ANDRÉ BARROS -
A articulação Estadual de Memória, Verdade e Justiça do Rio de Janeiro
está fazendo uma campanha para retirar dos monumentos públicos os nomes dos
ditadores do sanguinário golpe militar de 1964. Recentemente, no dia 29 de
julho, 300 pessoas fizeram uma Marcha de Copacabana até o Leme, onde terminaram
com um ato de escracho em frente à estátua do ditador Castello Branco, que foi
indicado por uma junta militar golpista para presidente do Brasil em 1964 e
ficou no cargo até 1967. Tendo governado através de atos institucionais e
instaurado o Estado Torturador, ele transformou o Brasil num quartel. Uma faixa
com os dizeres “ditador do Brasil” colocada na estátua ganhou forte divulgação
nas redes sociais.
Ao ver a foto, logo lembrei do meu saudoso pai, Fernando Barros,
proibido de atuar como jornalista pelo Ato Institucional nº 1 de 1964. Meu pai
também foi cassado como presidente de um dos centro acadêmicos mais importantes
do país, o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira da Faculdade Nacional de
Direito, o Caco, que fica próximo ao 1º Exército e à Central do Brasil, em
frente à Praça da República. Em 1966, meu pai foi o único candidato a deputado
cassado pela ditadura militar. Os ditadores golpistas cassaram muitas pessoas
que já haviam sido eleitas, mas meu pai foi cassado ainda como candidato.
Naquela época, o programa eleitoral era ao vivo e ele disse o seguinte na TV: ”
Você, Castelo Branco, pode me cassar, mas não vai cassar o ódio de 80 milhões
de brasileiros: você não passa de um moleque de recados do imperialismo
norte-americano”. Eu nasci exatamente naquele ano em que meu pai estava sendo
cassado pela terceira vez. Minha mãe, Ana Lúcia Barros, irmã da guerrilheira
Vera Sílvia Magalhães, estava assistindo ao programa e conta que não podia
acreditar que meu pai estava dizendo aquelas palavras para todo o estado do Rio
de Janeiro, ao vivo, em plena ditadura militar.
Agora, o que este assunto tem a ver com maconha? Muito, porque todo tipo
de poder punitivo avança nas ditaduras. Seguindo a Convenção Única da
Organização das Nações Unidas, de 1961, o regime militar tampouco perdoava os
maconheiros. Naquele tempo, no Brasil, a maconha era praticamente a única
substância proibida, já que outras, também tornadas ilícitas, eram consumidas
raramente. A cocaína, muito cara e considerada “chic”, era só para os ricos. Os
usuários de maconha da classe média passaram a ser discriminados por terem
adotado um hábito dos pobres. Seguindo a imposição de criminalização da ONU,
como a legislação não discernia entre consumidor e comerciante, usuários
pegavam penas altas.
Consumidores de classe média passaram a ser presos nas infernais cadeias
e ter suas vidas destruídas, sofrendo na pele a injustiça que os pobres sempre
sofreram desde a escravidão. Posteriormente, decisões judiciais prepararam
legislações que passaram a diferenciar o usuário do traficante, abrindo, assim,
uma brecha para impedir longas penas. No entanto, por razões que vão desde a
seleção pelos policiais até o acesso à defesa, os pobres ainda são os mais
massacrados pelo proibicionismo.
Sem querer me alongar neste texto, busco apenas alertar aos ativistas da
legalização da maconha que não podemos brincar com a democracia, pois os
torturadores e ditadores continuam tendo muito poder e não querem permitir
sequer serem julgados. Eles elegem seus representantes para os parlamentos, com
muitos deputados da linha dura da polícia, do Ministério Público e de todo o
sistema penal.
Agora que vivemos ares democráticos na América do Sul, estamos
assistindo ao atual presidente do Uruguai José Mujica – ex-guerrilheiro do
Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, que ficou 14 anos na prisão na
ditadura militar daquele país – defender que o Estado venda 40 “baseados” por
mês por pessoa. Isso jamais aconteceria numa ditadura, o que ainda deixa
inconformados seus proibicionistas seguidores.
Agora, só falta a atual presidenta do Brasil, a companheira e
ex-guerrilheira, que também foi presa e torturada, seguir o exemplo do
companheiro Mujica. A multidão pede: libera a erva Dilma Vez!