por Deus.”

Geraldo: O senhor continua indo as missas aos sábados?

Dr. Sobral: Vou todos os sábados e no domingo eu ouço na televisão.

Geraldo: Seus filhos são católicos.

Dr. Sobral: São Católicos, alguns relaxados, mas, são católicos.




***




UMA HOMENAGEM MAIS DO QUE MERECIDA!

GERALDO PEREIRA -

Dois amigos: Wellington Cantal e Geraldo Pereira.
Se a homens que pela sua coragem pessoal, seu profundo amor a sua Pátria e a seu povo, e acima de tudo pela doação do seu saber, da sua inteligência, sempre colocados em prática na defesa dos mais humildes e necessitados – Wellington Cantal é um desses.

Não fui às justas e merecidas homenagens, que em boa hora a Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado de São Paulo, a pouco lhe prestou. Chovia torrencialmente na capital paulista, antes do aguaceiro nos falamos por telefone.

Desnecessário dizer quanto m orgulho em ser seu amigo, seu irmão, seu camarada, nesse mundo desprovido desses belos sentimentos humanos, tão constantes na vida do Cantal.

Para o livro que a muito deveria ter sido editado, sobre a tortura no Brasil, corri parte do nosso país, colhendo depoimentos de bravos (e bravas) lutadores que com rara coragem souberam enfrentar o Golpe Militar de 31 de Março de 64, golpe militar que cometeu todas as arbitrariedades possíveis e imagináveis, invadindo lares a qualquer hora, prendendo, espancando,torturando e assassinando suas vitimas, Cantal foi uma delas.

Recorri ao ‘Baú da Resistência’, é assim que chamo o local onde guardo os depoimentos desses admiráveis seres humanos. Confesso aos leitores da TRIBUNA DA IMPRENSA ONLINE que se constituiu, também, numa tortura para esse jornalista, ouvir essas pessoas. Tenho as filmagens com todas, acredito que possamos publicá-las e presenteá-los em breve, que poderão ouvir e ver o depoimento filmado, em vez de apenas ler o texto.

É uma contribuição nossa para que nunca mais sobre os céus da Pátria brasileira, tal infâmia se repita. (GP)

Wellington Cantal – A convicção de um guerreiro!

Wellington Cantal e Cida Cantal são pessoas simpaticíssimas. Ele cearense, da cidade de Caucaia, antiga Sore, ela paulistana.

Ambos são advogados, ambos são idealistas, ambos têm a mesma visão dos problemas da nossa Pátria e plena consciência de que é preciso coragem e determinação para resolvê-los.

Sou amigo e admirador do Cantal e da Cida, conheço pedaços da provação que ambos passaram por serem idealistas, portadores de nobres sentimentos humanos, usando sempre o seu saber, na defesa dos mais humildes e necessitados. Nesse mundo que vivemos desprovidos desses nobres sentimentos, reflexo da atuação da mídia irresponsável e sem compromissos com o social, propagando nas 24 horas do dia a violência, o sexo e a droga; faturando cada vez mais com essas matérias safadas numa eterna lavagem cerebral, no nosso pobre e sofrido povo.

Cantal fazia Direito em Fortaleza, rapaz estudioso não perdia os eventos culturais da cidade, logo não poderia deixar de comparecer à Conferência, que o famoso jurista, Miguel Reali, proferiu sobre A Teoria Tridimensional do Direito, tendo, no decorrer da mesma, feito algumas perguntas ao conferencista.

Após a conferência, na saída, o professor Joaquim Pimenta se aproximou e disse-lhe: “Jovem, você tem futuro, vá para o Rio de Janeiro”. Cantal respondeu-lhe: “Professor sou pobre, não tenho dinheiro, como é que eu faço?” “Vá, me procure”.

Deu-lhe o endereço de sua residência no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Isso foi em 1957. Joaquim Pimenta se encontrava em Fortaleza a fim de proferir uma conferência, comemorando o centenário de Clóvis Bevilácquia.

O professor Joaquim Pimenta, lecionava na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, era catedrático do Direito do Trabalho.

Foi um dos pais da Lei Sindical, datada de 1931, da Lei de 2/3, essa lei defendia o trabalhador brasileiro, obrigando as empresas estrangeiras instaladas no Brasil, a contratar 2/3 deles, e, também da Lei que presenteou o nosso trabalhador, com a sua Carteira Profissional, da Lei de Convenções Coletivas de Trabalho, de 1932, conforme afirma Mestre Arnaldo Sussekind, de quem foi professor, em depoimento, na sua riquíssima biografia, organizada por seis mãos femininas, Ângela Castro Gomes, Eliana da Fonte Peçanha e Regina de Moraes Morel, intitulada ARNALDO SUSSEKIND – Um Construtor do Direito do Trabalho.

A transferência de Cantal, da Faculdade de Fortaleza para a Faculdade do Rio de Janeiro - coisa inimaginável na época – foi obtida rapidamente, com o apoio do professor Joaquim Pimenta.

Filho de pais pobres, a luta de Cantal pela sobrevivência, no Rio de Janeiro, não lhe foi fácil, nada fácil. Vendedor de publicidade, de máquinas de datilografia, enfim, já estava matriculado, na Faculdade Federal, na capital da República, estudando. Uma vitória! Tinha como professores nomes ilustres como o de Joaquim Pimenta, Roberto Lira, Célio Boja, Hélio Gomes e outros. “A Faculdade do Catete era o esteio dos grandes mestres, ela pagava aos professores mais do que as outras, então todos os professores queriam ser professores lá”, afirma Cantal.

Na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, visitava os sindicatos tentando vender as máquinas de datilografia. “Já estava no 4º ano quando conheci um grupo de advogados que trabalha para os sindicatos, Everaldo, Martins, José Geraldo Martins, José Maria, esses foram os meus primeiros mestres na advocacia trabalhista, eu fazia as audiências, aprendendo o 'beabá', dai passei a estudar mais o Direito do Trabalho, fiz outros cursos.

Forma-se em 1962, reside no Rio, instala seu escritório na Av. Presidente Kennedy, no centro de Caxias. A defesa dos trabalhadores e dos posseiros o empolga, seu escritório é movimentadissimo, são oito sindicatos de trabalhadores que recebem os seus serviços profissionais. Participa ativamente de atividades culturais e políticas, sem falar na defesa dos posseiros, na luta constante contra os grileiros, que forjavam títulos de propriedade nos cartórios, falsificavam documentos e expulsavam as famílias, famílias de posseiros que já estavam na terceira geração de posse daquelas terras, cultivando-as!

“Os grileiros eram militares, ou filhos de militares, eu era conhecido como advogado da CGT – Central Geral dos Trabalhadores. Quando eu entrava para conversar com o juiz, ele achava que eu atuava para subverter a ordem”.

O pai de um capitão que forjou esse título de propriedade, com um monte de jagunço, passou a expulsar os posseiros.

Eu entrei com uma Ação de Manutenção de Posse. Consegui uma liminar e para fazer cumprir essa liminar foi uma batalha tremenda. O Oficial de Justiça não queria ir. O Delegado de Polícia também não. A liminar precisava ser cumprida. Encontramos uma fórmula: Tinha um delegado de polícia, ele era amigo do Secretário da Segurança Pública, esse delegado era um homem sério, chamava-se Hélio Estrela. Daí, eu conseguir sustar a saída dos posseiros que estavam sendo expulsos por militares. O capitão do Exército, filho desse grileiro foi o que me prendeu em Caxias, o delegado Hélio Estrela, depois, com a Ditadura Militar, foi torturadissimo pelos seus colegas.

Cantal estava no Fórum, em Duque de Caxias, onde presidia a OAB da região, quando uma patrulha do Exército, comandada pelo Capitão Ronald Carvalho, filho do grileiro, o prende e o leva para a Vila Militar.  Lá, é interrogado, logo que chegou.

Com a convicção própria de um homem de bem, de um socialista, nega-se sistematicamente a denunciar seus colegas, companheiros e amigos. O capitão chefe do interrogatório manda levá-lo para cela, isso foi na tarde de sua prisão. Na madrugada trazem-no de volta, a frente do grupo está o filho do grileiro, capitão.

Ronald de Carvalho, que o prendeu. Fixando-me nos olhos, tomado de forte emoção e revolta, com a voz embargada, Cantal lembra-se dos sofrimentos que passou nas mãos desta 'besta-fera' fardada de capitão do Exército brasileiro. “Ele é uma figura que eu não posso esquecer. Torturava com muita frieza. Eu negava que era comunista. Essa confissão era o caminho para entregar outras pessoas, era o primeiro passo. Você confessa que é comunista. 'Mas que organização? ' “Quem eram os membros dessa organização?”

Acabado o interrogatório volta para cela. “De madrugada foram-me buscar. Já fui direto para o pau de arara. Isso era comandado pelo capitão Ronald de Carvalho, um sargento e mais 3 ou 4 soldados. Quando era necessária uma tortura mais sofisticada eles traziam uma equipe da Polícia Civil. Esse pessoal era mais sofisticado na tortura. Eles colocavam o sujeito pendurado, com os pés para cima, amarrados numa viga de ferro, tirava a roupa, enfiava um cassetete no seu anus, eu sai de lá com vários problemas: muito depauperado, magro, com problemas na coluna vertebral, com algumas vértebras quebradas, com essa cicatriz na testa, um tímpano estragado, escuto menos, quase nada, tudo isso sob o comando do Capitão Ronald de Carvalho, que eu vim encontrar depois, depois, muito tempo depois, na minha segunda prisão, aqui em São Paulo.

O meu advogado aqui em São Paulo, foi o Iberê Bandeira de Melo, no Rio o Modesto Silveira. O Iberê me disse: “Cantal, tem um juiz auditor, aqui na auditoria militar, ele quer te ver, chamava-se Nélson, foi seu colega na faculdade.”

“Nós chamávamos ele de Nelsinho, na faculdade. Não me opus. Marcamos. Cheguei com Iberê, o Nélson vem com sua beca de juiz, sentou, estendeu a mão, cumprimentei, ele não falou praticamente nada. Eu estava abatido, ele sabia que eu tinha sido torturado aqui no DOI-CODI. Esse encontro foi na auditoria militar, de repente eu olho para os componentes da mesa, e quem estava lá? O capitão Ronald de Carvalho, como auditor militar, um torturador, capitão há oito, quando da minha primeira prisão, virou coronel auditor militar, era tudo escolhido, era esse sujeito que ia me julgar.”

Pergunto ao Cantal qual seria sua reação se encontrasse o capitão Ronald de Carvalho, ele me responde: “Eu fui muito ajudado aqui em São Paulo por Dom Evaristo Arns, ele tinha uma áurea de Santo, ele passou para mim, alguma coisa espiritual, ele disse para eu não guardar muito ódio, nem rancor, nem mesmo pelos meus torturadores, porque são homens que certamente foram maus filhos, maus encaminhados na vida, porque quem vira torturador perdeu todo valor do ser humano. Se eu encontrasse o meu torturador eu perguntaria: Capitão, o senhor lembra-se daqueles episódios, daquelas torturas, valeu a pena para o senhor? O que é que o senhor lucrou? Eu lucrei mais amadurecimento, mais sabedoria diante da vida. E o senhor? Sua família como é que está hoje? Estão bem. Os seus filhos, soube educá-los?”

“A gente não muda nada com ódio e rancor!”

Cantal, após as torturas no pau de arara, porradas, cassetetes no anus, durante horas e horas, você já sai da sala de tortura estragado e volta para a cela, era madrugada, os companheiros de cela, esboçaram alguma reação?

Ele responde-me: “Geraldo, eu estava numa solitária, para sair da solitária a OAB lutou muito, pois eu tinha direito a uma cela especial como portador de curso universitário. A Auditoria mandou que eu fosse transferido para uma cela especial. O que eles fizeram? Eles pegaram uma cela isolada, fecharam toda ela com material escuro, não entrava uma réstia de luz, me puseram isolado e disseram: “Tai, estamos cumprindo as ordens da Auditoria, essa é sua cela especial”.

“Um colchão no chão e um buraco, pelo qual eu recebia comida. Fiquei um ano sem receber visitas, fiquei um ano sem tomar um banho de sol, passei, sem ler nada, sem falar com ninguém, um ano e pouco preso, na Vila Militar, no REI – Regimento Escola de Infantaria. No dia 13 de dezembro de 1968, foi baixado o Ato Institucional número 5. Foi o dia da maior tortura, eles gritavam: “Pronto! Acabou! A lei somos nós! Foi uma tortura terrível Geraldo, tortura de toda natureza, tudo o que não se pode imaginar".

Um dia, depois que fui para outra cela, um soldado deixou cair um pedaço de jornal, menos da metade de uma folha. Eu li e reli aquilo mil vezes, de outra feita um 'cabo', com dois soldados iam me levar comida diariamente, abriam a porta e me entregavam a comida. Esse cabo esperou que os saldados dessem alguns passos e deixou cair um livro. Era as poesias de Ho Chi Min, o libertador do Vietnã. Levei muito tempo para me lembrar, ou saber porque aquele rapaz fez aquilo! Lembrei-me, ele havia sido meu aluno.

“Como não tinham mais motivo para me torturar, me enviaram para o Regimento Caetano de Faria, da Polícia Militar. Um dia mandaram me buscar, eu pensei que ia começar tudo de novo. Aí me fizeram uma acareação com Arueira, esse elemento era do meio sindical, pertencia ao Partido Comunista, depois passou a ser informante deles, ficou conhecido como informante da polícia, ele dizia que eu era do Partido Comunista. Eu neguei na cara dele.”

“Passei seis meses no Regimento Caetano de Faria, só quando foi descoberto por um promotor, o meu advogado Modesto Silveira entrou com um Habeas Corpus e eu fui libertado. Vou para a clandestinidade, eu sabia que eles iam me buscar de novo, o capitão Ronald de Carvalho não se conformava que eu não tivesse falado nada. Isso é uma derrota para o torturador. Isso é uma derrota para o torturador, a maior vingança do torturado é não dar o que o torturador quer!”

“Eu estava fragilizado, não dormia há muito tempo. Os companheiros me mandaram para um clinica, para fazer terapia. O Dr. Saad, médico, membro do Comitê Central do PCB é que me aplicou a sonoterapia, dormi 15 dias”.

A repressão o procura. Alguns companheiros seus já desapareceram nas câmaras da tortura. É preciso tomar todas as precauções. De posse de documentação falsa, Cantal consegue embarcar, no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, seu destino é Paris. Após alguns dias em Paris, segue para Moscou.

“A solidariedade dos companheiros soviéticos foi excepcional. Passei 6 meses no Hospital Central de Moscou. Passei por duas operações”, diz-me Cantal.

Seis meses internado no hospital, duas operações para se recuperar das torturas que lhe foram praticadas, mais de um ano no REI, na Vila Militar, do Rio de Janeiro. Quanto nos entristece saber que as dependências das nossas gloriosas Forças Armadas, Forças Armadas que durante a Segunda Grande Guerra Mundial, comandada pelo saudoso General João Batista Mascarenhas de Moraes, escreveram as suas mais belas páginas, nos campos de batalha da Europa, lutando pela liberdade e combatendo, com rara coragem, o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini. E pensar que os quartéis das Forças Armadas serviam de câmaras de torturas e abrigavam verdadeiros monstros, monstros que prendiam, espancavam e assassinavam covardemente as suas vítimas completamente indefesas. Rubens Paiva, Wladimir Herzog, David Capistrano, Luiz Maranhão, João Massena, são algumas delas. Conheci todas. Quanto isso nos mutila!

Quando deixa o hospital em Moscou, após um período de total recuperação, vai estudar. “Passei cinco anos na União Soviética, fiz doutorado. Eu era um rato de biblioteca, estudava horas, horas e horas. No Brasil se estuda pouco, os que gostam de estudar não têm recursos!”

Cantal encontrou muitos brasileiros em Moscou? Ele responde: “Muitos brasileiros, sul americanos, europeus, eu convivi muito com o pessoal que estava na guerra do Vietnã; companheiros mutilados, sem pernas, pessoal do Laus, pessoal da Guiné, dos Africanos. Do pessoal brasileiro, eu convivi muito, é uma memória saudosa que eu tenho de Gregório Bezerra, um grande líder comunista, tive um convívio muito rico com Gregório, inclusive ajudei-o a datilografar uma parte das suas memórias, quem também trabalhou as memórias do Gregório foi o Ferreira Goulart, ele fazia uma parte eu fazia outra. Convivi com esse pessoal todo. Convivi com o Prestes, a família do Prestes eu fui apanhar no aeroporto. Lá vinha Maria Prestes, com aquela penca de filhos, se eu não me engano eram 7.

“Eu tinha escritório na Senador Feijó, ao lado da Igreja, na Praça da Sé, nosso escritório era no 6º andar, as badaladas dos sinos, as 12 e às 18 horas, não dava 15 metros da minha mesa, eu achava lindo, assisti aqueles sinos badalarem.”

“Eu estava jurado de morte pelo CCC – Comando de Caça aos Comunistas, nós vivíamos numa corda bamba, eu estava no saguão, próximo ao elevador, quando eles invadiram com estrema violência, eu resisti à prisão. Foi o que salvou a minha vida, ter resistido, porque nesse período todo, eles prenderam vários companheiros que desapareceram.”

Meus colegas atravessaram a rua do outro lado estava a OAB, aí requereram Habeas Corpus, e aí legalizaram minha prisão. Quando cheguei no DOI-CODI, o comandante quando viu o meu estado, gritou: “Vocês são uns incompetentes, esse homem era para chegar sem ninguém, saber.” Porque as equipes de 'resgate' agiam de acordo com a pessoa que iriam prender, mas, no meu caso como houve resistência, 7 pessoas do prédio foram para o hospital, sem ter nada a ver com isso, todas quebradas também. Quando eu fui libertado, e voltei ao prédio, uma moça que lá trabalhava me disse: “Eu fui para o hospital, mas eu me vinguei, tá vendo estas unhas aqui, feri a cara de um deles de cima em baixo.”

“Essa reação foi que me salvou a vida, essa reação muitos companheiros passaram a praticá-la. Antes e Marighela e Apolônio Carvalho já haviam resistido.”

Porradas, pau de arara, cadeira do dragão, lembro-me que o líder sindical Antônio Aparecido Flores, meu saudoso amigo, que também como você foi barbaramente torturado, falava-me da tortura com os dois pés em cima de duas latas de óleo, se caísse era espancado por dois torturadores. Você que passou por tantas torturas, também passou por essa?

“Quando eu estava no DOPS, quando houve a Revolução Cravos, em Portugal, eu encontrei de passagem com Flores e o Afonso Deleles e outros dirigentes sindicais que estavam presos. Na minha cela, a cela dos intelectuais tinha alguns professores da USP, presos porque estavam lendo o 'Capital, de Karl Marx”.

“Esse tipo de tortura, foi ensinado pelos torturadores americanos, que vieram em 1972 ou 1974, dar curso em nosso País. Ensinaram alguns métodos a mais, esse, por exemplo, passou a ser muito difundido. Tinha outro: Deixar o cidadão de pé, com os braços erguidos no alto, amarrados numa viga de ferro, isolado do chão, fizeram isso com Neusa, na frente do marido, para variar colocaram ela de ponta cabeça, com os pés amarrados e pendurados numa barra de ferro.”

“Outra tortura, o cidadão fica de pé, com as mãos amarradas, dia e noite, se cair eles batem, batem, batem. Foi o que aconteceu comigo. Houve um momento que eu desmaiei. Levaram-me para o hospital, senão eu teria morrido, porque eu tive uma parada cardíaca”.

Pergunto ao Cantal, quanto tempo ele passou de pé, com as mãos amarradas, erguidas por cima da cabeça? Ele pensa por um certo tempo e responde: “Umas 48 horas seguidas é muito tempo, muito tempo, encapuzado. É uma questão do instinto humano, para não levar pancada. Resistir!

Mais uma pergunta: Como funciona a cabeça da vítima, após receber tanta violência?

“As primeiras horas, você fica muito oscilante entre o desespero e uma tentativa de encontrar o seu ponto de equilíbrio emocional. Para isso você tem que pensar!”

Pensar, refletir e lutar deveria se constituir numa tarefa prioritária da Nação. Não podemos, não queremos que o arbítrio se instale nunca mais sob os céus da nossa Pátria! Que a tortura, os assassinatos cometidos, dentro ou fora da nossas Forças Armadas, nas nossas Forças Auxiliares e nos organismos de segurança civil, nunca mais se repitam.


***
POETAS E POESIAS DE ONTEM E HOJE

GERALDO PEREIRA -

Dinarco Reis foi um protagonista atuante das lutas do nosso povo pela democracia, pela independência e pelo progresso no rumo do socialismo.
Conheci Dinarco Reis há muitos anos. Desde ontem, tento encontrar um livro de sua autoria me presenteado por ele com uma dedicatória fraterna. A letra tremida, escrita com certa dificuldade num intervalo de uma reunião dos homens que pensam o Brasil, aqui em São Paulo na década de oitenta.

Tinha por Dinarco assim como pelos seus companheiros do PCB, David Capistrano, Apolônio de Carvalho e outros que a memória não me ajuda no momento, grande admiração. Eles dedicaram as suas existências com rara coragem na defesa das boas causas, das boas causas não só da sua Pátria, na Espanha também para onde viajaram a fim de defender o governo popular. Estiveram também na França, combateram o nazismo de Hitler, defendendo a Democracia com armas nas mãos, quando os nazistas tomaram Paris, na Segunda Grande Guerra Mundial.

Dinarco era carioca de Vila Isabel, faleceu em 1988, aos 84 anos, no banheiro de sua residência após levar um tombo, sozinho.

No outro livro do Dinarco, “A Luta de Classes no Brasil e o PCB – Volume II”, encontram um belo poema seu, intitulado: “Com a Tua Ausência”, dedicado “À Lygia, por toda uma vida”.

Publicando este pedaço da sensibilidade de Dinarco, resgatamos um pouco a sua memória. Como deixar de presenteá-los aos leitores de POETAS E POESIAS DE ONTEM E HOJE, esse instante em que o grande revolucionário se encontra com a poesia.

Com a Tua Ausência
(Dinarco Reis)

Com a tua ausência como tudo é triste!
Tudo é sombrio, soluçante, mudo...
Em tudo a mórbida apatia existe;
Existe a mágoa torturante em tudo!

Com a tua ausência o sabiá não canta,
Nem voa a abelha no jardim brincando.
As flores gemem de saudades – Lygia!
E a lua passa pelo céu chorando...

Com a tua ausência que aflição, que horror!
Tudo fenece, morre e agoniza.
As brisas choram tua ausência, Flor!
E as flores pedem teu carinho, Brisa!

Tudo definha pela ausência tua.
Tudo soluça desde que partiste.
E a abelha, as flores, a brisa e a Lua.
Dizem: Desde que partiste, como tudo é triste!
À Lygia,
por toda uma vida



***

POETAS E POESIAS DE ONTEM E HOJE

GERALDO PEREIRA -

Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira foi um notável poeta brasileiro, conhecido por integrar o movimento modernista de 1922 com uma poesia que destacava a temática regional de sua terra.
Eu era adolescente, dava os primeiros passos, no salutar hábito da leitura. Corria os sebos do Recife a procura de alguns livros de Jorge Amado, Lima Barreto e Graciliano Ramos. Pechinchava no preço, qualquer desconto servia para pagar a passagem do bonde.

Ascenso Ferreira já estava consagrado como poeta, não só em Pernambuco, no Brasil todo. Figura conhecidíssima na cidade. Alto, corpulento, pesava uns 150 quilos, chapéu de abas enorme, só ele usava um chapéu daquele porte. Era cumprimentado por todas as pessoas, humildes ou não. Ouvi declamar diversas vezes, a sua produção poética: “Eu gostava muito quando ele declamava vou embora pra Catende com vontade de chegar”.

Após fixar-me definitivamente no Rio de Janeiro, sempre que voltava a terrinha, procurava me inteirar da vida cultural da Cidade, estava sempre perguntando pelo poeta. Alguém me informou: “a noitinha ele está sempre no restaurante Lero-lero”, na pracinha. Numa dessas idas vejo o poeta sentado no restaurante, contemplando o tempo, mesa limpa, cadê a cerveja? E o file mignon? Aproximei-me: “Ascenso meu poeta - vou embora para Catende com vontade de chegar”.

Puxei a cadeira, sentei-me. Poeta, podemos tomar uma cerveja antes do jantar, você é meu convidado. Ele se abriu, tomou fôlego impostou o vozeirão:

“A vida é uma promissória, Que tem Deus como avalista.

Venceu. Não há moratória.

O pagamento é a vista”.

Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira e Mário de Andrade na fazenda de Tarsila do Amaral em Santa Teresa do Alto, São Paulo, 1927.
Poema: "Oropa, França e Bahia" (Romance)
Autor: Ascenso Ferreira 

Para os 3 Manuéis:
Manuel Bandeira
Manuel de Souza Barros
Manuel Gomes Maranhão

Num sobradão arruinado, 
Tristonho, mal-assombrado, 

Que dava fundos prá terra. 

( "para ver marujos, 

Ttituliluliu! 

ao desembarcar").


...Morava Manuel Furtado, 

português apatacado, 

com Maria de Alencar!


Maria, era uma cafuza, 
cheia de grandes feitiços. 

Ah! os seus braços roliços! 

Ah! os seus peitos maciços! 

Faziam Manuel babar...


A vida de Manuel, 

que louco alguém o dizia, 

era vigiar das janelas 

toda noite e todo o dia, 

as naus que ao longe passavam, 

de "Oropa, França e Bahia"!


— Me dá uma nau daquelas, 
lhe suplicava Maria. 

— Estás idiota , Maria. 

Essas naus foram vintena 

Que eu herdei da minha tia! 

Por todo o ouro do mundo 

eu jamais a trocaria!


Dou-te tudo que quiseres: 
Dou-te xale de Tonquim! 

Dou-te uma saia bordada! 

Dou-te leques de marfim! 

Queijos da Serra Estrela, 

perfumes de benjoim...


Nada. 
A mulata só queria 

que seu Manuel lhe desse 

uma nauzinha daquelas, 

inda a mais pichititinha, 

prá ela ir ver essas terras 

"De Oropa, França e Bahia"...


— Ó Maria, hoje nós temos 
vinhos da quinta do Aguirre, 

uma queijadas de Sintra, 

só prá tu te distraire 

desse pensamento ruim... 

— Seu Manuel, isso é besteira! 

Eu prefiro macaxeira 

com galinha de oxinxim!


"Ó lua que alumias 
esse mundo de meu Deus, 

alumia a mim também 

que ando fora dos meus..." 

Cantava Seu Manuel 

espantando os males seus.


"Eu sou mulata dengosa, 
linda, faceira, mimosa, 

qual outras brancas não são"... 

Cantava forte Maria, 

pisando fubá de milho, 

lentamente no pilão...


Uma noite de luar, 

que estava mesmo taful, 

mais de 400 naus, 

surgiram vindas do Sul... 

— Ah! Seu Manuel, isso chega... 

Danou-se de escada abaixo, 

se atirou no mar azul.


— "Onde vais mulhé?" 

— Vou me daná no carrosé! 

— Tu não vais, mulhé, 

— mulhé, você não vai lá..."


Maria atirou-se n´água, 
Seu Manuel seguiu atrás... 

— Quero a mais pichititinha! 

— Raios te partam, Maria! 

Essas naus são meus tesouros, 

ganhou-as matando mouros 

o marido da minha tia ! 

Vêm dos confins do mundo... 

De "Oropa, França e Bahia"!


Nadavam de mar em fora... 
(Manuel atrás de Maria!) 

Passou-se uma hora, outra hora, 

e as naus nenhum atingia... 

Faz-se um silêncio nas águas, 

cadê Manuel e Maria?!


De madrugada, na praia, 
dois corpos o mar lambia... 

Seu Manuel era um "Boi Morto", 

Maria, uma "Cotovia"!


E as naus de Manuel Furtado, 
herança de sua tia?

— continuam mar em fora, 

navegando noite e dia... 

Caminham para "Pasárgada", 

para o reino da Poesia! 

Herdou-as Manuel Bandeira, 

que, ante a minha choradeira, 

me deu a menor que havia!


— As eternas naus do Sonho, 

de "Oropa, França e Bahia"...


***

POETAS E POESIAS DE ONTEM E HOJE

GERALDO PEREIRA -

Solano Trindade, nasceu no Recife (PE) em 24 de julho de 1908, foi poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo e cineasta. No ano de 1934 idealizou o I Congresso Afro-Brasileiro no RecifeFaleceu na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, no dia 19 de fevereiro de 1974.
Companheiro de gostosos papos poéticos e políticos, melhor ainda se fossem regados à cerveja bem gelada, e tira gosto de batatas fritas feita na hora, como ele gostava.

O sabor dos papos eram mais gostosos se tivessem como cenário o "11 da ABI", da ABI que trazíamos no coração. Ai daquele que falasse mal da Casa da Liberdade em nossa presença.

No "11 da ABI", ele costumava chegar antes de mim, e se por um motivo ou por outro não pudesse, ou estivesse muito atrasado, o saudoso Jorge Viana, funcionário exemplar da Casa e "dono do 11", me passava o recado.

Saudade, muitas saudades de Solano Trindade, meu grande amigo, grande poeta, grande copo.

Autêntico Poeta do Povo, morador de Caxias, e passageiro diário de seus trens.

TEM GENTE COM FOME (Solano Trindade)

Trem sujo da Leopoldina

correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome 
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

Há pouco no Recife, na capital do Frevo, no seu Quartel General, no bairro de São José, num boteco simples, meia dúzia de mesas, duas ou três do lado de fora, numa, uma escultura muito bem trabalhada, me chama a atenção.

Em cima de uma mesa, a estátua de corpo inteiro, lá está Solano Trindade, braço para o alto, sua Cidade natal não o esqueceu.

Comovido fiquei, a lembrança e a sensibilidade do Poder Público recifense, interpretando o sentimento popular dos seus habitantes, ergue, num simples boteco, um monumento em homenagem ao seu grande filho.

Saudades também dos memoráveis pileques no "11 da ABI". Quando se andava pelas ruas do Centro da Cidade Maravilhosa, altas horas da noite, absolutamente despreocupado.

Solano, inaugura esta sessão de 'POETAS E POESIAS DE ONTEM E HOJE', que a TRIBUNA DA IMPRENSA ONLINE presenteia aos seus leitores a partir de agora.

Um abraço para todos os internautas.

Boa Leitura!


POEMA AUTOBIOGRÁFICO (Solano Trindade)

“Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Para o angu das manhãs…
Portanto eu venho da massa,
Eu sou um trabalhador… 
Ouvi o ritmo das máquinas,
E o borbulhar das caldeiras…
Obedeci ao chamado das sirenes…
Morei num mucambo do “”Bode”",
E hoje moro num barraco na Saúde… 
Não mudei nada…”


CANTO DOS PALMARES (trechos)

“Ainda sou poeta
meu poema
levanta os meus irmãos.
Minhas amadas
se preparam para a luta,
os tambores
não são mais pacíficos
até as palmeiras
têm amor à liberdade”.


***

THEREZINHA ZERBINI – UM ADEUS MUITO SENTIDO

GERALDO PEREIRA -

Estamos mais pobres. Therezinha Zerbini agora é uma saudade. Pouco a pouco, vamos nos despedindo das nossas grandes referências. Como dói essas despedidas!

Prestes, Sobral Pinto, Barbosa Lima Sobrinho, Leonel Brizola, Eusébio Rocha, Osnir Duarte Pereira, Oscar Niemayer, Nelson Werneck Sodré, agora Therezinha!

Therezinha Zerbini e o Professor Geraldo Pereira. Arquivo pessoal.
Josefina me dá a triste notícia, recebida através de um telefonema do nosso estimado Wellington Cantal (outra grande figura humana), na manhã chuvosa do sábado 14/03/15, com um lembrete: “Diga ao Geraldo, que o velório vai até às 14 horas”.

Estou diante do corpo inerte de Therezinha, ela está serena. Vou relembrando a sua luta pela anistia, sua presença cheia de coragem nos movimentos em defesa das boas causas, encorajando a todos com o seu exemplo, sua doação, seu amor à liberdade, sua inabalável convicção de que mais dias, menos dias, o regime de força e do arbítrio, que desgraçadamente tomou conta do País, chegaria ao seu fim.

O regime que durante duas décadas cometeu todos os atos de violência, invadindo residências a qualquer hora do dia e da noite, prendendo, dando surra nas suas vítimas, torturando homens e mulheres de todas as idades, produzindo verdadeiros monstros, treinados e bem treinados, dentro e fora do País, para torturarem de todas as formas, inclusive com choques elétricos nos testículos e nas vaginas, daqueles ou daquelas que tiveram a infelicidade de caírem em suas mãos.

O regime e os monstros por ele fabricados também assassinavam as suas vítimas, conheci pessoalmente muitas delas, patriotas e pais de família exemplares. Como esquecer um Davi Capistrano, um Iran Pereira, um Luís Maranhão, um Vladimir Herzog?

Procuro nos meus artigos e nos meus alfarrábios fotos, gravações, vídeos, a fim de escrever para os nossos leitores uma matéria que lhe permita conhecer episódios da vida dessa brava mulher brasileira, que de nós se despediu, no dia 13/03/15, no hospital Samaritano, na capital paulista, onde há dias estava internada.

Certa vez, entrevistando Therezinha, em sua bela residência, no bairro do Pacaembu, perguntei-lhe a data do seu nascimento, tentei justificar “nunca se pergunta a uma mulher a data do seu nascimento. Mas, você é uma mulher do povo, culta, altamente politizada”, aparteou-me: “E que não é burra. Eu nasci no dia 16 de abril de 1928.” Digo-lhe você está com 81 anos, ela me responde: “81 anos bem vividos. Dei trabalho para muita gente, principalmente para a ditadura. Na quartelada, eles dançaram miudinho comigo. Porque eu me indignei, só não se indigna quem não tem vergonha, eu me indignei tanto, eu nunca tinha feito nada de política. Tem um poeta espanhol que diz: ‘Não há caminho, o caminho se faz ao caminhar’. E no caminhar eu fui aprendendo o pulo do gato, fui aprendendo a incomodar a pisar nos pés deles, eles pisavam tanto nos pés da gente”.

Quero saber de Therezinha qual foi o seu maior orgulho, ela prontamente me responde: “Foi o Movimento Feminino pela Anistia, praticamente ele foi um embrião de toda essa evolução das mulheres. Na verdade, na verdade quem deu chance para a mulher sobreviver, deu espaço foi Getúlio, quando ele deu o título de eleitor para a mulher, a fim de que ela pudesse fazer o concurso público, ela precisava ter o título de eleitor. Então as mulheres adentraram no serviço público, aí foi a sua libertação e ela começa a se sentir gente”.

Peço para Therezinha falar um pouco dela. “Eu nasci na Maternidade Paulista, onde minha mãe vinha do interior dar à Luz. Minha família é de São Manoel do Paraíso. Quando mocinha, meus dezessete anos, fui tuberculosa, eu peguei tuberculose na mocidade.”

Lembro à Therezinha que naquela época a tuberculose era uma doença seríssima, com poucas possibilidades de sobrevivência.

Ela me responde: “Não tinha remédio. Tomei pneumatorax, eu fui cobaia da estreptomicina, uma das primeiras injeções para a cura da tuberculose”.

Como nasceu a política em Terezinha Zerbini?

“Em 1945, eu estava internada no Sanatório Vicentino Aranha, em São José dos Campos, estava havendo um ato público, muitos fogos, muitas bandeiras, a direção do Sanatório permitiu que os doentes fossem para a cidade comemorar”.

Lembro a Therezinha, era a volta dos exilados e presos políticos com os cárceres abertos, após a redemocratização do País, os comícios voltaram às praças públicas, não é verdade?

Ela concorda e diz: “É verdade, eu fui muito sabida e fui junto”. Para mim foi uma surpresa, gente falando, aquele grito parado na garganta, todos soltando o berro. Eu fui achando e dizendo: “É isso mesmo, o povo tem que ir para as ruas, ‘a praça é do povo e o céu é do condor’, como dizia Castro Alves”.

Quando eu estava no Sanatório em São José dos Campos, próximo havia a Cia. Paulista dos Ferroviários, conheci um homem (Therezinha faz esforço para lembrar o seu nome), ele começou a me contar a história do Brasil: Getúlio, as leis trabalhistas, eu fui ouvindo, aprendi tudo muito depressa.


Therezinha, falemos um pouco sobre a ditadura militar. A cassação do seu esposo General Zerbini e da sua prisão, Therezinha chama seu esposo de general. “Quando o general foi cassado, ele ficou seis meses em casa, ele foi cassado em 09 de abril, na primeira lista. Graças a Deus, é como eu digo sempre, para orgulho meu e dos meus filhos, quando eu iniciei a luta pela Anistia, eles diziam que eu era maluca, que eu queria que as pessoas colocassem as cabeças de fora, para ditadura vir e pegar. Eles queriam fazer uma luta pela Anistia, clandestina. Anistia é um Instituto do Direito. Ela tem de ser feita à luz do sol. O mais difícil era convencer as pessoas, que lutar pela Anistia, era tão fácil, como ir aos campos colher uma flor. É um dever. Mas, muita gente morria de medo. Os valentes de hoje, estavam debaixo da cama. O Movimento da Anistia entrou no ABC, através do Benedito Marcilio e de Dom Claudio Hummes, política é um processo e a gente tem que ir construindo com uns tijolinhos”.

Tínhamos chegado de Campos do Jordão e estávamos jantando, o General, eu e minha filha, quando toca a campainha. Como eu atendo cão e gato, pode ser uma hora de necessidade, um precisa ajudar o outro; a Lídia que era uma empregada antiga, diz: “Dona Therezinha, tem aí, um Capitão Guimarães que quer falar com a senhora”. Diga a ele que entre, eu estou jantando, entraram e desceram essas escadas (aponta a escada para mim), como umas feras de metralhadoras nas mãos, o General estava na ponta da mesa, minha filha na outra. Eu os recebi e disse: ‘Capitão, o senhor, por favor, passe para a outra sala, nós estamos acabando de jantar, eu vou mandar passar um cafezinho para servir os senhores. Eu já os atendo. Eles ficaram tão desarmados, que começaram a esconder as metralhadoras. Não sabiam como fazer. Os torturadores, os bandidos, andavam em equipe.

Mais alguns minutos acabamos de jantar. Disse-me o capitão: “Eu vim convidar a dona Terezinha, para ir até a Operação Bandeirantes-OBAN”. O general perguntou ao Capitão: “O que é isso?”, o capitão respondeu: “É um órgão do Exército”. “Ilegal!” Rebateu o general. “Eu não vou discutir com o senhor legalidade”. Disse-lhe, o capitão. O General perguntou ao Capitão: “Onde está o seu cavalheirismo?” Recebeu como resposta: “Não existe cavalheirismo em guerra”. Therezinha, vendo aquele clima, interveio e falou: “Calma, cavalheiros. Capitão, eu terei imenso prazer em aceitar o seu convite”.

“Acompanhei o grupo. Eram quatro, todos de metralhadoras. No furgão estava o Raimundo Pascoal Barbosa, ele era do ‘Partidão’ e estava comigo nessa, porque ele era amigo do Simões. O General estava fazendo filosofia, o Frei Tito dos Dominicanos, também. Um dia o Frei Tito toca a campainha. ‘Sabe o que vim fazer aqui? Dona Therezinha eu preciso de um sítio, nós precisamos fazer um Congresso’. Respondi-lhe, “Eu não tenho sítio, tenho um apartamento em Campos do Jordão”.

Toca novamente a campainha, era o Simões, que me trazia ovos, abóbora, essas coisas do sitio. Ele disse, “Eu tenho o meu e cedo”.

O Tito, muito hábil, disse: “Conversaremos lá fora então.”

 Talvez o leitor não saiba, mas esse sítio ficava em Ibiúna, e foi lá que se realizou o Congresso da Une, onde a Polícia prendeu todos os que lá estavam. A repressão estava atrás dos seus organizadores, daqueles que de uma maneira ou de outra, ajudaram.

“Na primeira vez que fui presa, eles queriam saber quem era o Raimundo, agora encontro ele preso num camburão, cumprimento-o, chamando-o de doutor Barbosa. Quando cheguei presa na OBAN– Operação Bandeirantes, essa fábrica de torturas do Exército, o maior torturador de lá, era filho de um sargento. Era o capitão Albernaz, essa peste tristemente famosa, tipo cafajeste. Dirigiu-se a mim com essas palavras: ‘Hoje a senhora vai falar a verdade, não é?’ Ficou de pé e veio para mim como um tigre. O outro capitão, que estava segurando a minha cadeira, tremeu, esperando um grito mais violento. Eu fiquei de pé, ele veio para cima de mim, aos gritos: ‘A senhora é uma mulher muito arrogante, muito atrevida, não pense que essa panca, de ser mulher de general, isso lhe salva, nós temos métodos científicos para tirar a verdade’”.

Respondi-lhe: “Capitão, eu sei muito bem, quais são os métodos científicos. Quer partir para ignorância. Pode partir e já! Eu gritei na cara dele. Diante da minha reação, eles não esperavam, a equipe dele ficou abestalhada. Eu sou muito ansiosa. Eu confio no meu ódio. Se eu levasse um tapa, uma bofetada, uma porrada bem dada, ai eles teriam que me matar.” Ele ficou branco e gritou: "já para cela, vai para cela...”

Therezinha revive aqueles instantes tristes e dolorosos, qu cobriram de vergonha o Exército de Caxias, de Nelson Verneck Sodré, Andrada Serpa, e de tantos outros patriotas.

Um Capitão do Exército torturando psicologicamente uma mulher sozinha, sem nenhuma defesa, a não ser a sua coragem pessoal, a plena consciência e profunda convicção, de que era preciso reagir, naquele instante de suprema humilhação e em nome do Exército, um Capitão, faltava com o mínimo respeito com uma senhora advogada, esposa de um general.

Ela toma fôlego e continua, noto que há um prenuncio de lágrimas em seus olhos, a voz é cheia de indignação, em grandeza, tem força dramática. Terezinha acabara de representar o próprio drama por ela vivido, na tristemente celebre Operação Bandeirantes- OBAN, a fábrica de tortura e morte, onde monstros, travestidos de seres humanos, eram capazes de tudo, de praticar tudo contra os seus semelhantes, homens ou mulheres, quaisquer que fossem as suas idades. Todas as formas de tortura, desde o pau-de-arara aos choques elétricos nos testículos ou nas vaginas de suas vítimas. Verdadeiros monstros. Pobres diabos!

Therezinha, suas prisões foram demoradas? Terezinha faz os cálculos com a ajuda dos dedos, e me responde: “8 dias na OBAN, depois 18 dias no DOPS. Depois fiquei presa de 18 de fevereiro a 22 de maio, cumpri pena de 6 meses, voltei à prisão para cumprir o restante da pena, o segundo julgamento, fui condenada pelo artigo 38, fiquei de 22 de setembro até a véspera do Natal de 1970. Durante meses Therezinha foi companheira de prisão de Dilma Rousseff.

Therezinha e Dilma Rousseff
A presidente Dilma sentiu profundamente o desaparecimento de Therezinha Zerbini, declarando: “Tive o privilégio de conviver com Therezinha em situações extremas: num cárcere da ditadura, onde nos conhecemos em 1970, e na luta pela Anistia, da qual ela foi pioneira, ao criar, em 1975, o Movimento Feminino Pela Anistia. Therezinha Zerbini simbolizou a coragem da mulher brasileira”.

A última pergunta: Therezinha, você é católica, diga-me quais as grandes figuras de sua Igreja que lutaram contra a repressão? “Sem dúvida alguma, Dom Hélder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns, são homens extraordinários”.




***



BRIGADEIRO RUI MOREIRA LIMA – UM MILITAR CONSCIENTE DOS SEUS DEVERES PARA COM A PÁTRIA!

GERALDO PEREIRA -

Casal Moreira Lima recebeu o jornalista Geraldo Pereira.
Ele nasceu próximo às Cachoeiras do Rio Itaboraí, na cidade de Colinas, no Estado do Maranhão, em 12 de junho de 1919. Nas veias desse velho e exemplar cidadão brasileiro, chamado Rui Barbosa Moreira Lima, correu o sangue que se fez vida, vida que para ele, sempre foi de obrigação e constante vigilância em defesa da pátria, até os 94 anos, quando faleceu em 13 de agosto de 2013, na cidade do Rio de Janeiro, no Hospital da Aeronáutica onde estava internado, há 47 dias, vítima de um Acidente Vascular Cerebral.

Os ensinamentos aprendidos com o seu pai, Dr. Bento Moreira Lima, que era juiz de Direito, na cidade de Caxias, e mais tarde desembargador e presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, moldaram seu caráter. Fui amigo pessoal do major brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima, tinha  por ele e por sua 
esposa Dona Julinha, uma profunda admiração.

Algumas vezes almoçamos juntos em sua residência, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Quantas saudades! Numa dessas gravamos durante quase toda uma manhã e início de tarde  um longo depoimento seu, com o objetivo de  resgatar  para as futuras  gerações episódios, pedaços de uma vida riquíssima de ensinamentos, de coragem,  de heroísmo e profundo amor à Pátria.

Como brasileiro, orgulhoso me senti, quando tive diante dos meus olhos o quadro com as dezenas de medalhas conquistadas pelo Brasil, através dos atos de bravura, do tenente aviador Rui Moreira Lima. Um militar, absolutamente, consciente de sua missão, nos campos de batalha da Europa, durante a Segunda Grande Guerra Mundial. A defesa da liberdade e da democracia, ameaçada pelo nazismo de Adolf Hitler, e do fascismo de Benito Mussolini.

Passado mais de seis décadas, ainda indignado,  cheio de revolta, contra o afundamento dos nossos navios, em águas brasileiras, meu entrevistado, fixando-me nos  olhos, emposta a voz e  com um entusiasmo contagiante   declara: “Fui para guerra como voluntário,  tinha a convicção de que o nazismo era uma miséria  para toda a humanidade. Eu precisava vingar os 32 navios brasileiros que eles afundaram e 998 passageiros que foram sepultados.”

O menino Rui fez o primário, na capital Maranhense. Estava com  seus 14 anos, quando lê num jornal, um artigo violento contra o seu pai. Junto com dois colegas, vai tirar satisfação com o autor do artigo que chamava-se Jorge Caetano de Alencar. Jorge trabalhava com o interventor Vitorino Freire. Com o artigo na mão, vai ao encontro do seu autor e pergunta-lhe: “Foi o senhor que escreveu isso?” “Dei-lhe uma lambada (com um fio), ele me agarrou, me deu uns cascudos, ai eu  comecei a morder a barriga dele, o sangue escorria. O Neiva Moreira, trabalhava no jornal, publicou isso.”

Militar disciplinado, legalista, obediente às instruções recebidas, em  carta enviada pelo pai, cujo conteúdo se tornou 'Vade-mécum', de sua carreira militar. A vitoriosa trajetória do  major brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima foi sempre a serviço da Pátria. A bordo do navio Almirante Jaceguai, no ano de 1934, Getúlio Vargas chegava ao Maranhão. Antes do navio  atracar no porto, chegava a Esquadrilha Aérea – seu cartão de visita – e acordava a cidade, com 3 aviões fazendo acrobacias, levando a população para as ruas. Os aviões eram comandados pelos tenentes da Marinha, Pettl, Kallhl e Menezes.

“Fiquei fascinado com aquele espetáculo e disse ao meu pai 'Eu vou ser militar!' Meu pai respondeu: 'Meu filho não tenho dinheiro para isso.” Em 37 eu fiz exame, não passei. Em 38 fui o 4º colocado entre 3700 candidatos, disputando 200 vagas. Eu sou de uma família de 12 irmãos, meu pai fez questão de formar todos eles. São 2 médicos, 2 engenheiros, 2 aviadores... Em 1939 era cadete, recebe uma carta de seu pai, Dr. Bento Moreira Lima “na época juiz de Direito, da comarca de Caxias, Maranhão, posteriormente, transferido para a comarca de São Luiz, onde terminou sua vida, como desembargador e presidente do Tribunal de Justiça. Teve todas as promoções por antiguidade, nunca teve uma sentença reformada pela instância superior”, com orgulho me diz o major brigadeiro Moreira Lima. A carta do pai lhe serviu de 'Vade-mécum', eis o seu texto:

“Caxias, 31 de março de 1939

Rui

És cadete, amanhã, depois, mais tarde... general. Agora deves dobrar os teus esforços, estudar muito... Obediência aos teus superiores, lealdade aos teus companheiros, dignidade no desempenho do que te for confiado, atitudes justas e nunca arbitrárias. Se um patriota verdadeiro e não te esqueças de que a força somente deve ser empregada ao serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das forças armadas. Estas não devem esquecer que é este povo que deve inspirá-las nos momentos graves e decisivos. Nos momentos de loucura coletiva deves ser prudente, não atentando contra a vida dos teus concidadãos.

O soldado não pode ser covarde e nem fanfarrão. A honra é para ele um imperativo e nunca deve ser mal compreendida. O soldado não conspira contra as instituições pelas quais jurou fidelidade. Se o fizer, trai os seus companheiros e pode desgraçar a nação. O soldado nunca deve ser um delator, se não quando isso importar em salvação da Pátria. Espionar os companheiros, denunciá-los, visando interesses próprios, é infâmia, e o soldado deve ser digno. Aí estão os meus pontos de vista.

Deus te abençoe."

Quando chegou no Rio de Janeiro, foi morar numa pensão, no Catete. Essa pensão tinha uma porção de noctívagos, era do pai, das irmãs batistas, Linda, Dircinha e Odete, todas cantoras de rádio. Lá moravam os componentes do conjunto 'Quatro Ases e um Coringa' e a dupla 'Joel e Gaúcho'. Só tinha sambistas. No Rio eu morei em diversas pensões, umas 10 ou 15, não dava 'beiço' não, pagava sempre.

Perguntei: “O pai mandava o dinheiro?”, ele responde: “Mandava 200, eu pagava 80 de pensão, 80 de curso, e o resto para ir ao cinema e a praia.”

No Brasil, após o Levante Comunista de 1935, vem o golpe de 1937, após o golpe, a tentativa integralista de derrubar Vargas. No campo internacional, em 39, tem início a Segunda Grande Guerra Mundial. O nazismo alemão, comandado por Adolf Hitler, avança e ameaça a liberdade e a democracia.  Em Realengo, os cadetes, da Escola Militar, assistem, por ordem do seu comandante,  “Coronel Fiúza de Castro, no cinema local, um filme alemão, com a presença do Embaixador alemão e outras autoridades. Estavam presentes, também, o comandante e os seus oficiais. Antes, um deles, o Menezes Cortes, que era um tremendo de um nazista, chama a atenção dos cadetes: ‘O filme alemão não está traduzido, mas mostra a pujança, a força do governo desses ilustres visitantes, a anexação da Áustria, que não foi preciso gastar um cartucho, um só tiro.’ Os traidores da Áustria, se venderam para a Alemanha”, me diz indignado o Brigadeiro Rui.

No filme, os alemães entrando na Áustria, com suas bandeiras suásticas, 10 minutos após aparece o Hitler falando. Os cadetes ensaiaram uma vaia “Uu, uu..., fora! Fora! Ditador! Ditador!”. O Menezes Cortes, interrompeu o filme, acendeu as luzes e disse que o comandante estava absolutamente decepcionado com a atitude dos senhores 'quem dá vaia é moleque'. Eu vou apagar a luz e vou passar o filme novamente. Eu quero ver quem é que vai dar vaia.”

Foi uma vaia federal quando o Hitler começou a falar novamente, uma vaia que acabou com o ambiente. Ai fomos levados para a escola e o Menezes Cortes, pequenino, andando entre nós “Eu quero saber quem foi que começou essa vaia. Porque o cadete de Caxias não pode ser um moleque”.Satisfeito, diz o brigadeiro: “Naquele tempo, graças a Deus, não tinha um 'dedo duro', ninguém falou nada. Só se falou nessa vaia quando Neiva Moreira voltou do exílio e dei-
lhe uma entrevista, como estou fazendo com você Geraldo. Isso é para provar que o Brasil não estava de acordo com o governo do presidente Vargas. O governo era 'pro nazi'. Era porque o generais Goes Monteiro, o  Dutra, esse Fiúza de Castro, o Alcio Souto, toda essa turma era nazista”.

Faço ver ao brigadeiro que  Getúlio era ' prisioneiro' dos militares,  não tinha força para discordar deles. Principalmente, da dupla Eurico Dutra e Goes Monteiro.

“Quando eu digo que o Getúlio foi um ditador, ditador igual a todos os ditadores, toda a ditadura é criminosa, você não tem o direito de falar. Mas, o Getúlio tinha uma visão nacionalista, uma visão de estadista. Foi ele que transformou o Brasil rural num País. Quando ele foi eleito, eu fiz parte do gabinete do ministro Nero Moura.” Brigadeiro, falemos um pouco sobre o Correio Aéreo Nacional, criado pelo saudoso brigadeiro Eduardo Gomes.

“O Correio Aéreo Nacional foi a coisa mais útil e a mais nobre que a FAB fez. O índio não conhecia bicicleta, mas conhecia o avião. Muitas vezes trazíamos o índio de uma tribo para outra. Fiz uma missão levando gerador e aparelhos de raio-X, para fazer radiografias e abreugrafias. O Correio Aéreo fez a integração e foi uma experiência muito grande na guerra, pois os pilotos mais antigos tinham horas e horas de voo. Eu fiz 3 mil horas de voo. Passei parte da minha vida voando no Correio Aéreo Nacional.” O senhor também praticou esportes?

“Quando entrei para escola militar, eu nunca tinha praticado atletismo, eu jogava basquete, um pouco de vólei, futebol muito mal. Na escola o campeão de 100m teve uma distensão. O coordenador  do atletismo perguntou quem era que podia correr 100 m, para completar o quadro. Eu perguntei: ' Para correr 100m? Eu corro 100m.'  Ele disse para mim: 'Eu corri no Tiro de Guerra, eu corri no Flamengo... onde o senhor correu?'

Respondi: 'Atrás de boi e atrás de burro, no Maranhão', ele quis me dar porrada. Terminei fazendo o teste, fui o primeiro e passei disso a campeão da Taça Lage – entre a Escola Naval e a Escola Militar. Ai fui para o Fluminense, terminei medalhado em dois campeonatos sul-americanos, um aqui no Rio e outro em Buenos Aires. Ganhei o campeonato lá, fui campeão carioca da Taça Brasil e recordista sul-americano em Buenos Aires.”

Falemos um pouco da Segunda Grande Guerra Mundial. Em 18 de dezembro de 1943, Getúlio Vargas instituiu, o primeiro grupo de Aviação de Caça. O major Nero Moura foi nomeado seu comandante. Em 01/01/44, o tenente Rui Moreira Lima, embarca para o Panamá, passa 3 meses fazendo curso de Caça com os americanos. Recebe seu diploma de Piloto de Caça. Vai para Nova York, onde chega em 04 de julho, permanecendo até  19 de setembro, quando parte, num comboio de 27 navios, para a Itália, a viagem durou 17 dias.  Desembarcaram em Livorno, em 06 de outubro de 1944 e em novembro inicia as operações militares.

A perda de alguns colegas, que como ele pilotando os seus aviões bombardeavam as posições inimigas, era como em qualquer guerra missão de alto risco. “Em 29 de Abril, quase que eu não volto, o avião em baixo de tiros de canhão foi alvejado.” Me disse o Brigadeiro Moreira Lima. A atuação  dos nossos aviadores, nos campos de batalha da Europa, durante a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1938/1945, ajudaram e muito as Forças Aliadas a derrotarem o Nazismo de Hitler e o Fascismo de Mussolini. Deveria se constituir em leitura obrigatória nas nossas escolas, a partir do Ensino Médio, constar do seu currículo escolar, a História da Força Expedicionária Brasileira, sua atuação, seus heróis, seus mortos, suas vitórias. O nosso povo não conhece, o que é lamentável e deveria conhecer:  foram  as mais belas páginas escritas  pelas nossas Forças Armadas. 

Quando regressei da Itália, após a guerra tive 40 dias de férias. Fui com minha esposa Julinha  e a minha filha Sônia, estivemos em Caxias, depois em Codó, na sua Estação um cidadão vem ao meu encontro e pergunta-me bem alto: “Tenente Rui Moreira Lima, está me conhecendo?” Respondi-lhe: “Jorge Caetano de Alencar”.  Ele abriu a camisa e gritou: “Ainda tenho no abdome a dentada desse herói!”


COMANDANDO A BASE AÉREA DE SANTA CRUZ

Brigadeiro, o senhor comandou a Base Aérea de Santa Cruz, até a deposição do presidente João Goulart? “Eu estava na Alemanha, quando recebi o convite para comandar a Base de Santa Cruz, aceitei. Ninguém queria aceitar, porque era uma base toda golpista. Foi um momento em que aqueles jovens foram enganados, com essa coisa da 'Marcha de Deus pela Liberdade'. Recebi dois telefonemas, um do brigadeiro Assis, outro do brigadeiro Ramos, colegas do grupo de Caça. 'Rui você vai ficar desmoralizado.' Eu respondi: 'Olha, eu tenho curso de Estado Maior, Curso Superior de Comando, já fiz estágio em Estado Maior e está na hora de receber um comando de uma grande unidade. Eu vou receber, se não der certo eu passo para Reserva, como fez o Lafaiete. Comandei a Base de julho de 1962 a abril de 1964, eram 3 mil homens, cem moravam na Base, setecentos sargentos, todas as minhas ordens foram cumpridas. Meu subcomandante era o Múcio.”

Vamos abordar sobre o Golpe de 31 de março e o presidente João Goulart.

“Eu sobrevoei a Coluna Mourão Filho. Fui o único que sobrevoou a Coluna. Porque estava tudo fechado, eu fui pelo radar. Eu não estava querendo atirar, nem morrer, nem matar. Se o tempo não estivesse como estava, verdadeira tempestade, no dia 31 de março e 01 de abril, estava tudo fechado, não tinha avião no ar. João Goulart tinha largado a Guanabara, onde ele tinha Vila Militar, o Corpo de Fuzileiros, a Base de Santa Cruz, tinha unidades. Ele sem nada dizer foi para Brasília, sem falar com ninguém. Isso são palavras do ministro Anísio Botelho da Aeronáutica. O ministro chamou todos para conversarem com ele no Galeão. Chorando emocionado nos disse: 'Olha, o presidente não quer derramamento de sangue. Ele não quer lutar, então a ordem que eu tenho para vocês é essa: 'Se vier alguém substituir vocês, aqui na base, passe o comando’.” O senhor entregou o comando numa boa, brigadeiro Rui Moreira Lima, sabendo que na Base Aérea de Santa Cruz já se encontrava o seu substituto?

“Ele se dirigiu a mim, com essa expressão: 'Passe o comando dessa merda agora!' Ouviu como resposta: “ Nesta Base, eu fui tenente, capitão, major, tenente coronel e coronel. Só passo o comando  amanhã as 9 horas!” O coronel Saldanha Pires não gostou, alterou a voz e disse: “Passe o comando dessa merda, agora, eu não aceito ponderações”. O Coronel Moreira Lima, no mesmo tom de voz respondeu: “Só vou passar o comando, amanhã às 9 horas.” Exaltado, o coronel Saldanha Pires gritou: “Moreira Lima, vai para a ‘puta que pariu’!” Responde o Coronel Moreira Lima: “Vá você, seu filho da puta!”

Sou o único oficial das Forças Armadas que passou o comando no dia 1º de abril, com a tropa toda em forma, com Boletim, Ordem do dia, corneta, toque, tudo dentro do Regulamento de Continência da Aeronáutica.

Fui preso, colocado dentro do porão do navio Barroso Pereira, passei 3 dias, tinham muitos ratos e baratas. Um colega meu que estava solto, disse para Julinha, minha esposa, procurar o brigadeiro Nero Moura, que foi meu comandante na guerra. Nero Moura, que era amigo do Castelo Branco, telefonou para ele e disse: 'Você conhece o Rui tanto quanto eu. Eu não quero proteção para o Rui, mas os colegas dele estão todos no Princesa Leopoldina e ele no Barroso Pereira.' Imediatamente o Castelo mandou que eu fosse transferido para o Princesa Leopoldina e eu passei mais 49 dias. O comandante era o coronel João Adil de Oliveira, aquele do inquérito do Galeão.

Interrompi: Esse coronel não era mole, foi o chefe do inquérito da tragédia da rua Toneleiro, como ficou conhecido, quando foi assassinado o major Vaz, não é brigadeiro? “Não era mole, mas um sujeito muito digno, muito correto. Ele disse: 'Os senhores estão presos aqui, inclusive se tiver uma ordem eu cedo o telefone para vocês entrarem em contato com suas famílias. Nessa noite que eu cheguei lá, recebi a visita do brigadeiro Aljamar, ele disse-me: 'Coronel Rui, nada foi apurado no inquérito contra o senhor. O senhor vai ser solto. Fui solto. Em seguida fui preso outra vez. Passei cem dias preso. Eu estive preso 256 dias. Geraldo, eu fui preso pra caramba!” O saudoso criminalista Antônio Evaristo de Moraes Filho, entrou com um pedido de Habeas Corpus, no Superior Tribunal Militar, o relator foi o ministro Murguel de Resende, o relato dele foi uma defesa perfeita. O ministro brigadeiro Seco, disse que quem devia estar preso não era o coronel Rui, e sim o colega dele que fez a Revolução de Aragaça. O general ministro Mourão Filho, afirmou: 'Quem devia estar preso era eu e não esse coronel. Eu que sai do meu quartel para depor um governo constituído. Esse coronel passou o tempo todo defendendo a legalidade, está no voto dele.'

O general Brayner, que era o chefe maior do general Castelo Branco, lá na guerra, depois ele brigou com o Castelo, ele fez por escrito o seu voto, lido em 20 minutos, dizendo que eu era um herói, e que eu tinha defendido a legalidade. O brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, que assinou a minha cassação, votou com o relator. Foi unanimidade. Todos votaram comigo. Eu fui solto na noite desse mesmo dia. O coronel Rui, encontrava-se no escritório da sua firma, na av. Rio Branco, “eram 13 salas, 24 telefones, 32 funcionários, eu tinha uma distribuidora de valores. Dois elementos pedem, na portaria,  para falar comigo. Mandei subir, pensei que eram clientes.

“O senhor é o coronel Rui Moreira Lima? O coronel comandante da PE do Exército, está convidando o senhor para prestar umas declarações.” “É convite dele? Diga a ele que eu não aceito o convite”. “Mas coronel, o senhor tem que ir, temos que levar o senhor lá.” “Vocês dois só? Nós vamos brigar, nós temos que trocar porradas”.

Eles disseram: “É bom o senhor ir”. Abriram a porta e tinham mais dois sujeitos fortes no corredor  e lá embaixo, no carro, mais quatro, todos armados com metralhadoras.

Chamei os brigadeiros que trabalhavam no meu escritório e disse: “Eu estou preso, esse pessoal é do DOI-CODI, estão me levando para a Polícia do Exército. Isso é um sequestro. Brigadeiro Lafaiete, eu estou sendo sequestrado, se vocês puderem me ajudar, me localizem porque eu acho que vou sumir.”

 Quando eu desci, viu o Pedrinho, meu filho, que estava no carro, dei um empurrão no sargento e disse para o Pedrinho: “Vá para casa, fale para a sua mãe, procurar o Wellington, para ele falar com o Sarmento” (comandante do Primeiro Exército). Seguindo orientação do  esposo, preso em local ignorado, dona Julinha, acompanhada do filho Pedrinho, procura falar com o general Sizeno Sarmento, comandante do Primeiro Exército, foi atendida por um major que ao tomar conhecimento da prisão do coronel Rui Moreira Lima, disse que ia comunicar ao general Sizeno. “Vá para casa, minha senhora, a senhora vai ter o seu esposo de volta.”

Caminhava a  viatura policial, a certa altura, um dos policiais diz: “Coronel esta é uma entrada secreta, o senhor tem que botar o capuz.”Era um saco, eu botei. Desci, encostei nos braços dos dois, eles disseram que era a PE, não era, a PE não tem ladeira. Fiquei impassível, levei uma hora e meia, ouvi uma voz, esse filho da puta morreu.

Eu respondi: “filha da puta é você eu estou vivo, mas posso morrer. Eu sou cardíaco.” Mandaram tirar o capuz, eu vi 6 pessoas, todas encapuzadas, para não serem reconhecidos, mandaram novamente pôr o capuz e esvaziar os bolsos.

Fiquei num quarto de 2 metros por 1, colchão de palha de bananeira, eu dormia no chão. A porta dava para privada. A cadeira quebrada.

Recebi a visita do tenente coronel, subcomandante, disse-me ele: “Coronel, eu venho em nome do comandante e quero dizer ao senhor que esse comando não tem nada com isso. O que é que o senhor precisa?”

“Eu quero que o senhor mande colocar uma lâmpada, me arrume um rádio, eu gosto muito de ouvir futebol, quero que o senhor mande alguém no meu escritório porque eu tenho uns títulos para vencer e preciso pagá-los.” Ele respondeu que não podia fazer nada. Eu, então, lhe disse: “Se o senhor é subcomandante e não pode fazer nada, vá embora daqui. Rua! Fiquei 3 dias incomunicável.”

O coronel Rui Moreira Lima estava preso no RegMec – Regimento Mecanizado. Essa unidade do Exército era comandada pelo Coronel Orlando Ribeiro Sampaio, que havia sido seu subalterno no Conselho Nacional de Segurança e também no curso que fizeram na Alemanha.  As autoridades responsáveis pela arbitrária prisão do cel. Rui Moreira Lima levaram 3 dias para descobrir o local onde ele se encontrava preso. Três dias para cumprir uma ordem do general Sizeno Sarmento, comandante do Primeiro Exército que mandava libertá-lo!

No governo Geisel, a relação dos Estados Unidos com o Brasil, não era tão boa, como as relações com a Alemanha. Procurando melhorá-las o governo Ronald Reagan, enviou, ao Rio de Janeiro, jornalistas americanos, com o objetivo de ouvir, alguns dos nossos aviadores, que participaram da Segunda Grande Guerra Mundial. Rui Moreira Lima, medalhado diversas vezes, pilotando o seu avião, nos campos de batalha da Europa, era a figura principal.

Em Brasília, a embaixada americana, ofereceu um Jantar aos nossos militares, com a presença da alta cúpula das Forças Armadas. O Ministro da Aeronáutica, Délio de Matos, mandou um avião ao Rio de Janeiro, apanhar o seu colega Brigadeiro Rui Moreira Lima. O General Walter Pires, Ministro do Exército, presentou o presidente Figueiredo, logo depois passou o General Coelho Neto, “um torturador”, me diz o brigadeiro Rui, que estava sentado, num pequeno grupo, quando dele se aproximou alguém exclamando: “Oh Rui, como vai você?” Respondi: “Quem é você?” “Sou Sampaio”, me respondeu. “Olha, então, disfarça e sai daqui, eu não quero melar a porra desse jantar!”

Orlando Ribeiro Sampaio era o General de quatro estrelas, comandante de Brasília e que quando  coronel comandava o RegMec – Regimento Mecanizado, onde o brigadeiro Rui esteve preso e passou três dias incomunicável. “Ele foi para Alemanha comigo, a pedido meu ao General Amauri Kruel”.Em maio de 2011, num dos auditórios da ABI, no Rio de Janeiro, superlotado, por ocasião da 49ª Caravana da Anistia, o Governo Brasileiro homenageou, através do Ministério da Justiça o major brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima, ele é o Presidente de Honra da Aliança Democrática dos Militares Nacionalistas – ADNAM. O ministro José Eduardo Cardoso presidiu o ato e entregou ao brigadeiro uma certificado com o seguinte texto:

“Certificado

Certifico que Rui Barbosa Moreira Lima é anistiado político brasileiro nos termos da Lei nº 10.4559, de 13 de novembro de 2002. Por meio desta manifestação política o Estado brasileiro reconhece seus atos de resistência contra o regime autoritário e em prol da liberdade e da democracia em nosso País.

Pela anistia política constrói-se a reparação aos que foram violados em seus direitos fundamentais, bem como a memória e a verdade histórica.
Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2011
José Eduardo Cardozo
Ministro de Estado da Justiça”



***

"NOSSOS FILHOS NÃO IRÃO PARA A COREIA". ENTREVISTA HISTÓRICA COM ELISA BRANCO, LUTADORA HEROICA DO POVO


GERALDO PEREIRA -
Elisa Branco e Geraldo Pereira. Crédito: Josefina Belém.
Esse ultimo desfile de 7 de setembro, me fez lembrar de uma personagem da História do Brasil. Se tivéssemos zelo pelos nossos heróis, certamente Elisa Branco seria nome de cidades, ruas e avenidas. Como o Brasil pensante se orgulha de ter produzido uma mulher idealista com a sua coragem, vivendo todos os problemas da sua pátria diariamente, e lutando com rara coragem para ajudar a resolvê-los. Esta entrevista, Elisa me concedeu em fevereiro de 1991, em sua casa, no bairro da Vila Madalena, na capital paulista.

Seus olhos azuis conservam a mesma vivacidade dos anos 50, quando a conheci. Noto no rosto alguns traços da beleza passada. A cabeleira está da cor de prata, mas, firme como de uma adolescente. O timbre de voz é o mesmo, forte de quem fala a verdade, de quem é intima da oratória. As mãos sempre gesticulando, dão ênfase ao pensamento, ao fechamento da frase.

Com seus 79 anos de idade, 60 dos quais dedicados aos movimentos populares, dedicação que lhe custou muitos sofrimentos e dezenas de prisões, sendo numa delas, condenada a 4 anos de 3 meses.

Detentora do Prêmio Stalin da Paz, recebido no Teatro Bolshoi em Moscou, prêmio esse dado a pouquíssimas personalidades do mundo inteiro, Elisa Branco, se tivéssemos um mínimo de respeito pela memória nacional, sua bravura seria lembrada sempre pelo seu passado, pela sua coragem, pelo muito que lutou para que tivéssemos direito a uma Pátria onde a fome e a miséria para sempre estivesse banidas.

Quando da “Guerra Fria” aí pela década de 50, em verdade a “Guerra Fria” teve início logo após o término da Segunda Grande Guerra Mundial, quando os Estados Unidos, de posse da Bomba Atômica, após ter liquidado com o Japão, jogando duas delas em seu território, tentava trazer a Rússia para um confronto, essa, mais tarde, também de posse da terrível arma, pôde falar alto, e, de certa maneira houve um equilíbrio, o que foi bom para toda a humanidade, frustrando os governantes americanos, fazendo com que a terceira guerra mundial fosse adiada.

A bem da verdade, o autor desta matéria, lembra aos leitores que neste intervalo tivemos a guerra da Coréia, onde as perdas de vidas americanas, somaram 33.729. Tivemos também a guerra do Vietnã, onde derrotados e humilhados, os americanos perderam 45.941 soldados na luta, sendo desaparecidos 21.811 e feridos 300.635. O autor desta matéria, lembra também aos leitores, que nenhum dos irmãos do  Presidente Kennedy ou filhos dos presidentes Harry Truman ou de Lyndon Johnson, perderam a vida, serviram de bucha de canhão.

Na guerra do Golfo Pérsico, também, não se tem notícia de que algum filho do ex-presidente George Bush ou de outra alta autoridade americana, estivesse na linha de frente. Elisa Branco recebeu o Prêmio Stalin da Paz pela sua destacada atuação nas lutas contra a guerra. Numa época em que falar de Paz, se constituía num crime hediondo, tanto que ela ao abrir uma faixa de 5 metros no Vale do Anhangabaú, por ocasião do desfile militar de 7 de setembro de 1950, com os dizeres: OS SOLDADOS NOSSOS FILHOS, NÃO IRÃO PARA A CORÉIA, foi presa e condenada a 4 anos e 3 meses de prisão, tendo cumprido 2 anos, em consequência da eficiente e brilhante defesa feita pelo seu Advogado, Dr. Sinval Palmeira, perante o Supremo Tribunal Federal.

Tive oportunidade de visitá-la no Presídio do Hipódromo, na capital paulista, naquela ocasião. Ouçamos Elisa.

Geraldo: Como foi o início de sua militância política?

Elisa: Tem gente que diz assim: Eu nasci comunista. Não digo isso, mas desde tenra idade que tinha ideia. Eu tinha amizade com uma pessoa de Barretos, onde nasci, que defendia até debaixo d’água a Revolução Russa. Era um homem simples, andava descalço, pescava. Ele era português. Minha família também é de portugueses. Em 1930 namorei o meu marido, ele era comunista. Casamos. Minha casa era a casa das reuniões do partido.

Em Barretos, a luta era na clandestinidade. Já na capital participamos ativamente da luta a fim de enviar os nossos soldados, nossa Força Expedicionária para combater a Alemanha nazista de Hitler e a Itália fascista de Mussolini. Getúlio Vargas namorava o nazismo, porém, o movimento de massa foi muito grande e conseguimos fazer o ditador se dobrar. Lembro-me de uma grande companheira que estava à frente dessa campanha: Jovina Pessoa, esposa do cientista Samuel Pessoa, ambos já falecidos, assim como  Caio Prado Júnior, Monteiro Lobado, Antonio Montesano e outros.

Geraldo: Você teve atuação marcante na Federação das Mulheres do Estado de São Paulo?

Elisa: Fui inclusive sua tesoureira. Houve uma época em que a Branca Fialho foi a presidenta. Grande companheira foi a Alice Tibiriça de Miranda, muito culta. Lembro-me de que numa ocasião ela veio fazer uma conferência aqui, nossa sede era no bairro da Liberdade, o tema era a Paz. A polícia invadiu a sede da Federação e logo de cara prendeu Alice, junto com a mulher de um desembargador da Bahia e suas irmãs. A polícia entrou em ação com uma violência dos diabos, acompanhada do Corpo de Bombeiros, uns meganhas desgraçados, não este Corpo de Bombeiros que temos hoje, e, sim, uns homens terríveis. A mim, me deram com um sabre na perna, eu fiquei mais de três meses me tratando. Presas, fomos banidas e levadas de camburão para São Roque, pois eles queriam dificultar o nosso paradeiro. Alice estava muito preocupada com o meu ferimento na perna e exigiu um médico ou farmacêutico. Fomos libertadas 72 horas após.

Geraldo: Você se lembra de quem a feriu na perna com o sabre?

Elisa: Um tirazinho, baixinho, desgraçado, me agarrou e tentou me bater. Eu era muito mais forte do que ele, e quase liquidei o desgraçado. Foi neste instante que levei um golpe de sabre, tendo como consequência passado três meses de sofrimento.

Geraldo: Quantas vezes você foi presa?

Elisa: Não me lembro. Muitas. Muitas. Minhas filhas também. A mais nova, a Horieta, que era a mais falante, parecida comigo, fazia parte da Juventude Comunista. Havia um tira de nome Pasqualão, lá no Ipiranga, um desgraçado, parecia um monstro, ele era grande, forte, não podia ver a Horieta, prendia-a na hora. Cadê a liberdade? Meu marido, não, porque ele sempre foi muito pacato, ele é português.

Geraldo: E na Federação, como era o trabalho?

Elisa: A Federação era uma organização sem cores partidárias. Mas quem topava os trabalhos eram as mulheres comunistas. As demais não entendiam aquele trabalho avançado que desenvolvíamos. Luta pelo Petróleo, pela Paz, contra a ida dos nossos soldados para a guerra da Coréia, contra a carestia. Era trabalho todos os dias. Passeatas, palestras, debates. Um trabalhão.

Geraldo: Você se lembra de alguma mulher candidata em 45 ou 47 pelo PCB, aqui em São Paulo?

Elisa: Não me lembro se tinha mulher. Mesmo porque o Partido discriminava muito a mulher.

Geraldo: A primeira parlamentar comunista da América Latina, Adalgisa Rodrigues Cavalcante, de Pernambuco, deputada estadual, assim como a tecelã Júlia Santiago, vereadora, ambas cassadas em janeiro de 1948.

Elisa: Adalgisa foi muito minha amiga. A Júlia eu conheci quando estive no Recife, aliás, no Nordeste todo a serviço da Federação. Conheci todo esse pessoal. Gente muito boa. Eu tinha ganho o Prêmio Stalin da Paz e fiquei muito conhecida, e conhecia muita gente.

Geraldo: Como recebeu a condenação de 4 anos e 3 meses de prisão, o que alegaram?

Elisa: 4 anos por estar insuflando os jovens soldados do Exército e 3 meses por ter deixando um “tira” em tiras.

Geraldo: E o tratamento que lhe foi dispensado na Casa de Detenção?


Elisa: Recebia visitas uma vez por semana, só do esposo e filhas. Fiz greve de fome, passei 5 dias sem comer. Queriam me levar para o Presídio do Hipódromo. Eu briguei com 6 homens dentro do Xadrez. Eles me levaram na marra. Eu não queria ir prá lá, sabia que existia muitas doenças empesteadas. “Com os meus pés eu não vou”, eu disse para o Diretor. “Ela tem que ir. Ela já se incompatibilizou com o senhor. O jeito que tem é leva-la para o Presídio do Hipódromo”. Respondi de imediato: “Eu não me incompatibilizei com ninguém. Eu não vim para cá porque quis. Prenderam-me. Ele é o diretor dessa casa e não pode se incompatibilizar com preso nenhum”.

Chegando ao Hipódromo, o diretor, que era um Capitão da Polícia, me disse: “A senhora terá tudo que pedir. Visitas, banho de sol, etc, etc. O partido mandou uma máquina de costura para mim e eu ensinei as demais detentas a costurar. Tinha uma alemã que estava presa há mais de 4 meses. Disse-me que era por minha causa; perguntei se fazia parte de algum núcleo da Federação e ela respondeu-me que passava pela Praça da Sé, parou para assistir a um comício relâmpago que pedia a minha liberdade, e a polícia chegou batendo e prendendo. O fato é que ela já estava há meses aguardando o julgamento.

Geraldo: Você recebeu o Prêmio Stalin da Paz. Esse prêmio consistiu em que?

Elisa: Dei tudo ao Partido. Tirei cem dólares para mim, para pagar algumas dívidas e para pagar a Cruzada do Câncer, da qual eu era cobradora. Uma vez a polícia me prendeu e levou todo o dinheiro e os recibos da Cruzada. Tive que pagar, não é?

Geraldo: Foi orientação do Partido para entregar o dinheiro?

Elisa: Numa reunião do Partido entreguei os 24.900 dólares. Estavam lá o Estócil de Moraes e o Arruda Câmara, encarregados das finanças do PCB. Então eles disseram: “Esse dinheiro é seu”. Respondi: “Não. Não quero. Esse dinheiro é do Partido. Não fui abrir faixa para ganhar dinheiro”. Eu fazia parte da Comissão de Finanças e sabia quanto era duro fazer finanças. “Vocês não querem publicas as obras do Stalin? Publiquem-nas com este dinheiro”.

Pergunto ao Norberto, esposo da Elisa, na época com 86 anos de idade, se ele concordou, respondeu-me: “É claro. Eu também estava na luta.”

Geraldo: Como encarregada de fazer finanças para o Partido, você se lembra de algumas pessoas que contribuíram?

Elisa: Caio Prado Júnior, Mário Schemberg, essa turma toda dava dinheiro de montão. Tinha uns industriais que eu visitava muito, inclusive esse Aguiar. O Amador Aguiar era amigão do Partido.

Geraldo: você não está equivocada com relação ao Amador Aguiar?

Elisa: Não. Não. Não. Eu fui a Osasco, muitas vezes visita-lo.

Geraldo: Em que ano?

Elisa: Agora é que é uma barra. Ele ajudou muito o Partido. Ajudou muito. O Estócil de Moraes foi uma vez comigo. O Amadeu Aguiar sempre nos recebia muito bem. Outro industrial que nos ajudava era o pai do Ermírio de Moraes. O Dr. José Ermírio de Moraes. Ele ficava em Sorocaba. Lá, eu só fui uma vez.

Geraldo: Você era uma espécie de vedete?

Elisa: Eu tinha ganho o Prêmio Stalin da Paz, os jornais da reação falaram muito. Tinha sido encarcerada por dois anos. Realmente, havia uma curiosidade concernente à minha pessoa. Afinal de contas, aquela faixa estendida OS SOLDADOS NOSSOS FILHOS NÃO IRÃO PARA A CORÉIA, teve repercussão internacional, e fez recuar o governo que já estava pronto para mandar os nossos soldados, servirem de bucha para canhão, em defesa do imperialismo americano. Jânio era muito amigão nosso. Sempre nos atendeu bem, inclusive como governador. Como deputado estadual propôs uma moção pedindo a minha liberdade.

Geraldo: Você também foi candidata a deputada e a senadora, não é verdade?

Elisa: Na época era necessário um atestado de ideologia, que era fornecido pelo DOPS. O Tribunal Eleitoral nunca concedeu registro para a minha candidatura.

Geraldo: Suas duas filhas sempre estavam ao seu lado, nos movimentos populares. Como estão?

Elisa: A Horieta está no PMDB e a Florita no Partidão. A Horieta está melhor no PMDB do que a Florita no Partidão.

Geraldo: E o Partidão hoje?

Elisa: Uma tristeza. Salva-se pouca gente.

Geraldo: Batiam-te dentro da prisão?

Elisa: Sou honesta em dizer. Nunca apanhei dentro da cadeia. Mas fora, quase me mataram. Eu também batia neles. Como eu sou alta e forte, eu batia para valer.

Geraldo: Além do DOPS você esteve em outras prisões?

Elisa: Certa madrugada, eu disse para o Norberto: “A polícia está aí, levante-se e vai abrir a porta enquanto eu troco de roupas”. Eu estava de camisola. O Norberto foi. Homem é mais fácil, está de pijama, está decente. Eram militares do Exército. “Nós vimos aqui a fim de levar D. Elisa para prestar declarações no OBAN”. Minha mãe levantou-se e perguntou: “Que barulho é esse?”. Eu disse para eles: “Vocês não deixem a minha mãe, perceber que estão me levando presa, porque vocês terão que mata-la primeiro”. Minha mãe era braba. Terrível. Eu puxei a ela. Meu avô foi morto pelos fazendeiros. Minha avó era revolucionária. Passei 4 dias ouvindo gritos e mais gritos de torturas, meninas novas sendo torturadas. Certa manhã, pela portinhola meu cubículo, alguém diz após chamar-me: “Se apronte D.Elisa, que a senhora vai sair”. Respondi de imediato: “Quem é o senhor que vai me levar? Eu não saio daqui com ninguém. Vocês não vão fazer comigo o que fizeram com os outros: leva para o mato e massacra, às vezes até matam”. Ele admirado diz: ‘D.Elisa, a senhora não está me reconhecendo? Eu sou vizinho da sua filha Horieta e do Fernando, eu sou o Capitão Moesi, a senhora se apronte que a sua filha Horieta está à sua espera.’”

Geraldo: Você era uma mulher bonita. Aliava a coragem à beleza. O pessoal também dava muito em cima de você?

Elisa: Cortejam-me muito. Tinham muito respeito dentro do Partido. Só uma vez, um cara que mexeu comigo, deve ter se arrependido muito. Eu ia arrebentá-lo de pancada. Ele dizia: “Que é isso companheira?”.

Elisa com Jorge Amado na URSS.
Enquanto Elisa providência um cafezinho, Norberto me passa às mãos um álbum fotográfico, presenteado pela Associação das Mulheres do Estado de Pernambuco, onde leio a seguinte dedicatória: “À Grande Partidária da Paz, Eliza Branco.” Seguem-se muitas assinaturas, dentre as quais as de Adalgisa Cavalcante e Júlia Santiago, deputada e vereadora, eleitas pelo PCB.

Vou passando as páginas desse álbum. Cada foto tem uma história. numa, Elisa está sendo homenageada em Bucareste pelas mulheres comunistas da Hungria. Noutra, em Moscou, após receber o Prêmio Stalin da Paz. Com saudade, me diz Elisa: “Esta estatueta é a famosa bailarina soviética Gálina Ulanova, ela me presenteou pessoalmente. Gálina é uma pessoa simpaticíssima e muito querida na sua terra”.

“Esta aqui foi tirada em Estocolmo, por ocasião do Congresso Internacional de Mulheres. Da delegação Brasileira, chefiada pela Arcelina Morchel, estava também a Jovina Pessoa, a Branca Fialho, a Eunice Catunda, a saudosa Matilde, ex-mulher de Jorge Amado. O congresso foi uma coisa espetacular, pois tinha delegações de mais de 150 países.

Demoro-me bastante contemplando duas fotos de Elisa, datadas de março de 1953, na residência de Jorge Amado. “Sempre que ia ao Rio, me hospedava lá” me diz Elisa.

“É possível me emprestas estas duas fotos?”. Concorda. Pede-me muito cuidado. “A polícia levou tudo, sobrou este álbum porque não estava em casa.” Foto com Prestes. “Perdemos o maior líder político brasileiro de todos os tempos. Não pude ir ao seu enterro, estava com pneumonia. Senti muito. Chorei muito, muito mesmo”.

Num prospecto, da Comissão Piratininga de Auxílio aos Presos Políticos, uma foto sua, com os seguintes dizeres: “Elisa Batista Branco, mãe exemplar, foi arrancada de entre os seus entes queridos e condenada a 4 anos de 3 meses, por ter em praça pública, protestado contra o envio de nossa juventude para o matadouro da Coréia. Ajudá-la e libertá-la é um dever de honra de todo o povo amante da paz e da humanidade pacífica”.

Me fita atentamente e diz: “Vou à luta. A situação do Brasil piorou, e muito. Esse governo é uma piada, posso ficar de braços cruzados, posso?” Com olhos indagativos, exige de mim uma resposta. “É claro que não, Elisa. É preciso, no entanto, ter cuidado com a saúde.” Responde-me de imediato: “Vou morrer lutando”.




***





MEMÓRIAS LITERÁRIAS8.9.15  
GERALDO PEREIRA -
Barbosa Lima Sobrinho , Miguel Arraes, Ariano Suassuna e Geraldo Pereira nas saborosas tardes de tertúlias literárias. Arquivo pessoal.
Marques Rebelo foi o grande retratista da vida carioca, trilhando, sem dúvida alguma, o mesmo caminho daqueles a quem ele sucedeu: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Dele me aproximei no final da década de 40, uma paixão nos unia – o América – o conheci na sede do Clube, no bairro da Tijuca, na rua Campos Sales, 118,  título do livro em que ele retrata a história do nosso Clube.

De quando em quando, almoçava com o autor de ‘Marafa’- seu primeiro grande livro - surgido em 1935, recebendo logo dois prêmios e sendo saudado pela crítica.  Conversávamos sobre todos os assuntos, inclusive literários, naturalmente. Num desses ‘papos’ perguntei-lhe: Por que a Academia Brasileira de Letras, da qual ele era membro, não abria as suas portas para dois grandes intelectuais de prestigio, como Gilberto Freyre e Vinícius de Moraes? Respondeu-me rapidamente, com uma só palavra: “Nunca!”.

Fiquei perplexo com a resposta, não me deixando prosseguir com essa perplexidade, ele continuou incisivo, após o ‘nunca’, “Geraldo, você jamais verá na Academia um Gilberto Freyre. Quem é que quer conviver com um homem, com o qual tem que se medir as palavras para falar-lhe? Vinícius, com aquele copo de whisky, não casa com a Academia.

Já vai para mais de meio século, Gilberto e Vinícius estão do outro lado do mundo, e não entraram na ‘Casa de Machado de Assis’.

Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, de saudosa memória, era um intelectual na acepção da palavra, engajado na defesa das boas causas, intelectual participante, presidente da Academia Brasileira de Letras, e da ABI - Associação Brasileira de Imprensa, também, foi decano de ambas. Era um homem simples. Ex-governador de Pernambuco, deputado em diversas legislaturas, era um homem educado, finíssimo, dava expediente diariamente na ‘ABI’, eu tinha pelo ex-governador da minha terra, uma profunda admiração, eu não, o Brasil inteiro, admiração que ele não pediu, conquistou-a, através de uma vida cheia de dignidade e coragem. Barbosa Lima Sobrinho, voz sempre altiva, voz que não se calou, diante do arbítrio militar de 64.

Época houve em que a carona no seu automóvel, quase todos os fins de tarde, me fez mais próximo de mestre Barbosa Lima, no seu gabinete da ‘ABI’, para as tertúlias literárias, que sempre estavam na ordem do dia e no final delas.

Assim como Luís Carlos Prestes e Heráclito Fontoura Sobral Pinto, mestre Barbosa Lima, possuía uma memória privilegiadíssima. Nas tertúlias literárias, o ponto alto era quando ele retirava do seu ‘baú’ fatos e episódios inesquecíveis, da História do Brasil, muitos vividos por ele próprio. Chamava-me a atenção, o seu bom humor, tinha umas ‘tiradas’ que me faziam rir, eu ria e notava que ele ficava satisfeito e prosseguia: “Geraldo, você conhece o poeta Jorge de Lima”, respondi-lhe de imediato: “É claro! ‘Essa Nega Fulô’, o imortalizou, ele é médico tem escritório aqui na Cinelândia”.

Mestre Barbosa me conta um episódio sobre Jorge de Lima. Ele foi vereador e presidente da Câmara de vereadores. Numa sessão tumultuada, com os vereadores exaltados, trocando ‘sopapos’ ele na Presidência, sentado e escrevia de cabeça baixa. Como as coisas continuavam com ameaças, agora de revólver, um vereador apontando a arma para o outro, um dos presentes foi correndo até a presidência da mesa e disse-lhe: “Presidente, o senhor não está vendo, pode sair tiros e mortes?” E o Jorge: “Aonde?”.

O poeta, presidente, estava com as vistas voltadas para o poema que estava sendo feito naquele instante, não podia perder a inspiração.

Quando do funeral do grande saudoso Alceu Amoroso Lima, ocorrido em agosto de 1983, o escritor e notável memorialista Pedro Nava, em pleno Cemitério de São João Batista, ergueu sua voz e disse: “Quem deve substituir Alceu, na Academia é Sobral Pinto, que não deve ser eleito e sim aclamado!”.

A Academia estava totalmente acovardada, escritores e jornalistas, sendo presos, surrados e torturados, e a Academia surda e muda. Não dava uma palavra, parecia que não estava acontecendo nada.

Procurei Sobral Pinto e disse-lhe: “Dr. Sobral, o Brasil precisa do senhor na Academia, o senhor vai fazer a Academia acordar, desse sono covarde, vai denunciar esses atos de arbítrio, pelo qual o senhor também passou”.

Toda tarde o presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, aguardava o seu motorista, sentado num banco, no jardim da ‘Casa de Machado de Assis’. De quando em quando eu passava por lá e batia um ‘papinho’ gostoso com ele. Digo isso ao Dr. Sobral e peço a sua autorização, para falar sobre o seu ingresso na Academia, com o presidente Austregésilo, Dr. Sobral me respondeu que não era escritor, não tinha obras literárias, mas ressaltou que Academia Francesa tinha a figura do ‘Expoente’ de sua Classe. “Mas, eu não sou expoente de minha classe, não sou expoente de coisa nenhuma”.

Despedi-me e disse: “Tá, depois falaremos!”. Dali vinte minutos (a banca de advocacia do Dr. Sobral ficava alguns quarteirões da Academia), estou diante do presidente Austregésilo, que como sempre, estava no mesmo lugar aguardando o seu motorista.  Orgulhoso e contente leio a matéria da Folha, sobre os funerais do Dr. Alceu, dou ênfase, às declarações do Pedro Nava, “Quem deve substituir Alceu, na Academia, é Sobral Pinto, que não deve ser eleito e sim aclamado”.

Falo-lhe da honra da Academia ter em seu seio, um homem como Sobral Pinto, com a sua cultura e a sua coragem. Ele ouviu, sem me prestar, mas prestando muita atenção, disse-me: “Você diz ao Dr. Sobral, se ele quiser entrar para Academia, terá que visitar os acadêmicos e pedir votos, como todos fazem”.

Retruquei: “Presidente Austregésilo, o senhor sabe, o Dr. Sobral não é homem de pedir nada a ninguém, é um homem de altíssima respeitabilidade, sua entrada para Academia, dignifica a ‘Casa de Machado de Assis’”.

Numa dessas tardes, de tertúlia com o mestre Barbosa Lima Sobrinho, lembro esse episódio, ele dá continuidade ao assunto e me diz que Gilberto Freyre queria entrar para Academia, mas fazia questão de ser aclamado. Seria uma grande aquisição à Casa. O que não era possível, e passou a me explicar porquê: “Monteiro Lobato, era o escritor de maior prestígio no Brasil e a Academia o convidou para ser seu membro, ele foi eleito por aclamação. A imprensa deu destaque e a posse dele foi marcada. Seria um grande acontecimento”, me diz o Dr. Barbosa. “Um dia antes da posse, ele passou um telegrama renunciando. Conta-se que o seu amigo o jornalista Júlio Mesquita Filho, teria aconselhado a renunciar, dizendo-lhe: ‘Você vai encontrar Getúlio Vargas, na Academia, o homem que te prendeu?’ Tanto Monteiro Lobato, como Júlio Mesquita Filho, foram presos na ditadura de Getúlio, o jornalista foi, inclusive,  exilado. Por esse motivo a Academia  não mais permitiu  a eleição por aclamação".



***


GETÚLIO VARGAS. UMA REVISÃO NECESSÁRIA

GERALDO PEREIRA –

Na data de hoje, há sessenta e um anos, o saudoso presidente Getúlio Vargas foi levado ao suicídio pelas forças mais reacionárias, que, a serviço do imperialismo americano dispondo de uma imprensa escrita, falada e televisada, ontem como hoje, na acepção da palavra, numa campanha caluniosa até então nunca vista.


Quando atingimos uma certa idade, ela nos faz rever os acontecimentos, pessoais ou não, tornamo-nos proprietários de uma percepção mais ampla, de um poder de análise mais apurado. Sentimos que é verdadeira a sabedoria popular quando afirma que o tempo é o remédio inexorável para todos os males.

Levei grande parte da minha vida, bem mais de meio século, espinafrando Getúlio Vargas, quando não havia motivo, eu criava um pretexto. Escrevi artigos e mais artigos sempre mostrando a face criminosa da sua ditadura, tendo à sua frente o então Capitão Filinto Müller, chefe de polícia do DF, ex-integrante da Coluna Prestes, da qual foi expulso por roubo e covardia.

Na calada da noite a polícia de Filinto Müller retira da casa de detenção Olga Benário Prestes, mulher de Luiz Carlos Prestes: Olga estava grávida de 7 meses, foi metida no porão de um navio de carga, sendo entregue de presente à Alemanha Nazista de Hitler, internada num campo de concentração onde deu a luz a uma menina, sendo depois assassinada na câmara de gás da prisão. Hoje, a filha do produto do amor de Prestes e Olga, Anita Leocádia Prestes, é professora catedrática de História na Universidade do Rio de Janeiro. Esse crime da ditadura Vargas eu não poderia jamais perdoá-lo. Todas as vezes que o nome do ditador era citado, eu citava o assassinato de Olga e espinafrava Getúlio, que, como Presidente poderia ter impedido o embarque de Olga.

Chefe de Polícia da Ditadura, o capitão Filinto Müller tinha sido, como já escrevi, expulso da Coluna Prestes por motivo de roubo e covardia, era nazista, gozava de prestígio com Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra e com Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, mandava mais do que o seu superior o Ministro da Justiça. Com um deles tinha discutido violentamente e há muito não cumpria suas ordens, não sei se com Agamenon Magalhães ou se com Macedo Soares. A coisa foi feia. O Ministro deu-lhe ordem de prisão. O grave incidente chegou ao conhecimento do presidente Getúlio Vargas, que ficou num dilema: sustentar a autoridade do seu Ministro, demitindo Filinto Müller, ou apaziguar o caso para não ferir outros interesses? Getúlio decidiu demitir Filinto Müller e meses após demitiu o Ministro.

Certa tarde um saudoso e respeitável colega, vendo-me fazer uma violenta intervenção verbal, na sede da ABI, sobre o assassinato de Olga, chamou-me a um canto e disse-me: “Você é um jornalista sério, como tal não pode falar sem conhecimento, procure ler o processo de Olga, ele está nos arquivos do Supremo Tribunal Federal em Brasília”. Minhas verdades sobre Getúlio começaram a ser questionadas. Meses após, um outro amigo, o companheiro David Capistrano Filho, na época prefeito de Santos, num dia 24 de agosto, ao me ver, veio ao meu encontro e disse: “Geraldo Pereira (era assim que ele me chamava), li seu artigo de hoje sobre Getúlio, você precisa refazer seu pensamento sobre ele”. Numa palestra que proferi em Belo Horizonte, no Encontro Nacional dos Trabalhadores Hoteleiros, meu fraterno companheiro Francisco Calasans Lacerda, com argumentos irrespondíveis aparteou-me diversas vezes, mostrando quanto foi valiosa a Ditadura de Getúlio para os trabalhadores.

O Grande Oscar Niemeyer, companheiro querido, sempre que o assunto era Getúlio, falava com simpatia sobre o seu governo, realçando o trabalho de Gustavo Capanema à frente do Ministério de Educação e Cultura. Certa tarde, após um gostoso almoço em casa de mestre Barbosa Lima Sobrinho, no bairro de Botafogo, na cidade Maravilhosa, ele com os seus 102 anos de idade e de dignidade, fixou-me, e, com os olhos cansados pela vigilância em defesa da nossa Pátria, declarou-me: “Sabe, Geraldo, cada dia que se passa eu acordo mais Getulista. Getúlio Vargas foi o único presidente que realmente defendeu o Brasil e olhou para o trabalhador”.

Outra grande figura que me fez mudar o pensamento sobre Getúlio, foi Celso Furtado, o filho mais ilustre que a Paraíba produziu, ele, uma década mais velho do que eu, depois de me ouvir por mais de 20 minutos, deu a sentença definitiva: “Geraldo, nossa geração foi educada para odiar Getúlio”.

Carlos Lessa outro mestre da Economia, ex-presidente do BNDES, ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, me falava da importância de Getúlio no desenvolvimento nacional.

Heitor Manoel Pereira, meu saudoso companheiro do Partido Comunista, da década de 40, entrevistado por mim, na sede da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobras, que ele presidia com raro brilho e dedicação, foi incisivo com relação aos sentimentos patrióticos e nacionalistas de Getúlio.

Nas muitas vezes que estive com o saudoso Cavalheiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, nunca o vi com ódio rancoroso de Getúlio, dizia-me sempre que Getúlio foi o melhor quadro da burguesia. Sem dúvida alguma, Filinto Müller foi o grande responsável pelas violências, torturas e mortes durante a ditadura de Getúlio, ditadura em que Getúlio com extrema habilidade, conseguiu permanecer como presidente, Presidente Ditador.

Uma análise daquela época me permite dizer que o Presidente da República, Getúlio Vargas, sob certos aspectos, era prisioneiro das Forças Armadas, principalmente do Exército, do seu Ministro da Guerra General Eurico Gaspar Dutra e do chefe de Exército General Góis Monteiro, ambos simpatizantes de Hitler, eram anticomunistas declarados.

Com o término da Segunda Grande Guerra Mundial, ocorrido em abril de 1945, o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini foram militarmente derrotados. Da Itália, vitoriosos regressam os pracinhas (militares que retornaram da guerra). Getúlio Vargas, em 19 de abril de 45, assina o Ato anistiando todos os presos e exilados políticos. Os comícios retornam às praças públicas, depois de 8 anos sem liberdade. No momento em que o governo Vargas, vai ao encontro da democracia e da liberdade, afrontando a Nação os generais Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra e Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, juntos com o brigadeiro Eduardo Gomes, líder militar da Aeronáutica, em 29 de outubro de 1945, dá um golpe militar em Getúlio Vargas, depondo-o da Presidência da República. Aquele golpe preparado contra Getúlio em 1937 foi transferido para 1945. Getúlio admirava muito Luiz Carlos Prestes, e foi por ele convidado para chefiar a Revolução da Aliança Liberal, que o levou ao poder, em 1930.

Governava o Rio Grande do Sul, quando a seu convite recebe Prestes, em setembro de 1929, no Palácio Piratini. Prestes estava exilado na Argentina. O encontro durou duas horas. Getúlio, depois de ouvir Prestes atentamente discorrer sobre os problemas do País, declarou: “O Senhor tem a eloquência da convicção”. Foi acertado o envio de mil contos de réis, para a compra de armas. No final do encontro, ao se despedir de Prestes, com o braço no seu ombro, Getúlio disse-lhe: “Fique tranquilo, você não vai se decepcionar comigo”.

Na Argentina, Prestes recebe oitocentos mil pesos uruguaios, cerca de oitocentos contos de réis. “Fiquei num drama: O que fazer com o dinheiro? É o problema do pequeno burguês: devolvo, não devolvo? Comprar a mim, ele não me compra. Acabei depositando o dinheiro num banco. Foi usado em 1935, para a compra de armas”, nos diz Prestes, no livro Prestes – Lutas e autocríticas. Em 1935, Prestes usou esse dinheiro na compra de armamentos para derrubar o governo de Getúlio, com a Revolução da A.N.L. – Aliança Nacional Libertadora.

Em 1937, foi a vez dos integralistas, de Plínio Salgado, tentarem um golpe contra Getúlio, tomando de assalto o Palácio Guanabara. O presidente e os seus familiares dormiam quando o tiroteio começou. Recorro a um personagem que foi testemunha e vítima do “assalto”, a filha de Getúlio Vargas, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, no seu livro ‘Getúlio Vargas, meu pai’: “Papai, pelo menos senta, não fica por aí, servindo de alvo e logo em frente a janela”. Alzira telefona: Filinto Müller atendeu logo e declarou que “assim que fora informado do ataque havia mandado uma tropa de choque, da Polícia Especial, já devia ter chegado...”. “Falei com o Chefe de Polícia novamente, confirmou o prévio envio de tropas e espantou-se que não houvesse chegado ao seu destino”. “Falei com o General Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, que me disse nada poder fazer, porque também estava cercado em seu apartamento”. “Falei com o Sr. Francisco Campos, ministro da Justiça, que transmitia, através do telefone, palavras de solidariedade admirativa e passiva”. “Entrei no gabinete de Papai que continuava às escuras e onde se haviam concentrado as pessoas que estavam desarmadas. Hesitava ainda, escolhendo as palavras, quando a metralhadora recomeçou, uma bala solitária entrou zunindo dentro do gabinete, em direção à cadeira em que Papai costumava sentar para escrever e estraçalhou a encadernação de vários livros, na estante que ficava por trás dele. No dia seguinte, a perícia verificou que havia sido atirada do alto de uma árvore, perto da janela”.

Não se tem notícia de um ditador que tenha olhado mais para os trabalhadores do que Getúlio. Deu-lhe: 1931 – A Lei da Sindicalização – um sindicato por categoria; 1932 – Jornada de 8 horas; Carteira de Trabalho; 1933/36 – Os institutos de aposentadoria; 1939 – Cria a Justiça do Trabalho; 1940 – Salário Mínimo; 1943 – Cria a CLT;

No seu governo a Nação ganhou: Companhia Vale do Rio Doce – privatizada no governo do apátrida Fernando Henrique Cardoso; Companhia Siderúrgica Nacional – privatizada; Petrobras – 40% das suas ações foram vendidas na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, no governo do apátrida Fernando Henrique Cardoso; BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Estive no Supremo Tribunal Federal pesquisando todo o processo de expulsão de Olga Benário Prestes, tirei cópia do mesmo. Foi a Suprema Corte, como era chamado o Supremo Tribunal Federal, que autorizou, por unanimidade, a entrega de Olga, grávida de 7 meses aos nazistas. O presidente da Suprema corte era o ministro Ataúlfo de Paiva.



***

MANOEL BANDEIRA. – UMA SAUDADE CONSTANTE!

GERALDO PEREIRA -

1958 - Um registro dos muitos papos entre o Poeta Manoel Bandeira e o jornalista Geraldo Pereira. Fonte: Arquivo Pessoal.
Com o intuito de economizar saúde (necessidade inadiável), pouco sai de casa nesse frio inverno paulista. Aproveitei parte do tempo e debrucei-me sobre as obras completas de Manuel Bandeira, editadas em 1958, pela Aguilar. São dois volumes em papel bíblia, de quando em quando, também consultava Manuel Bandeira - Andorinha Andorinha, seleção de textos coordenados por Carlos Drummond de Andrade, editado por José Olímpio Editora, e lançado, no dia 19 de abril de 1966, em homenagem aos oitenta anos do poeta. Trata-se de um livro carinhosamente organizado por Carlos Drummond - onde o editor declara “a propósito ocorre-nos referir aqui uma confissão que há dois anos nos fazia M.B.: "Não quero morrer sem um dia publicar um livro sobre o Carlos”. Esse Carlos, que em sua Ode, no cinquentenário de Bandeira, chamou-o “O poeta melhor do que nós todos, o poeta mais forte”.

Certo dia eu disse ao Bandeira que o seu poema 'Irene no Céu' sempre que o lia dava um gostoso passeio no passado, ao encontro dos personagens que me fizeram feliz e que hoje são apenas lembranças do passado.

Quando cheguei ao mundo Bia e sua irmã Maria Pequena já estavam morando na casa grande da minha vó, parece que tinham perdido os pais, gente humilde, ela apegou-se muito a mim, dava-me banho, mudava minha roupa, me alimentava, ensinou-me a rezar. Mais tarde, preparava-me o lanche e me levava à escola. Talvez por isso, minha mãe fez dela minha madrinha. Como foi bom ser o seu afilhado! Eu tinha tanto respeito por Bia como por minha mãe. Antes de dormir pedia benção a ambas e beijava suas mãos.

Um dia falei de Bia para Bandeira “eu acho que Irene é muito parecida com Bia”. Ergui a voz e declamei o seu poema ‘Irene no Céu’:

Irene preta
Irene Boa
Irene sempre de bom humor
Imagino Irene entrando no Céu:
- Licença meu branco!
E São Pedro Bonachão:
Entra Irene. Você não precisa pedir licença.

Quem era Irene, personagem do poema de Bandeira? Dou a palavra ao poeta: “Irene era uma preta, que arrumava a minha casa do Curvelo. Passava o ano juntando dinheiro, para vestir-se de baiana de carnaval, nas vésperas da qual, aliás, empenhava umas joiazinhas que possuía. Se já não é viva deve estar mesmo no céu”.

Sempre tive uma imensa simpatia pela produção literária de Manuel Bandeira, e, por ele pessoalmente.

Menino, na Rua da União, no bairro da Boa Vista, no Recife, a casa onde nasceu Bandeira, exercia sobre mim, um fascínio muito grande. Acredito que li centenas de vezes a placa com dizeres alusivos ao poeta.

A exposição de suas obras, acompanhada de muitas fotos, bem como da opinião da crítica, no Recife há sete décadas, também, muito contribui para que essa admiração se ampliasse cada vez mais.

Numa época em que a intelectualidade brasileira se dividia entre a esquerda e a direita, não era fácil para um jovem comunista, recitar Bandeira e ter sempre consigo os seus livros.

A esquerda tinha um time de alta respeitabilidade, onde pontificavam, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Dalcídio Jurandir, Caio Prado Júnior, Álvaro Moreira, Afonso Schmidt. A direita também contava um excelente plantel, Manoel Bandeira, Alceu Amoroso Lima, Augusto Frederico Schmidt, Gustavo Corção, Jorge de Lima, José Lins do Rego, eram dois grupos de respeito.

O sectarismo, a disciplina partidária, não permitia que a nossa sensibilidade poética fizesse ‘propaganda de um inimigo declarado’.

Mais tarde no Rio de Janeiro, conheci o poeta pessoalmente. Magro, usava um aparelho contra a surdez. Trajava-se meio desengonçado, roupas compradas possivelmente nas lojas de crediários. Olhos pequenos, que diminuíam ainda mais diante das fortes lentes.

Sempre o vi andando às pressas pelas movimentadas ruas da Esplanada do Castelo, no centro do Rio de Janeiro. Caminhava o poeta, acredito eu, em busca de uma condução que o levasse à Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil – onde ele pontificava como titular da cadeira de Literatura.

Certo dia encarei. A pressa foi derrotada fragorosamente por um longo bate-papo, com um convite para visitá-lo em seu apartamento da Avenida Beira-Mar, pertinho do aeroporto Santos Dumont, no centro da cidade.

Da primeira vez, o procurei, eram quase 10 horas da manhã. Toco a campainha, vendo o litro de leite junto à porta, disse comigo: “O poeta não está.” Nessa época, a poesia se fazia presente em tudo. O leiteiro deixava o leite, o padeiro deixava o pão, na porta dos seus clientes, o que nos permitia, uma ou outra vez, quando das noitadas, mais por anarquia, nos fartarmos às custas alheias. Bandeira não tinha passado bem à noite, disse-me. Abaixou-se para apanhar o leite, me antecipo. Pergunto-lhe se quer comprar algum remédio: “Estou às suas ordens”. Agradece, e pede-me para passar depois.

Quantas vezes passei, quantos papos batemos, sinceramente não sei. Foram muitos.

Certa manhã, o visito. Estava de partida para o Recife. Dou-lhe conhecimento: “Estou indo para a ‘terrinha’, você quer alguma coisa Bandeira?” Ele agradece e diz que não. Despedimo-nos. Fecha a porta, de imediato, abre-a e me chama. Fixando-me bem nos olhos pergunta: “Geraldo você conhece o Arraes?” Arraes era o prefeito do Recife. Bandeira me informa que o Arraes havia vetado a Lei aprovada pela Câmara Municipal, que autorizava a colocação do seu busto, numa praça no centro da cidade. Senti que Bandeira estava magoado. “Fale com ele”, repetiu. Não falei nada com Arraes, nem sei se teria acesso. No avião a frase do poeta tomava conta do meu subconsciente: “Fale com ele”.

Chego ao Recife. Preciso de alguém que tenha acesso ao prefeito. À tardinha, casualmente, na Praça Joaquim Nabuco, na capital pernambucana, encontro o líder comunista David Capistrano, dirigente máximo do PC em Pernambuco, homem de prestigio e alta respeitabilidade.

Prefeito do Recife só se elegia com apoio comunista. Arraes teve apoio, se elegeu com 70% dos votos dos recifenses.

Eu tinha uma profunda admiração por David, sua biografia me empolgava. Sua coragem e seu amor à Pátria serviam de exemplo.

Falei com David: “Preciso de sua ajuda. Bandeira não é um inimigo do partido, Bandeira é um poeta. É pernambucano, é meu amigo!” David pediu-me para aguardá-lo, naquele mesmo local (uma casa de eletrodomésticos de um simpatizante do partido), no outro dia, na mesma hora”.

Pontualmente, David chega e me diz rindo,  que Arraes vetou a Lei, alegando que o poeta Manoel Bandeira, há mais de 30 anos, não vinha ao Recife.

Getúlio Vargas era o presidente da República, havia assinado o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, por cujo acordo, teríamos que acompanhá-los nas suas guerras imperialistas, como a da Coreia, por exemplo. Eles estavam exigindo a nossa presença. E os comunistas estavam nas Praças Públicas liderando a campanha contra o envio dos nossos soldados, a fim de não servir de ‘bucha para canhão’.

Elisa Branco, uma líder comunista, ganhadora do ‘Prêmio Stalin da Paz’, foi presa e condenada a quatro anos e seis meses de prisão, tendo cumprido mais de três, visitei-a no Presídio do Hipódromo na capital paulista. Seu crime: abriu uma faixa no Viaduto do Chá, no desfile Militar de Sete de Setembro, com os dizeres “Os soldados, nossos filhos, não irão para Coreia!” Grande e saudosa Elisa Branco, as homenagens desse seu companheiro de lutas. Com esse gesto heroico e corajoso, Elisa salvou muitas vidas dos nossos jovens. É bom lembrar que essa guerra teve início em 25 de junho de 1950 e terminou em 27 de julho de 1953. Morreram três milhões de coreanos e 40 mil americanos.

Havia chegado ao Brasil, encontrava-se ancorado na Baia da Guanabara um porta-aviões americano. Manuel Bandeira fez um poema, saudando a moçada americana. Poeticamente afirmava: “Entre, vá mandando, a casa é sua.” Caímos de pau em cima do poeta.

Há pouco, no Recife, faço um passeio cultural pela cidade, em frente ao Rio Capibaribe, contemplando-o, encontro com Manuel Bandeira. Cabelos bem penteados, sentado, pernas cruzadas, seu olhar está fixo, olhos pequenos que diminuíam ainda mais diante do Capibaribe, Capibaribe que ele cantou tantas vezes e de tantas saudades. A escultura, eu não sei se é de Abelardo da Hora, falecido há pouco, meu companheiro sempre presente nas lutas em defesa das boas causas. O genial escultor pernambucano, cuja arte e prestígio ultrapassaram as nossas fronteiras.

Ontem eu sonhei com o poeta Manuel Bandeira. Estava vestido de branco, e sorria muito para mim. Amanheci alegre e com muita saudade dele.


***

SAUDADE DE JORGE AMADO!

GERALDO PEREIRA* -


De Jorge Amado são muitas as lembranças. Debito essas lembranças aos filmes, armazenados no meu subconsciente, filmes revistos com saudades, nesse frio e insuportável inverno paulista, que obriga-me a permanecer em casa a fim de evitar uma forte gripe, irmã gêmea da pneumonia. Na encosta da vida, onde me encontro, não posso correr o risco de deixar Laura, com seus quase nove anos, sem uma orientação segura, para conviver nesse mesquinho mundo capitalista, tão pequeno, tão desumano, produtor, fabricante e vendedor de todas as misérias!

Conheci a obra de Jorge bem antes de tê-lo conhecido pessoalmente, graças ao meu vizinho, que era sapateiro de profissão, na cidade de Recife, no bairro da Torre. Vivíamos a Segunda Grande Guerra Mundial. Em águas brasileiras, os submarinos alemães estavam afundando os nossos navios de passageiros. A revolta na capital pernambucana foi grande. Casas comerciais de alemães e japoneses sentiram o peso dessa revolta. Algumas residências também foram 'visitadas'. Participei desse sentimento de indignação patriótica do nosso povo, em 1942.

Acompanhava as notícias da guerra através do 'Diário de Pernambuco'. Todas as noites, eu lia o mais antigo órgão de imprensa da América Latina, graças ao vizinho sapateiro. Uma noite, ele chamou-me e disse-me: “Tá vendo esse livro, está em espanhol, vamos tentar ler juntos? Você não diga a ninguém, senão poderemos ser presos.” Era 'A Vida de Luís Carlos Prestes', editado na Argentina, pela Editoria Claridad, em 1942. Eu tinha os meus quinze anos, foi um curso de história política e literária, a poesia de Jorge contaminou-me. Apaixonei-me pelos personagens: Luís Carlos Prestes e seu advogado Sobral Pinto. Como sofri com a entrega de Olga, esposa de Prestes, para os nazistas, como odiei o carrasco Filinto Müller.

Mais tarde, em passeata, exigimos que o ditador Getúlio Vargas declarasse guerra aos nazistas. Hoje, sabemos que não foi fácil ao ditador vencer a dupla de generais Eurico Dutra, ministro da Guerra, e Goes Monteiro, Chefe do Estado Maior, ambos grandes admiradores da Alemanha nazista. Sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Moraes, nossos batalhões expedicionários foram para os campos de batalha da Europa e lá escreveram as mais belas páginas das nossas Forças Armadas. Derrotados militarmente os nazistas alemães, os fascistas italianos e o exército japonês, regressaram os nossos soldados, o povo brasileiro orgulhoso recebeu os nossos heróis.

Em 19 de abril de 1945, Getúlio Vargas tinha assinado um decreto concedendo anistia. Luís Carlos Prestes e todos os demais presos políticos são libertados. Retornam os exilados: Otávio Mangabeira, Octávio Brandão, Armando Sales de Oliveira, o jornalista Júlio Mesquita e muitos e muitos outros. Os comícios voltam às praças públicas, a prática da democracia é contagiante. Em sentido contrário a essa prática, em 29 de outubro, os generais Eurico Dutra e Goes Monteiro, em companhia do brigadeiro Eduardo Gomes, dão um golpe e depõem Getúlio.

Em setembro, Prestes se encontra com os trabalhadores do Recife, na sede do Sindicato dos Tecelões, na Rua da Concórdia. Emocionado, vejo o 'Cavalheiro da Esperança', aperto sua mão. No meio daquela multidão, eu era dos poucos que estava a par dos seus sofrimentos, seus nove anos de prisão e da seriedade do seu idealismo. No outro dia, no Parque Treze de Maio, o comício foi inesquecível, nunca tinha visto, em minha vida, tanta gente reunida, até então. Seu discurso foi o de um homem sofrido, mas esperançoso, de amor à Pá- tria e ao seu povo. Apresentou soluções práticas para os problemas do Brasil, principalmente a Reforma Agrária, sem a qual não liquidaríamos com o problema da fome do nosso povo. Gostei. Prestes me ganhou. Entrei para o seu partido.

Em 2 de dezembro de 1945, houve as eleições, o general Eurico Gaspar Dutra é eleito presidente da República. O partido Comunista elege um senador e 14 deputados. Após a eleição, Jorge Amado, já deputado, eleito por São Paulo, chega ao Recife, onde desenvolve intensa atividade. Com Leonardo Moreira Leal, Jurandir Bezerra, sobrinho de Gregório, filho de José Lourenço Bezerra, assassinado pela polícia pernambucana, em 1937, e outros jovens comunistas, fundamos o Centro Literário Castro Alves. Era só agitação política e politização da classe estudantil. Contando com o apoio de Gregório, também eleito deputado federal, convidei Jorge para falar no Centro Castro Alves. Foi uma tarde memorável. Leonardo fez a apresenta- ção de Jorge, falou do significado da sua Obra, principalmente, da biografia de Luís Carlos Prestes, agradeceu a Jorge pela mesma, em nome da juventude estudantil comunista. Jorge nos disse da satisfação daquele encontro, que estava nas mãos da juventude a obrigação de lutar por um Brasil sem fome, sem miséria, tão constante na vida do povo brasileiro. Falou da sua profunda admiração pelo poeta, pela obra e, acima de tudo, pela vida de Castro Alves, pela coragem com que defendeu os escravos, escondendo-os, inclusive em sua casa, onde vivia a plenitude de seu amor, com a sua amante, a atriz portuguesa Eugênia Câmara.

Um ano mais tarde, no Rio de Janeiro, na Tribuna da Câmara dos Deputados, vejo Jorge denunciar o governo do general Dutra, que estava fechando o Sindicato dos Estivadores e a União Geral dos Sindicatos dos Trabalhadores de Santos. Estava liquidando com a liberdade de imprensa, apreendendo as edições diárias da Tribuna Popular, órgão do Partido Comunista. Jorge se manifesta veementemente contra o Decreto Lei 9070, do governo Dutra, proibindo o direito de greve, e protesta indignado contra a presença de agentes da Delegacia de Ordem Política e Social, nas assembleias sindicais, ergue a sua voz contra a dissolução a tiros do comí- cio do PCB, no Largo da Carioca, feita pela polícia, com dezenas de feridos, e a morte de Zélia, militante comunista.

Todas as manhãs, a bancada comunista, composta de 14 deputados e um senador – Luís Carlos Prestes, se reunia para tratar da pauta dos trabalhos legislativos. Pernambuco elegeu 3 deputados: Gregório Bezerra, Alcedo de Morais Coutinho (suplente de Luís Carlos Prestes), e Agostinho Dias de Oliveira; a Bahia elegeu Carlos Mariguela, o Distrito Federal, como se chamava a cidade do Rio de Janeiro, capital da República, mandou para a Câmara João Amazonas, Maurício Grabóis e Joaquim Batista Neto. O Estado do Rio de Janeiro fez 2 deputados: Alcides Sabença e Claudino José da Silva, o único deputado negro da Constituinte de 46. São Paulo elegeu Jorge Amado, Osvaldo Pacheco, José Maria Crispim e Milton Caires de Brito, esse substituindo o líder ferroviário Mario Scott. O Rio Grande do Sul elegeu Abílio Fernandes.

Durante os trabalhos para a elaboração da Carta Constitucional de 1946, os projetos e as indicações da bancada comunista, comumente, eram recusados, iam para a lata do lixo. Diante dessa atitude, tipicamente reacionária, da maioria dos deputados, Jorge Amado, certa manhã, na reunião da bancada, deu ciência a Prestes e aos demais deputados que à tarde iria apresentar uma emenda, mas não queria a assinatura de nenhum parlamentar comunista, para não correr o risco de ver a emenda recusada, de imedito. Era uma emenda ao Projeto da Liberdade de Culto. Jorge contou com o apoio de Gilberto Freyre, deputado pernambucano, consagrado autor de Casa Grande e Senzala, nome de grande prestígio, na Assembleia Nacional Constituinte. Gilberto Freyre assinou a Emenda, congratulou-se com Jorge, apenas lamentou não ter sido o autor da mesma, afirmou: “Por que não pensei nisso?”. Foi essa emenda que garantiu a Liberdade de Culto em nosso País. Esse empenho de Jorge Amado foi no sentido de libertar das violências que ele presenciou na capital baiana, ainda adolescente. Que os leitores ouçam o próprio Jorge:

“Menino de 14 anos, comecei a trabalhar em Jornal, a frequentar os terreiros, as feiras, os mercados, o cais dos saveiros, logo me alistei soldado na luta travada pelos Candomblés, contra a discriminação religiosa, a perseguição aos Orixás, à violência desencadeada contra os pais e mães de santo, iaôs, ekedes, ogãs, babalaôs, obas. Não vou me demorar, no que me foi dado ver, os lugares sagrados invadidos e destruídos, ialorixás e babalorixás presos, espancados, humilhados, nunca esqueci de Pai Procópio, as costas em sangue, resultado da surra de chicote no 'xadrez'. Tais misérias e grandeza do povo da Bahia são as matérias-primas dos meus romances, que os leia quem quiser saber como as coisas se passaram.”

Como a emenda aprovada, a lei assegurou o direito de crença para todos os credos. Pai Procópio estava livre para bater os atabaques, nos terreiros de Candomblés, da cidade de Salvador, sem correr o risco de ser novamente surrado no 'xadrez' policial. Aquele menino baiano de 14 anos, sensível, vinte anos mais tarde, feito deputado federal, por São Paulo, não esqueceu seus irmãos da Bahia, não esqueceu Pai Procópio. É bem verdade que a lei ensejou, também, o aparecimento de oportunistas e sabidões, que vivem do comércio da fé, donos de suntuosos supermercados desse gênero.

Em 1947, no auge da Guerra Fria, Truman, o presidente americano, exige do presidente Dutra a cassação do registro do Partido Comunista. O Tribunal Eleitoral, num ato vergonhoso, que o cobriu de vergonha, cassou o registro. Meses após é a vez da Câmara dos Deputados capitular covardemente e cassa o mandato dos parlamentares. Sem imunidades, alguns são presos, espancados e processados, outros vão para a clandestinidade, como o senador Luís Carlos Prestes, só retornando à legalidade dez anos após, com o governo de Juscelino. Jorge Amado parte para o exílio, inicialmente Paris, onde desenvolve intensa atividade política, sendo, inclusive, expulso do país junto com o poeta Pablo Neruda e o pintor Carlos Sclier. Passou cinco anos na Europa, viaja pelo mundo e o mundo tomou conhecimento de sua obra. Ganha o prê- mio Stalin da Paz, já é considerado um nome de primeira grandeza na literatura mundial, com as suas obras traduzidas para dezenas de idiomas, torna-se uns dos escritores mais lidos e premiados no mundo, vivendo exclusivamente dos seus direitos autorais.

Em 1956, Jorge regressa ao Brasil. A ABDE - Associação Brasileira de Escritores, presidida pelo escritor Abguar Bastos, organiza um jantar em sua homenagem. Esperaram Jorge e Zélia, que vinham de ônibus do Rio de Janeiro, umas 150 pessoas, o terminal era na Av. Ipiranga, um pouco antes da Av. São João. À noite, no Clube Homs, na Av. Paulista, o jantar foi um sucesso, Jorge estava emocionado com o reencontro tão festivo, abraça velhos amigos e companheiros que há anos não via.


No início da década de 60, Gabriela – Cravo e Canela era o maior sucesso editorial, de todos os tempos, no Brasil. Irineu Garcia, de saudosa memória, produtor de disco, marca Festa, lança os LPs com as poesias de Bandeira, Drummond, Ascenço Ferreira, Pablo Neruda, mais uma antologia de diversos poetas nossos, na voz do maior e melhor declamador poético da língua portuguesa, o português João Vilaret. Logo, os acalantos de Gabriela, na voz de Jorge, acompanhado ao violão por Dorival Caimmy, estavam em pauta.

Acompanhei de perto a produção desse LP. Ganhei um exemplar com extensa dedicatória de Jorge, autografada também por Caimmy e Irineu Garcia. Uma pessoa irresponsável pediu-me emprestado o LP e não mais me devolveu. Uma pena! Viajei boa parte do País, levando comigo as vozes de Bandeira, Drummond, Neruda, Ascenço, Jorge. Corríamos as faculdades de Filosofia e Letras, entrevistávamos o secretário de Cultura de cada Estado, num trabalho eficiente de divulgação.

Chego em Salvador. Certa manhã, quase tarde, encontro Jorge na Baixa do Sapateiro. Camisa esportiva, por fora da calça, fumando, sandália Conga, em companhia de seu amigo, “argentino de nascimento, mas baiano de coração”, o pintor Caribé. Era hora do almoço. Fomos almoçar numa pensão simples – muito simples. Quatro ou cinco mesas, todas estavam ocupadas por gente humilde, operários, trabalhadores braçais. Num canto, fritando peixes e fazendo os pratos, a fim de que o filho servisse aos fregueses, uma 'preta velha', de idade avançada, doutora na arte de cozinhar, é cumprimentada por Jorge. Sou apresentado a ela. Jorge bate um papo com todos, ao mesmo tempo. Ali é o seu mundo, sua gente, ali estão os seus personagens. A pensão ficava bem no coração da 'Cidade Alta', próxima aos puteiros, espalhados pelos velhos e misteriosos sobrados que Jorge conhecia como a palma da mão e que estão presentes em suas obras. Nesse LP, na voz do Jorge, com violão de Caimmy, ele gravou também um “Canto de Amor à Bahia”. Um texto longo de pura poesia, ele fecha o texto com um pedido:

“Essa é minha cidade e em todas as muitas cidades que andei, eu a revi num detalhe de beleza. Nenhuma assim, tão densa e oleosa. Nenhuma assim, para viver. Nela quero morrer, quando chegar o dia. Para sentir a brisa que vem do mar, ouvir à noite os atabaques e as canções dos marinheiros. A cidade da Bahia, plantada sobre a montanha, penetrada de mar”.

Em 1956, as revelações do Relatório Kruchev, no 20º Congresso PCUS, e a invasão da Hungria pela União Soviética, fizeram Jorge Amado se afastar do Partido Comunista.

Os problemas cardíacos deixam qualquer ser humano inseguro, aliada à perda da visão, essa insegurança é quase total, é um duplo golpe, triste e profundo, quase irresistível, principalmente quando esse ser humano é um escritor, um privilegiado criador e contador de estórias – Jorge Amado. Os últimos anos vividos por Jorge fizeramno calado, deprimido, pouco a pouco, ele foi deixando de lado o seu trabalho, assim como o convívio com os amigos. Em abril de 1997, após a implantação de um marcapasso, diante do problema da visão que se agravava, ele declarou que doravante passaria a ditar as suas obras.

Um ano antes, Jorge viajara para França, onde é homenageado no Salão do Livro de Paris. Recebe o título de Doutor Honoris Causa, na famosa Sorbone. Homem de sensibilidade, apegado aos amigos, Jorge foi pouco a pouco morrendo com a morte deles: Pierre Verger, o etnólogo e fotógrafo francês; o pintor Caribé, e ,antes, a morte trágica de Dias Gomes, esses adeuses abalaram profundamente o Amado Filho da Bahia.

Em 1945, passou a viver com Zélia, em 1978, casaram-se, produtos desse amor, nasceram Paloma e João Jorge. Certo dia, ele declarou que “Zélia foi a maior sorte que tive na vida”, e fez uma declaração pública de amor a ela:
“A vida me deu mais do que pedi e mereci. Não me falta nada. Tenho Zélia e isto me basta.”

Na França, foi condecorado pelo presidente François Mitterrand, recebendo dele a Legião de Honra e palavras sobre a sua obra de escritor. São Passados 25 anos de sua expulsão da França, junto com Zélia. A comenda que acaba de receber vale como uma reparação.

Ele era baiano, nasceu numa fazenda de cacau, de propriedade de seu pai, em Ferradas, distrito do município de Itabuna. Escritor premiadíssimo, tanto em seu país, como no estrangeiro, Jorge Amado é autor de 34 livros, o mais vendido foi Capitães de Areia, escrito em 1937, 20 milhões de exemplares só no Brasil, esse livro também é bem vendido na França, tendo, inclusive, sido adotado nas escolas francesas.

A obra de Jorge Amado é publicada em 52 países, traduzida em 48 idiomas e dialetos, muitos deles foram adaptados para o cinema, teatro, televisão, rádio, estórias em quadrinhos. Jorge foi eleito por unanimidade para a Academia Brasileira de Letras, em 6 de abril de 1961. Tomou posse em 17 de junho, na Cadeira 23, cujo patrono é José de Alencar, Jorge substituiu seu conterrâneo Otávio Mangabeira e, mais tarde, seria substituído pela escritora Zélia Gattai Amado, sua esposa.

Um dia, em resposta a um repórter, que perguntou-lhe se tinha medo da morte, declarou: “Não sinto medo da morte, porque não acredito em céu e nem em inferno. Mas a ideia de morrer não me causa nenhuma simpatia. Por mais velho que se fique, o tempo de vida que temos é muito curto, definitivamente, a morte é uma criatura muito desagradável.”

*Geraldo Pereira é jornalista especializado em história política e sindical do Brasil, atuando por mais de 60 anos nos principais veículos de comunicação do país, e membro do Conselho Fiscal e da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da ABI - Associação Brasileira de Imprensa. O texto acima foi reproduzido do Informativo SINTHORESP (junho/julho 2012).